21/09/2019 às 07h34min - Atualizada em 21/09/2019 às 07h34min

Delatores detalham propinas e ‘empréstimos’ para financiamento das campanhas de Fernando Bezerra e seu filho

Depoimentos de João Carlos Lyra, Arthur Roberto Lapa Rosal e Eduardo Freire Bezerra Leite serviram de base para a deflagração da Operação Desintegração nesta quinta, 19, que fez buscas nos gabinetes do líder de Bolsonaro no Senado e de seu filho, o deputado federal Fernando Coelho

Estadão Conteúdo.

Os empresários João Carlos Lyra, Arthur Roberto Lapa Rosal e Eduardo Freire Bezerra Leite detalharam sua participação no ‘pagamento sistemático de vantagens indevidas’ de pelo menos R$ 5,5 milhões ao senador Fernando Bezerra (MDB-PE) e seu filho, o deputado federal Fernando Coelho (DEM-PE). A delação dos investigados pela Operação Turbulência , deflagrada em 2014, serviu de base para a Operação Desintegração que, nesta quinta, 19, por ordem do ministro Luís Barroso , do Supremo fez buscas nos gabinetes do senador e do deputado e também em seus endereços residenciais .

 

A ofensiva da Polícia Federal no Congresso provocou reação dos pares de Fernando Bezerra. Segundo os delatores, as propinas foram pagas pelas empreiteiras OAS , Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções, envolvidas na execução de obras públicas na região Nordeste, entre elas a emblemática transposição do rio São Francisco e o Canal do Sertão, em Alagoas.

 

Em despacho de 30 páginas , Luís Barroso anotou que pai e filho ‘são tidos como os beneficiários primários das vantagens indevidas pagas pelas empreiteiras’ e ressaltou. “Na criminalidade organizada econômica, o natural é que todos os envolvidos tentem ocultar provas e não evitar deixar registros de seus atos”.

 

Barroso determinou a realização de buscas em 52 endereços, incluindo empresários, intermediários, operadores, ‘laranjas’ e outros citados na investigação. A defesa de Fernando Bezerra , argumentou que a a Procuradoria Geral da República opinou contra as buscas, afirmando que ‘a medida teria pouca utilidade prática’. Após a realização das buscas, o senador colocou cargo de líder do governo à disposição. Além disso, operação gerou reação do presidente do Senado .

 

 

PF fez buscas no gabinete do senador Fernando Bezerra (MDB-PE) e de seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE). Foto: Dida Sampaio / Estadão

 

Na decisão, Barroso registra trechos dos depoimentos de Lyra, Rosal e Leite e indica que os delatores apresentaram detalhes de como eram levantados os recursos financeiros para Fernando pai e Fernando filho. Os dois primeiros fecharam acordo com o Ministério Público Federal em 2017 .

 

A decisão menciona ainda relatos de outros colaboradores, entre eles funcionários do ‘setor de projetos estruturados’ da OAS, a máquina de pagamento de propinas da empreiteira.

 

Segundo o despacho do ministro, o líder do Governo no Senado teria solicitado propinas ‘em razão de suas funções’ de ministro da Integração (governo Dilma) e também de senador, e usado um esquema de lavagem de capitais, envolvendo empresários, operadores e outros políticos e pessoas jurídicas para ocultar a origem dos valores recebidos.

 

Empréstimos

O primeiro fato elencado na decisão de Barroso foi a solicitação feita por Iran Padilha Modesto, apontado como ‘pessoa de confiança’ de Fernando Bezerra, à Lyra para um empréstimo de R$ 1,5 milhão em nome do senador. Os delatores descrevem que o valor foi repassado ao senador por meio de transferências bancárias, compensação de cheques e entrega de dinheiro em espécie.

 

De acordo com o despacho, Modesto teria sido coordenador financeiro da campanha de Fernando Filho à prefeitura de Petrolina e, antes, teria ocupado o cargo de secretário-executivo de Administração do Estado de Pernambuco, na época em que a pasta era comandada por Fernando, o pai.

 

As investigações apontam que as transferências foram feitas para empresas e pessoas físicas para ‘atender a aliados ou indiretamente aos próprios investigados’ e para quitação de dívidas de campanha.

 

Muitas das companhias identificadas fizeram repasses diretos a campanhas dos parlamentares ou aos partidos que apoiavam suas candidaturas, apontam as investigações.

 

Segundo o despacho de Luís Barroso, o pagamento do empréstimo foi operacionalizado pela Construtora Barbosa Mello, que integrava ao lado da OAS e de outras empreiteiras o consórcio responsável pela execução dos lotes 11 e 12 das obras de transposição do Rio São Francisco, custeadas com recursos do Ministério da Integração Nacional. Para a execução do pagamento, foram forjados contratos de locação de caminhões basculantes sem operador e boletins de medição, diz a investigação.

 

 

Eixo Leste da transposição do Rio São Francisco. Foto: Nilton Fukuda / Estadão

 

A decisão traz, ainda, em outro trecho, informações sobre um empréstimo de R$ 1,741 milhões para financiamento das campanhas de Fernando Bezerra e Fernando Coelho Filho.

 

Segundo o despacho, foi utilizado o mesmo procedimento do R$ 1,5 milhão – os valores teriam sido entregues para Modesto ou ‘destinados a pessoas vinculadas a partidos políticos ou residentes em cidades da base eleitoral dos parlamentares para possível compra de apoio político, ou, para favorecidos sem capacidade econômica para justificar o recebimento dos recursos, tratando-se de possíveis ‘laranjas”.

 

O segundo empréstimo seria pago pela OAS, mas segundo Lyra, a empreiteira indicou que não arcaria com o montante, porque os valores já teriam sido destinados a uma outra empresa utilizada pela empresa na geração de recursos em espécie.

 

João Carlos Lyra e Eduardo Leite contaram que passaram a cobrar a dívida de Iran Padilha Modesto.

 

Dívida com os delatores e repasses pós Lava Jato

Os colaboradores também relataram às autoridades uma reunião realizada na casa do senador na Avenida Boa Viagem, em 2016, para tratar de dívida de Fernando Bezerra.

 

Lyra e Leite contaram que, na ocasião, o senador teria oferecido como forma de pagamento a entrega de apartamentos em Salvador e de um terreno em Gravatá, em Pernambuco.

 

Eles dizem que negaram a oferta e, após isso, o senador teria ‘pedido tempo para quitar o empréstimo, já que, por ter seu nome citado na Lava Jato, não estava mantendo contato com as construtoras’.

 

Em encontro posterior, gravado por Lyra, Modesto indicou que Fernando Bezerra poderia ‘utilizar a prefeitura de Petrolina’ para quitar a dívida, uma vez que ‘Miguel de Souza Leão Coelho se tornara prefeito daquele Município em 2016’.

 

Diante de tal relato, Barroso considerou: “Há indícios, portanto, de que ainda em 2017 o sistema de repasses de valores indevidos continuava, mesmo após a menção ao nome do senador na Operação Lava Jato.”

 

Contratos fictícios e superfaturados e geração de caixa dois

Além dos empréstimos, os delatores contaram às autoridades que o senador também teria recebido valores por meio de contratos fictícios ou superfaturados celebrados com empresa Câmara & Vasconcelos Locação e Terraplanagem, que seria controlada informalmente por João Carlos Lyra.

 

Segundo anotado na decisão de Barroso, algumas das notas fiscais fictícias eram vinculadas a obras de transposição do Rio São Francisco.

 

 

O deputado federal Fernando Coelho. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

 

A informação foi corroborada pelos depoimentos de funcionários da OAS que trabalhavam no ‘setor de projetos estruturados’ da empreiteira. Segundo eles, algumas empresas eram utilizadas para a ‘geração de caixa-dois’. Somente a Câmara & Vasconcelos Locação e Terraplanagem teria gerado mais de R$ 40 milhões para a OAS através desse modo de atuação, diz o despacho.

 

João Carlos Lyra contou que depois que o dinheiro era disponibilizado nas contas das pessoas jurídicas por ele controladas, sacava valores e os entregava em espécie aos funcionários da OAS ou realizava transferências a mando dos mesmos. Segundo o delator, em 2012, foram transferidos R$ 1,165 milhões para pessoas que seriam vinculadas A Fernando Bezerra e seu filho.

 

Doações diretas

Além dos empréstimos e transferências, Adriano Santana de Quadros Andrade, funcionário da OAS, revelou outra forma de pagamento de propinas. Segundo o delator, o ‘setor de projetos estruturados’ da empreiteira fez doações eleitorais para Fernando Bezerra, a mando de Elmar Varjão, que seria responsável por indicar os beneficiários e as obras a serem debitadas, com a autorização prévia dos acionistas de Leo Pinheiro e Cesar Filho.

 

O depoimento de Andrade indica que as doações eram formalizadas internamente por meio de um documento chamado ‘solicitação para doação’. Segundo a autoridade policial, foi identificado um documento com tal teor que registra uma doação de R$ 350 mil ao PSB, realizada 2013. O texto aponta Fernando Bezerra como beneficiário e indica a obra Canal do Sertão, em Alagoas.

 

Entregas em dinheiro e transferências

João Carlos Lyra narrou ainda pagamento em dinheiro pela Construtora Paulista e pela Constremac Construções.

 

A primeira integrava consórcio responsável pela execução dos lotes 1, 2 e 7 da primeira etapa das obras de Integração do Rio São Francisco, e entregou R$ 330 mil ao colaborador. O valor foi transferido posteriormente para contas de pessoas que fariam parte do ciclo de repasse de propinas.

 

Já com relação à Constremac, o delator relatou que a empreiteira teria lhe repassado mais de R$ 2 milhões para serem entregues a Fernando Bezerra. Lyra conta que depois realizou transferências para os destinatários indicados por Modesto.

 

Segundo Lyra, o executivo da Constremac Marcos Vinícius Borin seria ‘líder’ de um grupo de empreiteiras menores que mantinham contratos com o governo federal e referia ao senador como ‘compadre’, dizendo que passava finais de semana em sua casa em Porto de Galinhas.

 

COM A PALAVRA, O ADVOGADO ANDRÉ CALLEGARI, QUE DEFENDE FERNANDO BEZERRA E O DEPUTADO FERNANDO COELHO FILHO

 

“Embora o ministro Barroso tenha emitido uma nota justificando a operação seguimos com a posição de que ela foi inadequada. Fatos pretéritos não podem justificar em hipótese alguma uma medida cautelar extrema . De outro lado, se o titular da acusação, PGR, na tem interesse na prova , não pode e não deve o magistrado produzi-la. A leitura de um processo penal em conformidade com
a Constituição Federal nos ensina que num processo acusatório o juiz deve ficar equidistante da partes. Nunca fomos contra a qualquer investigação, desde que os direitos e garantias fundamentais que tanto lutamos para conquistar sejam respeitados.”

 

COM A PALAVRA, A CONSTRUTORA BARBOSA MELLO

 

“A Construtora Barbosa Mello (CBM) acompanhou a operação da Polícia Federal na manhã desta quinta-feira (19), relativa à obra da Transposição do Rio São Francisco, disponibilizando todas as informações solicitadas.

 

A companhia ressalta que atuou com participação minoritária e sem gestão no consorcio contratado em 2008 para execução de parte das obras.

 

Nenhum acionista ou diretor da Barbosa Mello foi alvo desta operação.

 

A companhia reafirma que nunca praticou ou compactuou com práticas ilícitas e segue à disposição das autoridades, reiterando seu compromisso com os mais elevados padrões de integridade e ética.

 

A eficácia do Sistema de Gestão de Compliance e Antissuborno da Construtora Barbosa Mello é reconhecida pela certificação ISO 37001:2016 e pela atestação de conformidade na ISO 19600:2014.”


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »