Presa em cela masculina, mulher afirma ter sido vítima de estupros coletivos na presença do filho recém nascido
Uma mulher indígena da etnia kokama afirma ter sido vítima de estupros sistemáticos, cometidos por quatro policiais militares e um guarda municipal, enquanto esteve custodiada por nove meses na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. Segundo a denúncia, os abusos ocorreram entre novembro de 2022 e agosto de 2023, período em que ela aguardava transferência para Manaus.
A vítima ficou presa em uma cela improvisada, dividindo espaço com homens e com o filho recém-nascido, que permaneceu com ela na cadeia para ser amamentado. Laudo do Instituto Médico Legal confirmou indícios de violência sexual. O Ministério Público do Amazonas (MP-AM) acompanha o caso.
De acordo com a mulher, os abusos sexuais ocorriam principalmente durante os plantões noturnos, inclusive enquanto ela ainda se recuperava do parto. O advogado da vítima, Dacimar de Souza Carneiro, declarou à imprensa que o medo fez a mulher demorar a denunciar o caso. Ele disse que mulher permaneceu em silêncio até ser transferida, quando passou a se sentir mais segura para buscar ajuda.
O Ministério Público do Amazonas (MP-AM), por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, declarou estar acompanhando o caso “de forma rigorosa e sensível”, destacando se tratar de um episódio “extremamente grave, que fere os princípios mais elementares da legalidade, da humanidade e da Justiça”. Em nota oficial, o órgão informou que os relatos envolvem estupros coletivos e negligência total quanto à assistência médica e psicológica. “A resposta do MPAM será firme, proporcional à violência sofrida pela vítima”, afirmou a procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque.
Nesta terça-feira (22/7), uma comitiva do MP-AM esteve na Cadeia Pública Feminina de Manaus para colher o depoimento da indígena e prestar acolhimento institucional. A visita teve como objetivo “garantir escuta qualificada” e embasar a atuação do órgão tanto na esfera criminal quanto cível. Segundo o MP, o caso permanece sob sigilo quanto à responsabilização penal dos agentes. Já a parte cível é acompanhada publicamente, com atuação integrada do núcleo Naviv/Recomeçar, especializado em vítimas vulneráveis.
A Defensoria Pública do Estado informou que recebeu o relato da vítima em 28 de agosto de 2023, quando ela chegou emocionalmente abalada à unidade prisional de Manaus. “À época, a vítima se encontrava extremamente abalada e com receio de que, se o caso viesse a público, houvesse retaliação por parte dos policiais envolvidos”, declarou o órgão. Um exame de corpo de delito foi realizado logo após a denúncia e, conforme relato da defesa, constatou “conjunção carnal e presença de sinais de violência”.
A prisão da indígena ocorreu em novembro de 2022, após uma briga doméstica. Ela foi denunciar ser vítima de violência doméstica, quando ficou recebeu voz de prisão. Na delegacia, os policiais constataram um mandado de prisão em aberto por homicídio, já transitado em julgado. A mulher nega o crime. Com a ausência de estrutura carcerária para mulheres em Santo Antônio do Içá, foi mantida por decisão da autoridade local em um corredor com homens de menor periculosidade. O bebê, nascido pouco antes da prisão, permaneceu com ela por dois meses. A defesa afirma que essa foi a única forma de garantir a amamentação.
As corregedorias da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Sistema de Segurança Pública do Amazonas investigam os cinco agentes citados, que, segundo o MP, já estão afastados das funções operacionais. A Funai, acionada após a denúncia, mobilizou sua procuradoria para garantir medidas de proteção à vítima e solicitou o afastamento imediato dos acusados. O caso também é acompanhado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que recebeu a notificação oficial da denúncia no dia 18 de julho por meio da Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados.
Desde então, a pasta, por meio da Coordenação de Políticas para Mulheres da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, acionou órgãos como a Funai, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública e a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, além de estabelecer articulação direta com a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (SENEV), do Ministério das Mulheres. Em nota, o MPI repudiou o ocorrido e afirmou que seguirá atuando pela responsabilização dos envolvidos e pela garantia dos direitos da vítima.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também mobilizou suas instâncias administrativas e jurídicas assim que tomou conhecimento do caso, por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Por nota, publicada no site oficial do órgão, a Procuradoria Federal Especializada junto à Funai acionou oficialmente o MP-AM, a Defensoria Pública estadual e a Defensoria Pública da União, solicitando o afastamento imediato dos agentes citados e o acesso a procedimentos disciplinares e judiciais em curso. Em junho, representantes da Funai realizaram visita à unidade prisional em Manaus para avaliar a situação da indígena e do filho. A autarquia reforçou que o combate à violência contra mulheres indígenas é dever de todo o Estado brasileiro e defendeu providências para garantir reparação e suporte psicológico à vítima, preservando seu sigilo e segurança.
Correio de Santa Maria, com informações do Ministério Público do Amazonas (MP-AM)