Passava das 2h da madrugada de quinta-feira (25/07/2019), quando uma garota de programa de cabelos pretos deixou a Alfa Pub, boate que explora a prostituição no Setor Hoteleiro Sul. Trajando minissaia, ela caminhou até um carro, abriu a porta e sentou-se ao lado do motorista. Com intimidade, acomodou a bolsa no banco traseiro. A cena seria considerada trivial, não fosse por um detalhe: o veículo era uma viatura caracterizada da Polícia Militar do Distrito Federal, e, ao volante, um servidor fardado em pleno expediente.
Embora passe longe da conduta esperada por um integrante das forças de segurança pública, a imagem é corriqueira. Ao longo de quatro meses, o Metrópoles acompanhou a relação próxima entre policiais, proprietários da casa noturna, funcionários e mulheres que ganham a vida com o sexo. Durante as campanas, a reportagem constatou que, semanalmente, grupos de PMs frequentam o estabelecimento. Alguns, inclusive, chegam a passar até três horas dentro do prédio.
Entre os meses de abril e julho, pelo menos 13 viaturas de diferentes prefixos transportaram mulheres que trabalham na casa de shows após as noitadas. Pagos para combater práticas criminosas, policiais cultivavam o hábito de entrar na empresa privada sempre entre 23h30 e 3h30, quando o movimento de pessoas é reduzido nas ruas do Setor Hoteleiro. O modus operandi era semelhante em todas as situações flagradas: dois ou três militares ficavam na porta de entrada da Alfa Pub, conversavam com os seguranças e entravam.
Na madrugada dessa quinta-feira (25/07/2019), a Alfa Pub fechou às 2h. Do lado de fora, algumas prostitutas fumavam cigarros de maconha. Instantes depois, uma viatura da PMDF se aproximou, mas não era para repreender o grupo por uso de entorpecentes. Sem demonstrar preocupação com a presença de representantes do estado, uma das garotas apagou o baseado, enquanto a outra seguiu em direção ao veículo. Após um rápido bate-papo, ela entrou no carro e deixou o local com os PMs.
Na noite do último dia 7, a movimentação de policiais militares foi intensa na boate. Câmeras do circuito de segurança registraram os passos dos agentes que deveriam estar à serviço da coletividade. Eles apareceram, em uma viatura, às 23h25, e foram recepcionados por um dos donos da casa noturna. O empresário chegou a se debruçar na janela do carro plotado com as cores da instituição. Ademais, cumprimentou amistosamente os seus ocupantes. Após uma breve interação, a guarnição seguiu para outro destino, mas não demorou a voltar: mais precisamente às 23h56. Perto do relógio cravar meia-noite, a equipe fardada e armada entrou na boate e saiu somente 38 minutos depois.
Embora já na parte externa da Alfa Pub, a dupla de PMs permaneceu nas imediações conversando com funcionários até 0h43. Nesse horário, eles acabaram convencidos por um dos donos da boate a irem até aos fundos do estabelecimento verificar câmeras instaladas. Com auxílio de uma lanterna, observaram cada uma delas, como se procurassem por alguém nas imagens. Pouco tempo depois, retornaram para o interior da boate. Ambos deixaram o local à 0h54, mas permaneceram conversando com funcionários na porta até 1h36, horário em que finalmente decidiram patrulhar outro ponto do Plano Piloto.
Durante os três meses de campana, o Metrópoles flagrou outras cenas que não condizem com a postura de um agente do estado imbuído de garantir a ordem e a lei. Em um dos episódios, PMs entraram na boate à meia-noite e foram embora após às 3h. Em outro caso, registrado no mês de junho, dois policiais fardados cruzaram a porta da Alfa Pub às 1h10 e deixaram o local 18 minutos depois carregando sacolas com cervejas.
Se a postura dos PMs causa estranheza do lado de fora, dentro da Alfa Pub foi possível confirmar a relação íntima entre eles, prostitutas e frequentadores. Alguns se mostravam tão confortáveis que, mesmo trajando uniformes operacionais, se debruçavam na bancada do bar. Em abril deste ano, o Metrópoles produzia matéria sobre o esquema de tráfico de drogas no interior da boate, quando notou a presença de PMs que não estavam lá para coibir tal crime. Além de pagar por sexo, os clientes tinham farta oferta de droga. A venda conjunta de programa e entorpecentes foi revelada por duas prostitutas.
À época, a reportagem passou uma noite na Alfa Pub e acompanhou o movimento de garotas de programa, clientes e comércio de substâncias ilícitas. A boate segue o calendário do Congresso Nacional: funciona às segundas, terças, quartas e, esporadicamente, às quintas-feiras. Em uma terça, havia pelo menos 20 meninas no local. Nos televisores espalhados pelo ambiente, nada de filmes pornográficos, clipes musicais ou partidas de futebol. A sintonia era a da TV Senado, que transmitia uma sessão ordinária da Casa.
Poucos minutos após a equipe chegar ao local, duas mulheres pediram para se sentar à mesa. Simpáticas, com idades entre 25 e 30 anos, falaram abertamente sobre a facilidade em adquirir cocaína, desde que fosse atrelada ao programa. “É fácil de conseguir. Tem um menino que vende e taxistas e motoristas de aplicativos que entregam. Eu tenho o contato”, afirmou uma delas, sem saber que estava sendo gravada. Ouça abaixo:
As garotas de programa revelaram a existência de traficantes dispostos a fazer as entregas. O contato é via WhatsApp e a transação se dá de maneira rápida. Ela ocorre momentos após o programa ser fechado com as prostitutas. O consumo, geralmente, ocorre nos quartos de hotéis do Setor Hoteleiro Sul. Os traficantes lucram com a clientela abastada que frequenta a boate. Bebidas, comidas e uma noite de sexo custam caro no Alfa Pub. É preciso desembolsar R$ 150 de consumação para entrar. O ingresso dá direito a cinco cervejas long neck – cada uma não sai por menos de R$ 30.
Retirar uma garota da boate antes das 2h30 da manhã custa mais R$ 150, além do preço do programa cobrado pela prostituta, que gira entre R$ 400 e R$ 500. Ao todo, um cliente precisa desembolsar, no mínimo, R$ 800 para curtir a noitada. As drogas não estão incluídas nesse valor.
Em nota, a PMDF anunciou a abertura de uma investigação para apurar a conduta das equipes flagradas. “Toda atuação da Polícia Militar está pautada pelos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e da estrita obediência ao ordenamento jurídico. Sendo assim, qualquer conduta que extrapole estes ditames legais será passível de apuração por meio de procedimento legal”, diz o texto.
A reportagem tentou entrar em contato com um dos donos da Alfa Pub, mas ele não atendeu e nem retornou as ligações. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações