Mudança de estratégia da oposição ocorre após a Corregedoria da Câmara iniciar a análise sobre possíveis sanções a 14 deputados bolsonaristas que invadiram o plenário
Uma semana depois do motim de 30 horas da oposição, que conflagrou o clima no Congresso, o ex-presidente Jair Bolsonaro orientou um recuo de sua base na defesa do projeto de anistia e foco no fim do foro privilegiado, que retira do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de ações envolvendo autoridades. O tema, no entanto, esbarrou em divergências na Câmara e na resistência do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que tenta recuperar sua imagem depois de ter sido desautorizado por um acordo costurado à sua revelia.
A mudança de estratégia da oposição ocorre após a Corregedoria da Câmara iniciar a análise sobre possíveis sanções a 14 deputados bolsonaristas que invadiram o plenário na semana passada e impediram Motta de comandar votações. O presidente da Casa tem defendido “punições pedagógicas” contra os parlamentares, que terão seus casos analisados pelos próximos meses.
A decisão de não pautar o fim do foro foi tomada durante reunião de líderes partidários da Câmara. Na semana passada, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), anunciou que o PSD, União Brasil e PP haviam se comprometido com a pauta, além de aceitar discutir a anistia a envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, o que foi refutado pelos dois primeiros partidos.
A possibilidade de o tema entrar na pauta desta semana, além de um pacote de blindagem aos parlamentares em relação a inquéritos criminais, havia sido negociada como condição para que os bolsonaristas liberassem o plenário da Casa. As conversas foram coordenadas pelo ex-presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL), e não passou por Motta.
Líderes afirmam que Sóstenes errou na estratégia de divulgar as legendas que haviam firmado o acordo a contragosto do presidente da Câmara, favorecendo o desembarque. Partidos de esquerda também reforçaram a resistência.
Novo texto
Outro fator que pesou para que o fim do foro privilegiado não entrasse na pauta foi a falta de acordo sobre qual texto será votado. O que tramita atualmente, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada em 2017 pelo Senado, mantém a prerrogativa de ser julgado pelo STF para os presidentes da República, da Câmara, do Senado e da própria Corte.
A oposição tenta avançar com uma proposta que possa beneficiar Bolsonaro, alvo de uma ação penal na Corte por tentativa de golpe de Estado no período em que ocupou a Presidência. Para isso, seria preciso mudar a redação da PEC aprovada pelos senadores.
Por outro lado, parte dos parlamentares teme que seus processos sejam destinados à primeira instância e fiquem à mercê da influência política local. Uma possibilidade discutida é que os casos envolvendo deputados e senados fiquem sob responsabilidade de tribunais federais.
A avaliação de Motta, contudo, é que qualquer mudança precisaria ser negociada antes com o Senado e com o próprio STF. Ao discursar em um evento na terça-feira, o ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, defendeu cautela dos congressistas.
— É preciso que haja algum tipo de simetria e um pouco de calma para não tentar ficar, a partir de medidas legislativas constitucionais, tentando resolver os seus próprios problemas — disse o ministro.
Ao deixar a reunião de líderes na terça-feira, o líder do PP, Dr. Luizinho (RJ), afirmou que a tendência é que o tema só seja examinado pelos deputados quando houver um acordo.
— Ele (Motta) deve pautar quando tiver um maior consenso entre os líderes — disse Luizinho, um dos parlamentares mais próximos do presidente da Câmara.
No lugar dos temas defendidos pela oposição, Motta priorizou nesta semana o que chamou “pauta da pacificação”: o debate sobre a adultização de crianças nas redes sociais, assunto que ganhou projeção nacional após um vídeo do influenciador Felca viralizar. A proposta do presidente da Câmara é realizar, nesta quarta-feira, uma comissão geral para discutir o tema.
Ao tratar da pauta da semana durante discurso no plenário da Câmara na terça-feira, Motta enfatizou que o Brasil “não pode parar”, em uma referência à paralisação provocada pela oposição. Ele apresentou uma lista de pautas que pretende colocar em votação no segundo semestre.
— Hoje, na reunião de líderes, pude anunciar uma série de pautas que iremos priorizar neste segundo semestre: a PEC da Segurança Pública, o plano nacional de educação, a reforma administrativa, a ampliação da isenção do Imposto de Renda, a regulamentação da inteligência artificial, a regulamentação do trabalho por aplicativo e o combate às fraudes no INSS. Essas e outras pautas serão tratadas com prioridade — afirmou o presidente da Câmara.
Antes de definir a pauta da semana sem as medidas defendidas pela oposição, Motta recebeu Sóstenes para uma conversa na residência oficial da Câmara, pela manhã. O encontro, segundo o líder do PL, serviu para “aparar arestas”.
— Depois da semana passada, a gente tem que aparar arestas, alinhar as coisas. Está tudo superado. O foco da reunião era a gente se acalmar depois do que aconteceu — afirmou Sóstenes.
Pedido de Bolsonaro
Aliados apontam que o armistício foi uma orientação de Bolsonaro, que pediu paciência aos parlamentares que o visitaram em sua casa em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar. A ideia é evitar novos embates com o presidente da Câmara. O ex-presidente teria dito a deputados que é preciso dar a Motta “a sensação de autonomia” para que a pauta da oposição avance no momento certo.
À tarde, após o foro privilegiado não entrar na pauta da semana, Sóstentes chegou a anunciar uma nova obstrução da oposição, desta vez sem invasão do plenário. Parlamentares do PL, no entanto, participaram normalmente das votações de terça-feira. O deputado Marco Feliciano (PL-SP) minimizou a derrota da oposição.
— Os líderes querem votar o fim do foro, mas não votaram nesta semana para evitar este clima de vitória ou derrota.
Ex-ministra do Turimo no governo Lula, a deputada Daniela Carneiro (União-RJ) elogiou a postura de Motta: — Vivemos dias de muita tensão aqui na Casa e o presidente Hugo teve uma decisão assertiva. Precisamos focar nas crianças.
Correio de Santa Maria, com informações do ex-presidente Jair Bolsonaro