Criminosos usam app com criptografia para ocultar aliciamento de menores em Goiás
Visão técnica
Um aplicativo de mensagens com criptografia de nível militar é utilizado por aliciadores para ocultar crimes de aliciamento e exploração sexual infantil em Goiás. Nesta semana, a Polícia Civil do Estado (PCGO) prendeu uma pessoa suspeita de estupro virtual contra uma menina de 10 anos, em Rio Verde. Ele se passava por adolescente para enganar a criança.
O uso dessas plataformas, especificamente o aplicativo Zangi, foi detalhado pela Polícia Civil durante a Operação Sombra Digital, em Rio Verde. Os investigadores informaram que a pessoa utilizou redes sociais populares para o primeiro contato e, em seguida, induziu a vítima a migrar para esses ambientes digitais onde a rastreabilidade é mais difícil, assim como a supervisão dos pais.
Sobre o aplicativo, o delegado Matheus Dutra, do Grupo Especial de Investigação Criminal (Geic), disse que ele é semelhante aos aplicativos de mensagem tradicionais como o WhatsApp. “Porém, não necessita de cadastrar número telefônico e e-mail, dificultando a rastreabilidade e reforçando o anonimato, além de evitar que o conteúdo das mensagens ilícitas seja bloqueado pela plataforma, por não ter um controle interno rígido quanto às questões de segurança da comunicação.”
Ele continua: “Porém, a abordagem e a relação de confiança com a vítima, muitas das vezes, são realizadas através de plataformas comuns (como Instagram e TikTok). Depois, o criminoso a convence a migrar para esse aplicativo, onde consegue obter e consumar a conduta criminosa.”
Caso investigado
Gestor em Tecnologia da Informação e especialista em Cibersegurança, Cleyton Salomé afirma que, do ponto de vista técnico, o Zangi promove criptografia proprietária de ponta a ponta e arquitetura serverless, alegando não armazenar dados em servidores, o que reduz riscos de interceptação em trânsito. “No entanto, sem código open source completo nem auditorias independentes públicas recentes, não há garantia verificável de que essas proteções resistam a ataques avançados, como vulnerabilidades críticas reportadas”.
Ele também explica que isso dificulta até mesmo o trabalho da polícia em investigações de crimes, limitando o acesso a evidências essenciais. “E, claro, propicia o aumento de golpes, pois os criminosos não querem produzir provas contra eles e nem serem encontrados.”
Já do ponto de vista social, o especialista destaca que o app atrai criminosos devido à facilidade de login com número de telefone sem verificações rigorosas, falta de controles de acesso robustos e ausência de relatórios de transparência sobre abusos, expondo usuários a contatos indesejados, phishing e predadores online. “Não recomendo que pais deixem filhos menores utilizarem, mas, independente do app, eles devem sempre monitorar as atividades na internet, orientando sobre o que jamais enviar — como fotos íntimas, endereço ou dados escolares, assim como não se entrega a chave de casa a estranhos nem se passa a senha do banco a terceiros.”
Para ele, a cibersegurança inicia com uso consciente, educação e orientação dos pais ou responsáveis a partir do momento que se tem acesso à internet. “Se você não tem como ter certeza de quem está do outro lado conversando com você, é o mesmo daquela orientação que ouvimos dos pais desde criança para ‘não conversar com estranhos’”, finaliza.
No caso investigado pelo Geic, a pessoa utilizava perfis falsos no Instagram e TikTok antes de pedir a migração para o aplicativo. Ao Mais Goiás, o delegado Matheus Dutra afirmou que a mãe percebeu conversas suspeitas nos aplicativos usados pela filha e procurou a delegacia. “Ela identificou diálogos estranhos no celular da criança e apresentou o aparelho para podermos fazer a análise”, explicou.
A partir desse material, a polícia conseguiu avançar na identificação da pessoa. “Ele conversava com a criança e estabelecia uma relação de confiança nesses aplicativos”, disse Dutra. “A mudança de plataforma servia para afastar a conversa da supervisão dos responsáveis.”
Crime e localização
Ainda segundo a Polícia Civil, foi nesse aplicativo que o investigado passou a intensificar a conduta criminosa, utilizando conteúdos envolvendo outras meninas para influenciar a vítima. A criança acreditava estar conversando com alguém da mesma idade.
Mesmo com o uso de contas falsas, os investigadores conseguiram identificar o autor real por trás dos perfis. “A partir dessas informações, representamos pela prisão temporária e também pela busca e apreensão domiciliar”, afirmou Dutra.
As investigações continuam e a próxima etapa será a análise do celular do investigado. Segundo o delegado, é a partir dessa perícia que a polícia poderá identificar a existência de outras vítimas, verificar se houve repasse ou comercialização de material e apurar a possível participação de outros envolvidos.
Até o momento, conforme a Polícia Civil, os casos identificados ocorreram no ambiente virtual, o que está de acordo com o modo de atuação atribuído à pessoa.








