Cerca de 800 mil usuários dos transportes públicos em Brasília podem ter um alívio no bolso todo mês. Para isso basta que a juíza Mara Silda, da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF, acate decisão do Ministério Público a favor da redução dos preços das passagens nos ônibus e no metrô.
A ação tramita no âmbito do Judiciário desde 2017, quando o então governador Rodrigo Rollemberg autorizou um reajuste nas tarifas sem amparo legal. À época, o defensor público Kleber Vinicius ajuizou, na condição de cidadão, ação popular contra o aumento que ele entendeu abusivo e lesivo à sociedade.
A decisão de Rollemberg, lembra Kleber Vinicius, não observou o critério da modicidade tarifária. Na ação ele sustenta que houve uma revisão, pois o reajuste da tarifa deveria considerar apenas a inflação do período posterior ao último contrato. Antes de ajuizar a ação, o autor recolheu, em apenas uma tarde na rodoviária do Plano Piloto, centenas de assinaturas pedindo a redução das tarifas de ônibus e metrô.
Decorridos dois anos, o representante do Ministério Público do Distrito Federal Alexandre Sales de Paula e Souza se manifestou favoravelmente à procedência da ação popular.
Para o membro do MPDFT, o Decreto nº 36.762/2015 reajustou os valores da tarifa de usuário do transporte público coletivo nos seguintes termos:
“Art. 2º As tarifas do modo rodoviário do Serviço Básico do Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal passam a vigorar com os seguintes valores: I – as linhas classificadas como “Urbana 1 (U-1)” e “Urbana 3 (U-3)” passam de R$ 1,50 (um real e cinquenta centavos) para R$ 2,25 (dois reais e vinte e cinco centavos); II – as linhas classificadas como “Metropolitana 1 (M-1)” e “Urbana 2 (U-2)” passam de R$ 2,00 (dois reais) para R$ 3,00 (três reais); III – as linhas classificadas como “Metropolitana 3 (M-3)” passam de R$ 2,50 (dois reais e cinquenta centavos) para R$ 3,00 (três reais); IV – as linhas classificadas como “Metropolitana 2 (M-2)” passam de R$ 3,00 (três reais) para R$ 4,00 (quatro reais).”
Conforme o parecer do Ministério Público, a Gerência de Custos e Tarifas – GCT da Transporte Urbano do Distrito Federal – DFTRANS, órgão responsável por toda a gestão do sistema de transporte público coletivo do DF, defendeu o critério de fixação, embora tenha diversas vezes ressaltado que “não participou, em nenhum momento, dos estudos realizados” (Despacho nº 391/2016 – GCT/DFTRANS, ID 25972448).
Segundo a interpretação do defensor público Kleber Vinicius – compartilhada pelo procurador do MP -, o órgão de gestão do serviço público de transporte coletivo do Distrito Federal, que gere todo o sistema de bilhetagem automática e que tem o dever legal de promover o processo de revisão e modicidade da tarifa para o usuário, simplesmente fez questão de admitir que abdicou de sua atribuição e sequer participou dos estudos realizados, ou seja, um órgão que possui atribuição legal para se manifestar sequer foi ouvido, caracterizando ilegalidade do decreto que aumentou as tarifas.
Kleber lembra que o então Decreto nº 27.660, de 24/01/2007 (revogado pelo Decreto nº 39.603, de 28/12/2018) à época da ação plenamente vigente dispunha da necessidade e obrigatoriedade de manifestação do DFTRANS:
Art. 3°. À Transporte Urbano do Distrito Federal – DFTRANS compete: (…) VI – assegurar a prestação adequada dos serviços de transporte público coletivo do Distrito Federal quanto à qualidade, regularidade, eficiência, segurança, conforto e modicidade da tarifa; (…) Art. 19. À Gerência de Planejamento e Projetos, unidade orgânica executiva diretamente subordinada à Diretoria Técnica, compete: (…) VIII – desenvolver, juntamente com a Gerência de Custos e Tarifas, estudos para a formulação de política tarifária e de financiamento do transporte público coletivo, bem como para a redução dos custos operacionais e o aperfeiçoamento dos mecanismos de cobrança de tarifas; (…) Art. 21. À Gerência de Custos e Tarifas, unidade orgânica executiva diretamente subordinada à Diretoria Técnica, compete: I – desenvolver estudos para subsidiar a fixação das tarifas, buscando assegurar equilíbrio entre receitas e despesas;
Portanto, respeitada a manifestação do Ministério, “se não foi o DFTRANS responsável pelos estudos técnicos que motivaram a edição do Decreto nº 36.762/2015, a indagação que deve ser feita refere-se exatamente à fonte dos estudos que embasaram a edição do referido diploma legal”.
Como consequência – desde que a juíza acate a manifestação do MP – a conclusão é a de que o aumento das tarifas de ônibus e de metrô foi ilegal. Portanto, deve voltar ao patamar justo de 2,00 e 3,00 reais, respectivamente para os ônibus e o metrô.
Um breve levantamento indica que o problema dos reajustes nas tarifas dos transportes públicos na capital da República é recorrente. Kleber observa, a esse respeito, que a d despeito do aumento da tarifa do usuário implementado pelo Decreto nº 36.762/2015 em setembro de 2015, o Distrito Federal promoveu outro aumento em dezembro do ano seguinte, por meio do Decreto nº 37.940/2016. O Ministério Público reagiu e ajuizou a ação civil pública nº 0702911- 25.2017.8.07.0018 questionando a majoração das tarifas. A Primeira Vara de Fazenda Pública do DF, em sentença datada de 9 de agosto de 2017, nos autos da referida ação civil pública, declarou a ilegalidade do reajuste promovido pelo Decreto nº 37.940/2016.
Para o MPDFT, a edição do Decreto nº 36.762/2015 incorre nos mesmos vícios que provocaram a declaração de ilegalidade do Decreto nº 37.940/2016. Ao final da sua manifestação, o membro do Ministério Público ainda critica o governo do Distrito Federal em relação ao cuidado das políticas públicas na área de transporte:
“Observe-se que os argumentos utilizados pelo Distrito Federal em sua contestação para justificar o reajuste de Set/2015 coincidem com os argumentos apresentados para justificar o aumento da tarifa em Dez/2016: inflação, salário dos rodoviários, aumento do óleo diesel, aumento de gratuidades, etc. (ID 25972446). Tais argumentos não escondem o fato de que o Distrito Federal insiste em transferir o ônus pelo custo da manutenção do sistema de transporte público coletivo para a população, quando deveria fundamentar todas as alterações tarifárias em estudos técnicos idôneos. Prova disso foi a necessidade de contratação da Fundação Getúlio Vargas para assessoramento nos estudos do custo do transporte público do Distrito Federal.
Nesse contexto, enfatiza o parecer do MP, “considerando a ausência de estudos suficientes por parte da DFTRANS, autarquia criada para levar a efeito a gestão de todo o sistema de transporte público coletivo de modo a garantir a modicidade da tarifa do transporte público, aliado ao fato de que não houve comprovação da participação do Conselho de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal previamente ao reajuste tarifário, o Ministério Público pugna que os pedidos formulados na ação popular sejam julgados procedentes para declarar a ilegalidade do Decreto nº 36.762/2015 que promoveu o reajuste das tarifas do transporte coletivo do Distrito Federal.”
A bola agora está com a juíza da 8ª Vara da Fazenda Pública. Na eventualidade de Mara Silda bater o martelo e revogar o decreto de reajuste, os brasilienses terão o que comemorar. Até porque, em tempos de vacas magras, e no frigir dos ovos, a economia será, na pior das hipóteses, de 60 reais por mês para quem paga hoje 4 reais diariamente só de passagem de ônibus para ir e voltar de casa para o trabalho.