Sexta-feira, 05/09/25

Especialistas defendem que decreto do Amazonas dá “anistia para desmatadores

Segundo o decreto, a redução da reserva legal impacta apenas terras inseridas na Amazônia Legal que já estão desmatadas acima do limite permitido para que os produtores possam regularizar as propriedades - (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Projeto aprovado no início do mês reduz reserva legal para fins de regularização em áreas já desmatadas; críticos falam de “anistia” a autores de desmatamento ilegal

Um projeto aprovado no estado do Amazonas repercutiu entre ambientalistas e o setor agrário no norte do país. O Decreto nº 52.216/2025, sancionado pelo governador Wilson Lima (União) no início do mês, reduz a reserva legal, área dentro de uma propriedade rural que não pode ser desmatada, de 80% para 50% em caso de lotes já desmatados.

Segundo o governo estadual, a medida é um mecanismo para estimular a regularização de terras. Ambientalistas, no entanto, alegam afrouxamento das regras ambientais e desrespeito ao Código Florestal. 

Segundo o decreto, a redução da reserva legal impacta apenas terras inseridas na Amazônia Legal que já estão desmatadas acima do limite permitido para que os produtores possam regularizar as propriedades. Para isso, conforme o texto, o proprietário ou possuidor deve ter promovido, ou se comprometer a “promover a recomposição, regeneração natural ou compensação da área de reserva legal, até o limite de 50% da área do imóvel rural”.

A lei também prevê a redução tendo como base o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), desde que o estado tenha “mais de 65% do seu território ocupado por Unidades de Conservação da natureza de domínio público, devidamente regularizadas, e por Terras Indígenas homologadas”. O Amazonas, no entanto, ainda não aprovou o ZEE estadual.

Para o diretor do Centro de Ciências do Ambiente (CCA) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), André Mendonça, a medida põe em risco os estudos sobre a biodiversidade da floresta amazônica. “A Amazônia ela ainda não tem toda a sua sociobiodiversidade mapeada, a gente não sabe muita coisa sobre a floresta”, explica. “Por a gente ter dificuldade de até de saber quando pode ou não degradar um determinado solo, fica muito complicado a gente achar que, diminuindo esse percentual de reserva legal, a gente vai melhorar alguma coisa”.

O especialista acredita que o projeto, descrito por ele como um afrouxamento da legislação ambiental, pode afetar diretamente a vida da população ao redor. Entre os afetados, ele cita comunidades extrativistas. Além dos pequenos produtores, fatores como poluição do ar e dos rios podem causar um impacto “muito difícil de ser mensurado”.

O governo do estado defende que a medida não representa uma flexibilização das leis, pois incide apenas em propriedades que já excederam o limite de área desmatada. O texto afirma ainda que a lei “também não permite que os 30% de passivo restante sejam convertidos para uso produtivo ou ampliação de atividades com finalidades econômicas – estes, no caso, devem ficar disponíveis para recuperação natural”.

Constitucionalidade

Embora o estado alegue que o decreto apenas regulamenta pontos expressos no Código Florestal, especialistas afirmam que a medida fere a legislação federal e a Lei estadual 4406/2016, que estabelece a Política Estadual de Regularização Ambiental. Segundo o secretário executivo do Observatório Florestal, Marcelo Elvira, a medida “cria situações que vão muito além do código”.

De fato, explica o especialista, o Código apresenta as alternativas de redução para recomposição e com base no ZEE. No entanto, essa medida define um marco temporal para a regulamentação dos territórios. Segundo o texto, são consideradas áreas rurais consolidadas aquelas que sofreram ações humanas anteriores a 22 de julho de 2008. A supressão de vegetação nativa nesses casos não é passível de pena, já que aconteceu antes da Lei 6.514/2008, que prevê as infrações e sanções a crimes contra o meio ambiente.

Já no caso amazonense, o decreto aponta que, para fins de recomposição, o desmatamento precisa ter ocorrido antes da data da de publicação da medida, em 5 de agosto desse ano. Para o representante do Observatório, o decreto é irregular, pois cria um novo marco temporal para o desmatamento que se sobrepõe àquele definido no Código Florestal.

Outro ponto preocupante na avaliação do especialista é que o decreto não distingue desmatamento legal ou ilegal.   “É como se você desse uma anistia a esses proprietários”, afirma. “A pessoa desmata ilegalmente e pode se beneficiar da medida”.

Sinais ao desmatamento

Para o diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), André Guimarães, mais do que a flexibilizar, o decreto preocupa pelo “sinal dado ao desmatamento”. “Dá um sinal para o grileiro de que pode desmatar mais. Até mesmo um fazendeiro, que pode ser até bem intencionado, que recebe uma sinalização dessa do poder constituído, se sente estimulado a desmatar mais”, declara. “Isso certamente vai gerar judicialização e debates, mas o estrago já vai estar feito, porque o sinal já foi dado”.

Coordenado pelo Ipam, o projeto Conserv vai à linha contrária dessa medida. A iniciativa, em funcionamento desde 2020, remunera produtores rurais da Amazônia Legal que mantém áreas de vegetação nativa além da reserva legal, áreas que poderiam ser desmatadas pela legislação.

“O Conserv remunera produtores para que eles não exerçam o direito de desmatar”, explica Guimarães. “O Ministério do Meio Ambiente, de maneira correta, combate o desmatamento ilegal, que deve ser atacado mesmo com todas as forças. Mas aqui nós criamos um mecanismo para desestimular o desmatamento legal ou legalizável”.

O especialista afirma que a conservação das áreas não desmatadas é parte da solução para a crise climática. “O desmatamento e a conversão de áreas naturais para fazer agricultura é o principal do Brasil, quando a gente corta um hectare de floresta amazônica, a gente está jogando, no mínimo, 100 toneladas de carbono na atmosfera”, finaliza.

Correio de Santa Maria, com informações do governo do Estado do Amazonas

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