O trecho da decisão de Celso de Mello que irritou os ministros militares destacou que, "se as testemunhas que dispõem da prerrogativa fundada no art. 221 do CPP, deixarem de comparecer, sem justa causa, na data por elas previamente ajustada com a autoridade policial federal, perderão tal prerrogativa e, redesignada nova data para seu comparecimento em até 05 (cinco) dias úteis, estarão sujeitas, como qualquer cidadão, não importando o grau hierárquico que ostentem no âmbito da República, à condução coercitiva ou 'debaixo de vara'".
O clima é de desconforto no Palácio e nas Forças Armadas. Oficiais da ativa e da reserva de fora do governo fizeram coro e disseram que se sentiram atingidos e tratados como "bandidos". Na Presidência, a decisão de Celso de Mello foi discutida em reunião, na manhã de ontem, quarta-feira, no Palácio. Chegou-se a pensar em uma reação às expressões usadas por Mello, mas a turma do "deixa disso" entrou em campo, tentando amenizar a situação. O entendimento no Planalto foi de que não se tratava de um caso do Ministério da Defesa e dos comandos militares, mas de "ministros da Presidência". Ainda no encontro, alguns citaram notícias de bastidores de que ministros do STF consideraram a decisão de Celso de Mello exorbitada e excessiva.
Em reuniões na semana passada, Bolsonaro e sua equipe mais próxima já diziam "atravessados" com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, também do STF, que acatou uma liminar e suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, amigo da família do presidente e o primeiro escolhido para o posto. O Palácio avalia que o ato de Moraes foi uma "intromissão indevida" do Judiciário no Executivo e uma decisão eminentemente política.
As decisões de Moraes e agora de Celso de Mello são consideradas "graves" na Presidência. Uma fonte qualificada que não quis se identificar avaliou que o STF dá sinais de que as interferências estão indo além do aceitável no que considera um "descumprimento flagrante da Constituição, que fala em harmonia e independência entre os poderes".
No dia 19 de abril, Bolsonaro participou de uma manifestação contra o Supremo e o Congresso em frente ao Quartel-General em Brasília, deixando seus ministros-generais em saia justa. É uma briga antiga. Ainda na campanha presidencial, o filho dele e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse, em vídeo gravado, que um soldado e um cabo podiam fechar a Corte. A afirmação ocorreu numa resposta a um estudante de cursinho que perguntou qual seria a postura do pai se fosse impedido pelo STF de assumir a Presidência. Na época, Jair Bolsonaro pôs panos quentes e afirmou que a frase do filho foi retirada de contexto. De lá para cá, a rede na internet liderada pela família mantém um ataque sistemático aos magistrados. Os ministros militares do Planalto sempre deixaram claro seu afastamento da rede e dos filhos do presidente e lembraram que também são vítimas de linchamentos virtuais, mas no entendimento do Judiciário e do Congresso não é possível ignorar o poder do clã do presidente no conjunto do governo.