Enquanto o ex-presidente passou o dia em silêncio, o filho fez transmissão nas redes sociais, desferindo palavras ameaçadoras
No mesmo dia em que expirou sua licença parlamentar, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) voltou a confrontar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a Polícia Federal, em uma transmissão ao vivo, ontem. No vídeo, ele acusou Moraes de abuso de autoridade, atacou os investigadores que atuam no inquérito em que é citado e afirmou que seu objetivo declarado é “tirar o ministro da Corte”. Eduardo também ironizou a atuação da Justiça brasileira e fez provocações diretas aos agentes federais, elevando o tom do embate institucional às vésperas de uma possível renúncia.
“Toda hora tem que expor o nível de várzea que é Moraes com uma caneta do STF. O ideal seria ele fora do STF. Trabalharei para isto também, tá, Moraes. Então quando a gente fala que o visto foi só o começo, é porque nosso objetivo será te tirar da Corte. Você não é digno de estar no topo do poder Judiciário. E eu estou disposto a me sacrificar para levar esta ação adiante”, disse o deputado licenciado em um dos momentos da transmissão.
O deputado insinuou possíveis retaliações pessoais a agentes envolvidos no inquérito e os chamou de “cachorrinho da Polícia Federal”. Ao ironizar o risco de novas falas suas serem incluídas nos autos, desafiou o ministro a investigar também aliados internacionais, como Donald Trump e o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, “coloca toda nossa quadrilha”.
O mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o deputado mais votado do país em 2018, está por um fio. A licença parlamentar acabou ontem, e ele mesmo já admitiu que não pretende retornar ao Brasil. “Por ora, eu não volto. A minha data para voltar é quando Alexandre de Moraes não tiver mais força para me prender”, disse.
Afastamento
Eduardo solicitou licença de 122 dias por motivos de saúde e 120 por motivos pessoais. O deputado já sinalizou que está disposto a abrir “mão do mandato”. “Não preciso mais de um diploma de deputado”, afirmou, ao justificar o ‘trabalho’ que tem desenvolvido nos Estados Unidos desde março — uma atuação de bastidores que envolve articulações com figuras conservadoras e autoridades americanas contra o Supremo Tribunal Federal e, em especial, o ministro Alexandre de Moraes.
A situação se agravou após o nome de Eduardo ser incluído em um inquérito conduzido por Moraes, o mesmo que, na última sexta-feira, impôs medidas cautelares ao seu pai, Jair Bolsonaro, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de contato com aliados — Eduardo, entre eles — e restrições de circulação.
Durante os quatro meses nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro participou de eventos conservadores, reuniu-se com congressistas republicanos e fez lobby para que sanções fossem aplicadas contra autoridades brasileiras, como o ministro Moraes. Ele também atuou pela anistia de condenados pelos ataques golpistas de 8 de Janeiro e se posicionou como uma voz internacional contra o que considera uma ‘perseguição política ao pai’.
Eduardo vem afirmando que no Brasil é vivida uma “ditadura comandada por Alexandre de Moraes”. O pai, em entrevista coletiva na última sexta-feira, endossou: “Meu filho está lutando pela liberdade. Se ele voltar, vai ter problemas.”
Reações
As declarações e ações do deputado provocaram reações imediatas de parlamentares da base governista e da oposição ouvidos pelo Correio. Para o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a permanência de Eduardo nos Estados Unidos e suas ações configuram “crime contra o país”. “Ele jurou defender a Constituição. O que está fazendo é lesa-pátria. Se continuar lá, Lula ganha no primeiro turno”, disse.
Mauro Benevides Filho (PDT-CE) chamou a atitude de Eduardo de “penalidade imposta ao Brasil” ao se referir à taxação anunciada por Donald Trump, que, em 9 de julho, publicou uma carta ao presidente Lula anunciando uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, com vigência a partir do dia 1º de agosto. A medida foi embasada por Trump como resposta à “perseguição” contra Jair Bolsonaro e a supostas ações autoritárias do STF. Na avaliação de Benevides, embora Eduardo diga defender a liberdade, seus atos colaboram para isolar economicamente o Brasil.
Chico Alencar (PSOL-RJ) também reagiu à conduta de Eduardo, classificando-a como uma tentativa de internacionalizar uma narrativa de perseguição que visa deslegitimar as instituições brasileiras. “Ele está demonstrando que não tem compromisso nenhum com a democracia. […] Tem assumido que está tentando fazer gestões junto ao governo Trump para prejudicar o país”, disse o deputado ao Correio.
Já o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da sigla na Câmara, afirmou ao Correio que a possível renúncia “não apaga os crimes cometidos”. Segundo ele, em nota enviada à reportagem, o processo de cassação no Conselho de Ética seguirá mesmo se Eduardo formalizar a saída.
O outro lado
A reportagem também ouviu vozes do campo conservador, que saíram em defesa do deputado e dizem que Eduardo está fazendo um “grande trabalho”. O Sargento Fahur (PSD – PR) afirmou que Eduardo está sofrendo por “ditadores disfarçados” e que entende perfeitamente a “decisão dele não querer voltar, pois corre um grande risco de ser preso no Brasil”. E destacou que a direita não aprova as medidas adotadas por Trump.
Já o deputado Cabo Gilberto (PL-PB) classificou a permanência de Eduardo como “exílio político”. Para ele, Eduardo é vítima da “ditadura da toga no país” e sua atuação não enfraquece a direita, mas “expõe o autoritarismo do Judiciário”. Segundo ele, as “ações de Trump podem ser interpretadas pelas ações do deputado Eduardo, mas não foram; foram única e exclusivamente do Trump”, afirmou ao Correio.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, reforçou que Eduardo “está em missão importante” e que conta com o apoio integral do partido. “Ele é um soldado em frente de batalha. Enquanto entender que é necessário cumprir essa missão nos EUA”, disse em entrevista ao Correio.
O deputado Marcel Van Hattem, líder do Novo-RG na Câmara, tratou a decisão de Eduardo como “de foro pessoal” e disse que ele tem todo direito de temer uma retaliação, diante da possibilidade real de prisão. Para Van Hattem, “se Eduardo tem tanta força para influenciar o governo Trump, então toda a diplomacia brasileira está reconhecendo sua incompetência”, declarou em entrevista ao Correio.
Mandato
Com o fim da licença, Eduardo retorna automaticamente à função parlamentar, sem necessidade de aviso à Mesa. Como o Congresso está em recesso, ele ainda não acumula faltas. No entanto, a partir da reabertura dos trabalhos, em 4 de agosto, cada ausência em sessão plenária poderá ser registrada. O regimento prevê a perda de mandato em caso de faltas superiores a um terço das sessões no ano — uma decisão que cabe à Mesa Diretora da Câmara, presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB).
Caso decida renunciar, Eduardo deverá enviar um comunicado formal por escrito à Mesa Diretora. A renúncia não depende de votação, mas só entra em vigor após leitura no expediente da Câmara.
A eventual saída do cargo representaria perdas políticas, jurídicas e financeiras. Eduardo deixaráum salário mensal de R$ 46,3 mil, além de benefícios como a cota parlamentar (R$ 42,8 mil), auxílio-moradia (R$ 4,1 mil), reembolso de despesas médicas (até R$ 135 mil) e a verba de gabinete (R$ 133,2 mil mensais para contratação de até 25 secretários parlamentares). Também perderia o direito a foro privilegiado no STF e à imunidade parlamentar.
Atualmente, ele é alvo de inquérito que apura suposta tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito. De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, o deputado intensificou “condutas ilícitas” desde a decisão que impôs restrições ao pai, Jair Bolsonaro.
Caso a renúncia seja confirmada, quem assume a vaga é o suplente José Olímpio (PL-SP), que já ocupa o cargo interinamente desde março. Desde então, Olímpio apresentou zero projetos de lei e fez apenas 11 discursos em plenário. Ele emprega apenas um servidor em seu gabinete: Eduardo Nonato de Oliveira, ex-funcionário de Eduardo Bolsonaro, com salário de R$ 23,7 mil.
Segundo registros oficiais, Eduardo utilizou R$ 68 mil da cota parlamentar neste ano, mesmo estando licenciado. Também indicou R$ 3,7 milhões em emendas, mas apenas R$ 477 mil foram empenhados até agora — destinados à cidade de Caçapava (SP).
Correio de Santa Maria, com informações das redes sociais