Nas manhãs de domingo, enquanto as famílias atravessam os portões do Zoológico de Goiânia em busca de um dia de lazer com as crianças
Nas manhãs de domingo, enquanto as famílias atravessam os portões do Zoológico de Goiânia em busca de um dia de lazer com as crianças, Lucivânia Ribeiro de Souza já está lá. Chega às 7h em ponto, vinda do Jardim Primavera, para montar sua banca improvisada de brinquedos, chapéus e chinelos. Quem a vê, dificilmente imagina que, por trás da barraca, existe um cotidiano feito de revezamento com vizinhas para cuidar do marido acamado e da filha com deficiência. O que parece um comércio informal à beira do parque, para ela, é sobrevivência.
“Eu não posso trabalhar com carteira assinada. Só consigo vir aos fins de semana, porque as vizinhas me ajudam com eles. Vendo aqui pra comprar o leite, o remédio, a verdura da semana”, conta ela. A labuta na rotina existe há aproximadamente 15 anos.
Nos últimos meses, o que antes era apenas rotina virou tensão. A gestão municipal intensificou a fiscalização contra os ambulantes da região. Houve apreensão de mercadorias, correria, denúncias e medo. Lucivânia perdeu brinquedos, chinelos, e machucou o joelho ao tentar escapar da ação dos fiscais. “Estamos sendo perseguidos”, resume.
O retrato da dificuldade no trabalho e do desafio diante das fiscalizações, ganhou às redes, sobretudo a partir do momento em que Wesley, um vendedor ambulante, se ajoelhou diante do prefeito Sandro Mabel (UB), implorando para que as mercadorias dele e de seus colegas não fossem apreendidas. Em entrevista exclusiva ao portal, ele diz que se curvou diante do gestor pois foi tocado por Deus.
Vidas informais dedicadas ao Zoológico
A história de Lucivânia ecoa na fala de Franciele Mesquita, que há 13 anos ocupa a mesma calçada da portaria. “Tem 13 anos que não sei o que é almoçar com a minha família num domingo”, diz. Separada, mãe solo, sustenta os filhos com o que consegue vender ali: de balões a brinquedos.
No último dia 20, viu parte de seu estoque ser levado pela Prefeitura. Prejuízo, segundo ela, de R$ 1,5 mil. “A gente quer ser legalizado, não quer afrontar ninguém. Mas também não pode ser tratado como bandido na frente dos visitantes. Estamos trabalhando, não roubando.”
Franciele afirma que já tentou diversas vezes conseguir a licença, sem sucesso. A resposta é sempre a mesma: “Aqui é parque, e parque não pode.” Ela retruca. “E parque não tem uma pipoca, um balão, uma água gelada?”
Resignação e resistência
O mais veterano do grupo é o senhor Antônio Carlos Coutinho. Ele, que tem 66 anos, vende algodão-doce em frente ao Lago das Rosas desde 2005. Diabético, com depressão e síndrome do pânico, toma 12 comprimidos por dia e ainda luta para conseguir a aposentadoria. “Não tive outra alternativa. Meu pai morreu em 1968, ajudei minha mãe a criar meus irmãos e depois formei minha família. Me restou essa profissão.”
Antônio vê as fiscalizações com olhos mais conformados. “Se deixar solto, daqui a pouco tem 200 ambulantes. Tem que organizar. O Mabel deve ter os motivos dele. Os errados somos nós, que não tivemos estudo”, diz, sem esconder a resignação como numa provocação à aqueles que querem lhe tirar o direito de trabalhar, mesmo que informalmente. “Quando ele chega, tem que correr.”
Correria com a alma nas costas
A imagem da correria tornou-se recorrente entre os entrevistados de janeiro de 2025 para cá. Mas o que se corre, de fato, não é da fiscalização. Corre-se do risco de perder tudo. Do aluguel atrasado e também do leite que não pode faltar. “A gente corre, mas não foge da necessidade”, resume Franciele.
Todos os entrevistados afirmam que querem se regularizar, querem regras, querem uma solução definitiva. Mas dizem que a Prefeitura não oferece alternativas concretas nem abre diálogo direto. “Ficam jogando a gente de um lado para o outro”, lamenta Franciele. Lucivânia completa: “Já tentei demais. Dizem que licença pra cá não sai. Então o que a gente faz?”
O que diz a Prefeitura
Procurada, a Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Eficiência (Sefic), enviou nota em que afirma que as fiscalizações seguem o Código de Posturas do Município, aprovado em 2023, bem como recomendações do Ministério Público de Goiás.
Segundo a Sefic, “as calçadas são passeios públicos destinados à circulação de pedestres” e, conforme a legislação vigente, “é proibida a realização de atividade comercial nesses espaços”. A secretaria informa ainda que “recebeu inúmeras reclamações de moradores e frequentadores do Parque do Lago das Rosas sobre o bloqueio das calçadas por mercadorias expostas, o que dificultaria o livre acesso ao parque”.
A pasta também declarou que a atividade de ambulante é regulamentada pela legislação municipal e que “os interessados devem procurar uma das cinco unidades do Atende Fácil para regularizar sua situação e exercer suas atividades dentro da legalidade”.
Correio de Santa Maria, com informações de Redes Sociais








