Na visão do ministro Luís Roberto Barroso, o Brasil padece de uma realidade perversa. Tem um sistema de Justiça ineficiente e que, de maneira geral, é feito para prender menino pobre. Enquanto funcionou assim, não houve problema. Mas os escândalos do mensalão e a "lava jato" mudaram o paradigma. O Direito Penal chegou ao andar de cima, aquele dos ricos e poderosos, o que gerou uma reação garantista que rapidamente se espalhou. Como consequência, o Supremo Tribunal Federal, corte que integra, virou alvo e ganhou fama de ativista.
"O que aconteceu no Brasil não foi um surto de ativismo judicial, foi um surto de protagonismo judicial decorrente daquela competência criminal que eu acho que o Supremo não deveria ter", afirma o ministro, em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico.
A corte se viu obrigada a deliberar sobre questões que afetaram o destino de membros da parcela mais rica e influente da população, o que criou tensão inclusive com o Legislativo. "Quando o Direito Penal chegou ao andar de cima todo mundo ficou garantista", aponta.
Barroso usa a execução da pena após condenação em segundo grau como exemplo. Até 2009, era aceita sem contestação. Na esteira dos julgamentos do mensalão, mudou-se a jurisprudência para aguardar pelo trânsito em julgado. A "lava jato" e a prisão do ex-presidente Lula desequilibraram de vez o jogo, e o debate passou a ser passional. Os 11 integrantes do STF ganharam de vez os holofotes. Os efeitos, nas palavras do ministro, são deletérios.
"Quais são as decisões do Supremo que eu acho que, em tese, poderiam tipificar como ativismo? São poucas, e embora elas sejam divisivas da sociedade, elas não provocam choro e ranger de dentes como as decisões criminais", aponta.
Por isso, critica o que chama de "garantismo à brasileira": aquele que entende que o processo não pode acabar até que se atinja a prescrição, e se isso não ocorrer, tudo deve ser anulado.
"Conheço muita gente em muitos lugares, até onde menos seria de se esperar, que tem essa mentalidade. Eu não tenho. O sistema penal que funciona evita a perversidade e diminui o índice de criminalidade. Funcionar dentro das regras do jogo", diz.
A ConJur publica neste sábado (14/3) a primeira parte da entrevista, e a segunda, no domingo (15/3). Nos próximos dias, a conversa também estará disponível no canal da TV ConJur no YouTube .
Leia a entrevista:
ConJur — O Supremo, assim como a sociedade brasileira, vem passando por transformações vertiginosas. O que é que falta para a Corte dedicar-se primordialmente aos temas centrais de Estado como a proteção da democracia, a mediação de conflitos entre Poderes e os direitos fundamentais?
Luis Roberto Barroso – É essa uma tese que eu defendo de longa data. O Supremo deve se dedicar às duas grandes missões de uma corte constitucional: proteger direitos fundamentais e proteger a democracia, que inclui essa mediação entre Poderes. Por uma falha de desenho institucional, o Supremo tem uma competência criminal muito vasta que nenhuma corte constitucional no mundo tem, que é a competência do foro privilegiado. Na medida do possível eu propus reduzir e a maior parte do Plenário aquiesceu. Não tenho os números ainda, mas acho que reduziu talvez à metade o número de ações penais pelo critério que propus, de competência se o crime for cometido no cargo e em razão do cargo.
E nós temos uma enorme quantidade de Habeas Corpus. Dia desses um dos casos era saber se ter matado alguém no bar, na disputa pelo jogo de sinuca, era motivo torpe ou não era. É uma competência completamente absurda. O Supremo deve julgar Habeas Corpus em que há contrariedade à jurisprudência do Supremo, quando há violação a um direito fundamental diferente da liberdade de ir e vir — pois todo Habeas Corpus cuida de liberdade de ir e vir — ou em casos teratológicos, que é um apelido que a gente dá aqui para decisões completamente absurdas e inaceitáveis. Fora isso, os casos deveriam terminar no Superior Tribunal de Justiça e ponto, como é em toda a parte do mundo. O Tribunal Constitucional não é feito para julgar milhares de processos de nenhuma classe e, portanto, o afasta da sua missão. E muitas vezes o que o afasta da sociedade é esta competência criminal que, a meu ver, muitas vezes inclusive exerce mal.
ConJur — Ministro, até que ponto é permitido o ativismo no Judiciário?
Luis Roberto Barroso — Veja, há um pouco uma confusão no Brasil entre ativismo judicial e protagonismo judicial. O que aconteceu no Brasil não foi um surto de ativismo judicial, foi um surto de protagonismo judicial decorrente daquela competência criminal que eu acho que o Supremo não deveria ter.
Começou essencialmente com o mensalão. A partir disso, que é uma questão criminal por foro privilegiado, em que o Supremo não fraccionou o processo, concentrou tudo aqui. A sociedade passou a saber o nome e a posição dos ministros, e o Supremo teve um papel muito importante. Foi duro.
Pela primeira vez foram condenadas pessoas no Brasil por corrupção ativa, corrupção passiva, gestão fraudulenta de instituição financeira. Isso não acontecia por muitas razões, inclusive pelo fato de que a instauração de ação penal aqui antes dependia do Congresso, mas nas outras instâncias também era difícil de condenar.
O Supremo mudou um paradigma ali. É preciso lembrar que era o governo do PT. Este paradigma, a meu ver, não prosseguiu — se flexibilizou um pouco ao longo do tempo. Essa é uma outra discussão, mas o que deu protagonismo ao Supremo foi essa competência criminal. Isso deu um protagonismo ao Supremo, mas isso não é ativismo.
ConJur — Aí entra a questão da competência criminal.
Luís Roberto Barroso — Isso nem é competência de um tribunal constitucional, porque isso, na interpretação da Constituição, é aplicação do Direito Penal. As pessoas consideram ativismo o que na verdade foi esse protagonismo devido à matéria penal. Quais são as decisões do Supremo que eu acho que em tese poderiam tipificar como ativismo? São poucas, e embora elas sejam divisivas da sociedade, elas não provocam choro e ranger de dentes como as decisões criminais. O termo ativismo passou a ter uma conotação negativa, que é o exercício abusivo de competência judicial. Não é nesse sentido que eu estou usando.
ConJur — Quais são as decisões?
Luís Roberto Barroso — As decisões mais proativas do Supremo foram uniões homoafetivas — excepcional decisão do Supremo, foi premiado pela ONU por essa decisão, eu mesmo fui o advogado; a decisão da anencefalia, que permitiu uma hipótese específica de interrupção da gestação no caso em que o feto fosse inviável, uma decisão irretocável eu penso; mais recentemente, e talvez essa tenha sido a decisão mais proativa do Supremo, a criminalização da homofobia — em decisão unânime. Ali a gente estava na fronteira realmente, porque, para alguns, estaria criando uma tipificação penal por analogia — e eu não acho que tenha sido isso, mas estávamos na fronteira.
Mas o Brasil é o país que tem o maior grau de violência homofóbica no mundo, o maior índice de homicídios, e havia um discurso político e social de exclusão, de legitimação da discriminação e do preconceito. O Supremo mandou um recado dizendo "a homofobia é inaceitável". Acho que interveio de uma forma necessária e oportuna nessa matéria.
Portanto, os casos que eu classificaria como sendo casos de decisões mais proativas foram todas as decisões que eu certamente qualificaria de iluministas. Fora isso, não vejo nenhum caso que se possa dizer de expressiva expansão judicial. O que tem é muito julgamento criminal, e uma tensão que você cria com o Congresso.
Houve um momento em 2017 que tinha mais de 500 processos no Supremo envolvendo parlamentares, entre inquéritos e ações penais. É claro que isso cria uma tensão entre Poderes. Quando você tem o poder de julgar alguém, ainda mais em matéria penal, há uma tensão inerente ao desempenho dessa função. Era ruim para o Supremo, ruim para o Legislativo, ruim para as instituições.
ConJur — Ministro, os exemplos que o senhor citou, eles todos têm como plano de fundo a compaixão. O termo "ativismo judicial" se tornou mais famoso com a Corte de Warren quando se desenvolveu a jurisprudência dos direitos civis dos Estados Unidos. No Brasil nós começamos com a justiça alternativa no Rio Grande do Sul, que era para socorrer os menos favorecidos. Houve novos passos nessa direção, sempre com essa marca da compaixão. No atual, ele tem uma gana pela condenação. O senhor acha que tem um componente de perversidade nessa nova fase que começa com o mensalão e entra pela "lava jato"?
Luis Roberto Barroso — Não acho. O Direito Penal tem específicos papeis na sociedade. O menos importante é o retributivo. O mais importante é o da prevenção geral. O Direito Penal deve ser aplicado com seriedade para você diminuir o crime e diminuir o encarceramento.
Quando o sistema funciona, você pune menos. O grande papel do Direito Penal é as pessoas não cometerem delitos pela probabilidade real de virem a ser punidas. Quando o sistema não é capaz de funcionar como uma ameaça real de punição, você dá os incentivos errados para os homicidas, para os que cometem latrocínio e para os que desviam dinheiro. Perverso é o sistema penal que não funciona.
ConJur — Como tem funcionado o sistema penal brasileiro?
Luis Roberto Barroso — Perversamente. Porque o sistema de uma maneira geral é feito para prender menino pobre. Este é um dado da realidade. E quando ele funcionava assim, ninguém dava muita bola. Quando o Direito Penal chega ao andar de cima, depois dos fatos do mensalão, em 2009, o Supremo passa a entender que só pode executar depois do trânsito em julgado. Veja a evolução: antes podia executar depois do primeiro grau, depois podia executar após o segundo. A partir de um determinado momento, o Direito Penal começa a respingar no andar de cima, e aí vem a mudança de jurisprudência em 2009 para dizer que só pode depois do trânsito em julgado. Os resultados foram deletérios.
Aqui há um problema que eu gostaria de ressalvar: a condenação do presidente Lula desequilibrou o debate, porque ele se tornou completamente passional. Eu não conheço o caso do presidente Lula, não estudei o caso, portanto não sei se a condenação foi justa. Mas isso trouxe uma politização e uma polarização para um debate que deveria ser sobre o que é que é melhor para o sistema de Justiça Penal. E isso se perdeu na discussão, porque passou a ser prisão ou não do ex-presidente Lula, que é uma pessoa querida por uma parcela relevante da sociedade brasileira. Portanto, eu não entrei nessa discussão e nem nessa passionalização. Para mim, era uma questão técnica.
ConJur — Aí prejudicou-se a discussão.
Luís Roberto Barroso — Eu acho que o sistema que não permite condenar depois do segundo grau se torna infindável, e você dá os estímulos errados às pessoas. É claro que a Justiça Penal é o espaço mais suscetível de abuso, e, portanto, é preciso estar atento e forte, porque ali podem acontecer coisas erradas. O papel da advocacia e do Judiciário é evitar que isso aconteça. Porém, o sistema tem que funcionar. Eu me considero — e alguns poderão não considerar — totalmente garantista.
O réu tem direito de saber do que é acusado, de se defender, de produzir provas, de ser julgado por um juiz imparcial e ter um recurso pelo menos em que possa rediscutir os fatos. Considero que isso é garantismo. Há um garantismo à brasileira que entende que o processo não pode acabar e que tudo deve terminar em prescrição, e que se por acaso não prescrever você deve anular tudo.
Conheço muita gente em muitos lugares, até onde menos seria de se esperar, que tem essa mentalidade. Eu não tenho. O sistema penal que funciona evita a perversidade e diminui o índice de criminalidade. Funcionar dentro das regras do jogo.
ConJur — Mas as regras do jogo teriam de ser mudadas então. Essa reforma do sistema penal está mais na mão do Legislativo do que do Judiciário.
Luis Roberto Barroso — Lá e cá. Eu tenho uma trilogia: o Direito Penal deve ser moderado, sério e igualitário. Moderado significa sem excesso de tipificações e sem desmedida exacerbação de penas. Sério significa que ele tem que ser aplicado de modo a produzir o seu grande efeito, que é o de prevenção geral, que evita o crime. E igualitário, que é a coisa mais difícil no Brasil: é você não distinguir entre rico remediado ou pobre. O que está certo, está certo; o que está errado, está errado. Essa é a parte mais difícil no Brasil. Somos assim um pouco pela herança da escravidão, um pouco pelo modelo aristocrático e plutocrático.
Vou usar uma expressão do professor Oscar Vilhena Vieira: "há os que são imunes de tão ricos, e os que são invisíveis de tão pobres". Uns estão acima da lei e outros, abaixo. A gente tem que ter um sistema igualitário. Não tem juiz de esquerda e o de direita. O juiz tem que fazer o que é certo, justo e legítimo. Você está falando com um juiz que não desviou nem de Aécio, de Temer, de Lula, de Bolsonaro quando chegou a minha vez de fazer o que eu achava que devia fazer. Sem fulanizar — vou falar em tese —, achacar empresário não é legítimo, levar propina não é legítimo. Se houve condenação em segundo grau não pode registrar a candidatura, se ofendeu as pessoas deve responder por isso, e, portanto, este componente igualitário é muito difícil no Brasil, e às vezes é um percurso muito solitário seguir esse caminho.
ConJur — Ministro, pela sua penúltima resposta, pode-se deduzir que o Brasil precisa de uma lei rigorosa contra o abuso de autoridade?
Luis Roberto Barroso — A gente precisa reagir com o Direito Penal aos grandes problemas que estamos enfrentando. Eu diria que os grandes problemas que o Brasil enfrenta são a criminalidade comum — essa que nos assusta na rua, do roubo, do estupro —, a criminalidade organizada — das facções criminosas e das milícias — e a criminalidade institucionalizada, que é a corrupção. Eu não identificaria neste momento da vida brasileira o abuso de autoridade como sendo o grande problema do domínio penal.
Sou contra abuso em qualquer circunstância. Acho que é a legislação que reprime isso, mas repito: quando o Direito Penal chegou ao andar de cima todo mundo ficou garantista.
ConJur — Os pobres continuam invisíveis de tão pobres. Agora, nesse patamar superior, a esfera de impunidade acabou. Sobrou alguém?
Luis Roberto Barroso — O Supremo parece que, enfim, periga anular o pessoal por causa de alegações finais, gente que desviou aí alguns milhões. Não tenho a minha convicção aí. Teve gente que devolveu R$ 170 milhões. É feio o que aconteceu no Brasil.
Pior: o que aconteceu no Brasil é que o pensamento progressista brasileiro perdeu a bandeira da ética por solidariedade e, portanto, a ética passou a ser o discurso da direita, quando a integridade vem antes da ideologia.
Hoje se criou no Brasil uma dualidade que nos faz mal. A gente tinha que ter um pacto de integridade. Depois as pessoas vão ser mais liberais, mais progressistas ou mais conservadoras, porque a democracia tem espaço para todo mundo. A ideia de que você ser honesto é uma coisa de direita é muito ruim, é muito feia, e é uma tragédia para o país.
ConJur — A construção do combate à corrupção, como o senhor disse, não é brasileira e não é de agora, ela vem sendo feita há muito tempo, tijolo sobre tijolo até chegar nesse fenômeno que se apelidou de "lava jato". Talvez a mais poderosa ferramenta que surgiu depois da interceptação telefônica foi a colaboração premiada, que parece estar vivendo um inferno astral, com contestações por conta da má qualidade. O senhor concorda com isso? A colaboração premiada tem salvação?
Luis Roberto Barroso — Talvez tenhamos visões um pouco diferentes. Tudo o que funciona em matéria penal no Brasil e que chega ao andar de cima é vítima de alguma campanha demolitória. Isso é um fato. Na criminalidade do colarinho branco, que envolve corrupção e evasão de divisas, se você não tem alguém de dentro do esquema para dizer qual foi o caminho do dinheiro, você não chega lá.
A colaboração premiada prestou um serviço inestimável à causa do enfrentamento à corrupção no Brasil. Deu tão certo que gerou imensa reação. Agora, como tudo na vida, se for mal utilizada, é ruim. O juiz tem que ter um certo controle para que não haja uma manipulação do Judiciário, nem incriminações injustas.
O que eu diria é que a colaboração premiada está sujeita ao que está qualquer instituto na vida: se for bem utilizado, é bom, se for mal utilizado, é ruim. Outro dia, em uma discussão de condomínio, uma pessoa tinha aberto uma varanda no meio do prédio. O juiz acolheu a tese de que violava a dignidade da pessoa humana aquela pessoa não poder pegar um sol na varanda. Não é isso que é a dignidade da pessoa humana. Quer dizer: até a dignidade pode ser mal utilizada. Mais ainda a colaboração. Se for mal utilizada, o papel do juiz é fiscalizar e eventualmente até invalidar a colaboração. Mas eu chamaria a atenção de que parte do problema e da ira que ela despertou é que ela deu certo.
ConJur — Logo o Supremo vai decidir se as decisões de Tribunal do Júri devem ter a execução da pena imediata. Nos Estados Unidos, onde a Justiça é bastante rápida, usa-se o Tribunal do Júri. O senhor acha que poderia ser usado no Brasil para causas que não são relacionadas a sangue ou criminais?
Luis Roberto Barroso – Não. Acho ruim. O sistema não é bom. Mesmo lá, ele tem os seus problemas, mas ele é produto de uma tradição secular que não seria capaz de reverter. No caso do crime, eu defendo essa posição, que prevaleceu na Primeira Turma, que a condenação do Júri é prontamente executável pela razão singela de que, no sistema brasileiro, o tribunal não pode modificar a decisão — no máximo pode determinar a realização de um novo júri. E estatisticamente é irrelevante a quantidade de casos em que se vai a novo júri com absolvição.
As sociedades civilizadas têm um senso mínimo de Justiça. Alguém condenado pelo júri por homicídio no mais das vezes por motivo torpe e que provavelmente não vai ter aquela decisão revertida sair andando do tribunal do lado da família da vítima... considero que poucas coisas vulneram mais o sentimento de justiça das pessoas do que este quadro pavoroso.
Um sistema de Justiça que não funciona não é bom para o país, para a Justiça e para os advogados. Um dia os advogados vão me reconhecer nesse mérito.
ConJur — Os advogados, ministro, em especial os da área criminal, gostam de lembrar do advogado Barroso. O que o ministro Barroso acha do advogado Barroso? E o que o advogado Barroso acharia do ministro Barroso?
Luis Roberto Barroso — Eu fui o melhor advogado que eu consegui ser. Agora, procuro ser o melhor juiz que consigo ser. A cobrança ao juiz de quando ele era advogado é profundamente injusta, porque são papeis diferentes. Bons advogados, eu admiro todos eles — inclusive os criminalistas, porque as pessoas têm uma certa arrogância de achar que nunca vão precisar de um, e eu não sou assim.
Eu conheço a vida, e todo mundo está sujeito a precisar de um bom criminalista algum dia. Tenho o maior respeito pela atividade dos criminalistas. Espero não precisar de um, mas se precisar não terei nenhuma cerimônia de estar lá.
A vida do advogado que eu fui por 30 anos, e trabalhava muito, era uma vida dura, ela tem um componente mais fácil do que a vida de um juiz: o advogado só precisa julgar uma vez, no momento em que ele aceita ou não a causa. A partir dali, tem um dever jurídico de utilizar todos os artifícios dentro da lei e da ética que aproveitem ao seu cliente. O advogado é o profissional que, entre teses alternativas razoáveis, patrocina àquela que atende ao interesse do seu cliente.
O juiz, que é essa vida que eu vivo só há seis anos, tem outros compromissos. Eu preciso respeitar os direitos fundamentais do acusado, é indispensável, mas o juiz também é o guardião da próxima vítima. Eu preciso evitar o próximo roubo, o próximo estupro, o próximo homicídio. Faz parte do meu papel e, portanto, esta é uma avaliação inerente ao cargo: o outro lado. E esta ponderação de direitos fundamentais e liberdades, e proteção de terceiros e da sociedade é uma ponderação difícil para quem foi advogado.
Eu não tenho nenhum prazer, nenhum gosto em exercer essa competência criminal. Detesto esse poder de poder decidir se alguém vai ficar preso ou não, mas inerente a esse poder está também o de salvar uma vida. Portanto, o advogado Luis Roberto Barroso tem uma certa pena de o ministro Luis Roberto Barroso não poder viver essa vida mais amena que é você ter um lado só. Eu tenho que olhar para dois lados e, às vezes, mais do que dois lados.
Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.
Maurício Cardoso é diretor de redação da revista Consultor Jurídico.
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.