Será que sou um acaso ou uma coincidência?
Por Vital Furtado
Eu queria acenar para quem vem numa caminhada angustiante, oferecer ao menos um gesto de solidariedade, um sinal de que não estão sozinhos. Mas me cortaram as mãos. Amarraram-me em silêncios impostos, onde o simples ato de estender-se ao outro virou suspeita. Restou-me o olhar, mas até ele parece vigiado, controlado, temido por aqueles que não compreendem o valor do acolhimento humano.
Eu queria caminhar até o necessitado, dividir o pouco que tenho, me fazer presente onde há dor e abandono. No entanto, me cortaram o direito de ir e vir. Sou refém de cercas invisíveis e leis arbitrárias, onde o altruísmo perdeu lugar para o controle, e a empatia virou ameaça ao sistema. A estrada que antes era livre agora é cercada de muros e olhos desconfiados.
Eu queria dizer uma palavra de consolo aos que agonizam, aos que perderam a fé e a esperança. Mas me cortaram a voz. O silêncio agora não é escolha, é imposição. Toda palavra virou risco, todo sussurro pode ser mal interpretado. E assim, morre também a possibilidade do consolo, da pregação, da humanidade compartilhada pela linguagem.
Eu queria projetar algo em favor dos menos favorecidos, pensar caminhos, sonhar soluções. Mas me cortaram o direito de pensar. Antes, refletir era sinal de vida, de consciência ativa, de cidadania. Hoje, pensar diferente é crime. Questionar virou sinônimo de rebeldia. Propor virou afronta. A liberdade de pensamento foi sequestrada, e a coerção tomou o lugar do diálogo.
No fim, fico aqui, neste lugar confuso onde já nem sei quem sou. Minha identidade, antes moldada pela ação, pela palavra e pela compaixão, foi sendo dilacerada pouco a pouco. Resta um corpo que sente, mas não pode tocar; um coração que pulsa, mas não pode falar; uma mente que sonha, mas não pode projetar. E nesse deserto de silêncios forçados, só me resta esperar que um dia, ser humano volte a ser sinônimo de liberdade.
Afinal, quem eu sou?
Correio de Santa Maria- Redação