Relatório obtido pelo The Washington Post revela que Trump quer remover toda a população de Gaza e construir resorts. Israel confirma a morte de Abu Obeida, porta-voz do braço armado do Hamas. Ativista brasiliense embarca em flotilha
Sobre a terra transformada em sinômimo de devastação e de fome, onde mais de 60 mil palestinos morreram, incluindo quase 20 mil crianças, os Estados Unidos esperam erguer um paraíso turístico, uma “Riviera do Oriente Médio”. É o que mostra um relatório de 38 páginas sobre os planos de Donald Trump para o pós-guerra na Faixa de Gaza. Segundo o documento, obtido pelo jornal The Washington Post, o projeto Fundo para a Reconstituição, Aceleração Econômica e Transformação de Gaza (GREAT, pela sigla em inglês) prevê tornar o enclave uma espécie de “protetorado” governado pelos EUA pelos próximos 10 anos.
As autoridades americanas dariam a cada um dos 2,5 milhões de palestinos cerca de US$ 5 mil em dinheiro (cerca de R$ 27,1 mil), além de subsídios para cobrir gastos com comida e aluguel durante quatro anos. A população seria incentivada a buscar moradia em outros países ou em áreas delimitadas por Washington dentro do território. Além de abrigar resorts, Gaza daria lugar a um polo de tecnologia, com indústrias de ponta. O plano leva a assinatura de israelenses envolvidos com a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), a entidade em cujos centros de ajuda centenas de palestinos foram assassinados. Por sua vez, o planejamento financeiro ficaria a cargo do Boston Consulting Group.
“É um roubo do povo da Palestina. Um crime, por converter os palestinos em refugiados”, afirmou ao Correio Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil. “Trata-se de um gesto de colonialismo disfarçado de benevolência. Um povo devastado pela máquina de guerra israelense — abastecida com armas e recursos americanos — não precisa de presentes ilusórios, mas de justiça e liberdade.”
Alzeben lembrou a relevância histórica da Faixa de Gaza e ironizou Trump. “Será que o presidente americano ignora que Gaza tem mais de cinco mil anos de história e foi um dos mais importantes portos do Mediterrâneo, além de centro vital do comércio mundial antigo?”, questionou. O embaixador destacou que “o mundo está mudando”, mas disse que “o brilho enganador do poder produziu uma cegueira perigosa em Washington”. “Quando o presidente acordar desse delírio, será tarde demais. Nem o povo palestino, nem qualquer outro povo digno da Terra aceitará viver na humilhação ou na injustiça — ainda que ela dure”, avisou.
Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan, em Ramat Gan (perto de Tel Aviv), tratou o plano de Trump como “fantasia”. “Jamais funcionará. Os moradores de Gaza não terão permissão para sair e, se tiverem, não desejariam ir para países africanos ou do Terceiro Mundo”, disse à reportagem.
Protesto pelo mar
No dia em que o The Washington Post divulgou os detalhes do projeto de Trump, uma nova flotilha humanitária — dessa vez com 20 barcos e centenas de tripulantes de 44 países, incluindo o brasiliense Thiago Ávila e a sueca Greta Thunberg — zarpou de Barcelona para tentar romper o bloqueio à Faixa de Gaza. “Nossa saída, hoje, foi muito bonita. Dezenas de milhares de pessoas se despediram da flotilha. Foi uma energia contagiante. Vimos que o povo palestino não está sozinho e que a solidariedade não vai parar enquanto esse processo horrível de limpeza étnica continuar”, disse ao Correio. A previsão é de que mais barcos se unam à flotilha durante sua passagem pela Tunísia. “Não deveria depender de nós. Uma missão como esta não deveria existir”, afirmou Greta à AFPTV. “A história aqui é sobre a Palestina. A história aqui é como as pessoas estão sendo privadas dos meios mais básicos para sobreviver”, insistiu.
Também neste domingo (31/8), as Forças de Defesa de Israel (IDF) confirmaram a eliminação de Abu Obeida, porta-voz das Brigadas Ezedin Al Qasam, braço armado do movimento fundamentalista islâmico Hamas. Abu Obeida teria sido morto durante bombardeio aéreo à Cidade de Gaza, no sábado. Conhecido como “a face do Hamas”, era o responsável pela propaganda do grupo. “Abu Obeida era o chefe de informação e propaganda mais capaz, admirado e eficaz do Hamas. Era conhecido em todo o Oriente Médio. Ele gerenciou campanhas de deslegitimação contra Israel”, explicou Gilboa. “Como porta-voz de uma organização terrorista implacável, ele frequentemente mentia e manipulava informações sobre Gaza. Sua morte é importante porque Abu Obeida foi o último sobrevivente da liderança do Hamas que planejou e executou o massacre de 7 de outubro.”
Correio de Santa Maria, com informações da Agence France Presse