Brasil e Colômbia veem com preocupação a aproximação de três destróieres da Marinha dos EUA da costa venezuelana. Celso Amorim rejeita intervencionismo. Gustavo Petro, presidente colombiano, teme ser arrastado para eventual conflito
Com mais poder de fogo do que todas as forças da Venezuela, os três destróieres dos Estados Unidos que se aproximam da costa do país, no Mar do Caribe, elevaram a tensão na América do Sul a ponto de países vizinhos externarem preocupação com a mobilização militar. Pelo menos 4 mil marines (fuzileiros navais) foram deslocados para região em uma missão, segundo Washington, que visa combater o narcotráfico. Assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, o embaixador Celson Amorim destacou que “a não intervenção é fundamental, um princípio basilar da política externa brasileira”. “Até durante o período de governo militar, o Brasil nunca aceitou a ideia de intervenções externas. E nos preocupa muito a presença de barcos de guerra muito próximos à costa venezuelana, sobretudo com (as recentes) declarações”, declarou Amorim.
Na terça-feira (19/8), o governo de Donald Trump prometeu usar “todo o poder” no Mar do Caribe e avisou que Nicolás Maduro não é o presidente legítimo da Venezuela. As declarações vêm depois de a Casa Branca acusá-lo de narcoterrorista e líder do Cartel de los Soles, uma organização supostamente chefiada por comandantes da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB). Maduro convocou 4,5 milhões de milicianos para pegarem em fuzis e suspendeu a proibição de voos de drones por 30 dias.
Gustavo Petro, presidente da Colômbia, afirmou temer que uma intervenção militar de Washington às portas da América do Sul possa envolver Bogotá. “Os americanos estão em uma enrascada. Eles acham que vão resolver o problema invadindo a Venezuela. Estão arrastando a Venezuela para a mesma situação da Síria, só que com o problema adicional de arrastar a Colômbia para o mesmo problema”, declarou. Coronel do Exército da Venezuela e estrategista militar, Antonio Guevara considera “legítima e bem fundamentada” a preocupação de Brasil e Colômbia. “A execução de uma intervenção militar na Venezuela afetará e envolverá as duas nações. A ativação de uma zona binacional de paz entre Colômbia e Venezuela se irradia para o Brasil. Um eventual conflito pode comprometer a segurança e a paz de toda a região”, explicou ao Correio.
Intimidação
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP, avalia o deslocamento de forças dos EUA como uma “medida intimidatória para mostrar poder contra o regime de Maduro e os cartéis do narcotráfico”. “O combate ao tráfico de drogas é prioridade para Trump na região. A Casa Branca tem pressionado o México e atuado junto aos países caribenhos. Nas últimas semanas, adotou uma postura mais incisiva em relação à necessidade de mudança de regime na Venezuela”, disse ao Correio. Ela reconhece um caráter intervencionista histórico dos EUA nas manobras no Mar do Caribe. “Os americanos usam a força para realizar intervenções e resolver seus interesses na região.”
Ao ser questionada sobre a suposta retormada da chamada “Doutrina Monroe” — baseada na proteção aos interesses americanos no Hemisfério Ocidental — Holzhacker lembrou que a política, estabelecida por Washington em 1823, tinha uma visão sobre a geopolítica global. “Em parte, a Venezuela tem um papel importante, por ser aliada da China e da Rússia. Poderia ser uma demonstração de que essa é uma área de influência americana e que os EUA não aceitarão um papel preponderante de países de outras regiões. É uma lógica de defesa de seu espaço de poder mais imediato”, comentou.
Professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), Jose Vicente Carrasquero Aumaitre alertou à reportagem sobre a necessidade de lembrar que tanto Petro quanto Luiz Inácio Lula da Silva são aliados de Maduro. “Amorim, pelo menos, teve a delicadeza de reiterar que o Brasil não reconhecia o governo de Maduro. Colômbia e Brasil fizeram chamados reiterados à não intervenção. O problema é que, ao fazê-lo, ambos se omitem ante as violações dos direitos humanos na Venezuela”, afirmou Aumaitre.
Os contratorpedeiros mobilizados
USS Jason Dunham
Com capacidade para 329 tripulantes, carrega lançadores de mísseis verticiais ASROC, seis torpedos MK-46 e mísseis Tomahwak, além de uma metralhadora MK 45 e um míssil Sea Sparrow Evoluído (ESSM). Também transporta helicópteros MH-60 com mísseis Penguin e Hellfire e torpedos MK-46 e MK-50. Em operação desde 2010, esteve envolvido em operações de combate ao terrorismo e pirataria.
USS Sampson
Com robustas capacidades de multimissão para defender a soberania dos EUA, este destróier integra uma força-tarefa para realizar operações de interdição marítima, contribuir com a segurança fronteiriça e apoiar esforços de combate ao tráfico de drogas. Em operação desde 2006, leva oito metralhadoras, um sistema de lançamento de mísseis, incluindo Tomahawk, dois tubos de torpeto e dois helicópteros.
USS Gravely
O contratorpedeiro também pode levar 329 tripulantes. Por ser um destróier da classe Arleigh-Burke, tem exatamente a mesma configuração de armamentos do USS Jason Dunham. Desde 15 de março, essa embarcação atuava no Golfo do México interceptando imigrantes ilegais e traficantes de drogas que tentavam entrar nos Estados Unidos pela via marítima.
Correio de Santa Maria, com informações da AFP