25/02/2017 às 08h49min - Atualizada em 25/02/2017 às 08h49min

"Vamos ser sinceros: Ninguém aqui é virgem", diz deputado Cristiano Araújo

Seria útil para deixar claro que o suposto esquema não passa de grande armação.

Correioweb
Apontado pelo ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves como o responsável pela conquista do “negócio das UTIs”, o deputado Cristiano Araújo (PSD) confirma, nos áudios aos quais o Correio teve acesso, “que levou o assunto aos distritais”. Receoso com o andamento da Operação Drácon, o distrital dedicou horas dos dias subsequentes à deflagração das investigações aos debates sobre os possíveis desdobramentos do caso — cassação do mandato, condenação judicial, prejuízos à reeleição e, até mesmo, prisão de parlamentares em exercício.
O parlamentar garante aos interlocutores, sucessivas vezes, que não fechou o acordo sob investigação na Drácon, apenas admite que agiu como intermediador. “Eu não fiz o negócio. Eu levei o assunto, cara. Eu não pedi nada pra ninguém, tanto é que viajei. Agora, os bispos (Renato Andrade e Julio Cesar) vão ficar mentindo até a última hora”, conta. O parlamentar do PSD acrescenta: “Aí, fui falar: ‘Porra, fala se vocês foram ou não foram’; ‘Ah, a gente foi lá mesmo. Tivemos a conversa’”, completa. Segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Cristiano era o intermediário da propina com empresas da área de saúde. O montante acertado seria de 10% do valor liberado, cuja previsão era de R$ 30 milhões. Cristiano e os deputados Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato (PR) e Júlio César (PRB) foram denunciados por corrupção passiva.
Nas conversas captadas pela escuta ambiental instalada em seu gabinete por policiais civis e membros do Ministério Público, com autorização judicial, Cristiano destaca a morosidade do sistema judiciário brasileiro e aponta que, na Câmara Legislativa, “ninguém é virgem”. O parlamentar sugere que, nas condições políticas da Casa, seria improvável o andamento do processo de cassação. De fato, as representações da Drácon acabaram sendo suspensas pelo então presidente do Legislativo local, Juarezão (PSB).


Cristiano Araújo revela, nos diálogos, que teve o apoio do ex-deputado Leonardo Prudente, condenado por improbidade administrativa na Operação Caixa de Pandora. Ele é pai de Rafael Prudente (PMDB), corregedor da Casa até o fim do ano passado. Em um encontro, segundo Cristiano, Leonardo recordou-se do momento em que teve o mandato ameaçado na Câmara, em 2010. À época, Cristiano teria garantido que “não iria fazer nada”. “A mesma conversa que você teve comigo... Eu não esqueci nada daquilo lá (...) Olha, não quero f... ninguém. Ele (Rafael) vai te defender à medida que não indisponha ele”, teria dito Leonardo Prudente.

Reeleição

Em dezenas de diálogos, Cristiano Araújo aponta as pendências na Justiça e mostra não se preocupar com uma condenação rápida, que minaria seus planos para a eleição de 2018. “Em todas as possibilidades que a gente analisa, mesmo que venha uma condenação, não contamina a minha eleição. A gente tem muita coisa a fazer, tem STJ, STF, TCU, é um processo confuso”, ressalta. Apesar das especulações, em uma das gravações, o distrital discute com assessores a possibilidade de pedido de prisão contra os parlamentares investigados. Nesse momento, lê o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso Mello sobre o tema.

Assim, o distrital sugere a necessidade de “sair do foco” para se poupar. “Nesse ambiente, com o governador puto, ele deve estar colocando a Polícia Civil toda de olho na gente”, diz. E acrescenta, aconselhando cautela ao interlocutor: “Se pisar fora...”.

Para deixar os holofotes, logo após a deflagração da Drácon, Cristiano afastou-se da CPI da Saúde, na qual ocupava a Vice-presidência. “Se a gente sai da CPI, sai do foco. Mas, por outro lado, não tem como atacar o governo e nem se defender lá dentro, né?!”, reflete. Após inúmeros debates, o deputado e os interlocutores classificam a permanência como “insustentável”. A exemplo de Cristiano, Bispo Renato Andrade (PR) também deixou a CPI.

Bispo Renato, inclusive, é considerado pelo parlamentar como um dos envolvidos em situação mais crítica. “O bispo é o mais enrolado. Tem o assessor dele. Gravação dele”, afirma, referindo-se a Alexandre Braga Cerqueira, suspeito de ocultar provas antes da deflagração da Drácon para obstruir as investigações. O ex-servidor foi flagrado pelo sistema de câmeras de segurança da Casa retirando caixas de documentos e equipamentos no mesmo andar onde funcionam os gabinetes da Mesa Diretora, em 20 de agosto. Com esse cenário, Cristiano avalia: “Nós não estamos nem 1/3 do que nego ‘tá’ enrolado”.

Enfrentamento

Ao Correio, Cristiano Araújo comentou os diálogos. Em primeiro lugar, defendeu que, ao dizer “que levou o assunto aos distritais”, referia-se não ao suposto esquema, mas, sim, à demanda de diversos setores, como construção civil, vigilância e saúde, os quais obtinham dezenas de débitos em aberto com o GDF e demandavam o recebimento dos valores.

Depois, o parlamentar disse não se recordar do diálogo com Leonardo Prudente. Sobre o uso da CPI da Saúde para atacar o governo e preservar-se, explicou que “àquela época, estava em uma linha de enfrentamento com o governo, pela solicitação de demandas da população”. E acrescentou: “A CPI seria útil para deixar claro que o suposto esquema não passa de grande armação”. (AMC, HM e AV)


Memória

Emendas, propina e denúncia


A Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagraram, em 23 de agosto do ano passado, a Operação Drácon. A ação, motivada pela entrega de áudios de deputados distritais gravados por Liliane Roriz (PTB), investiga um suposto esquema de uso de emenda parlamentar para o pagamento de unidades de terapia intensiva (UTIs) mediante cobrança de propina. O conchavo, conhecido como UTIgate, seria integrado pelos membros da Mesa Diretora afastados pela Justiça: Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato Andrade (PR) e Julio Cesar (PRB); além de Cristiano Araújo (PSD).

Na primeira fase da operação, cumpriram-se mandados de busca e apreensão nos gabinetes e nas casas dos parlamentares envolvidos, com o intuito de buscar indícios que confirmassem a existência da articulação. Após as primeiras ações da Polícia Civil, o distrital Chico Vigilante (PT) afirmou que um servidor da Câmara Legislativa o informou sobre retiradas de provas da Casa. Assim, em 2 de setembro, pela segunda etapa da ação, a Polícia Civil voltou ao Legislativo local. Dessa vez, para apurar a possibilidade de destruição ou alteração de evidências referentes ao caso (fotos).

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