06/06/2020 às 07h59min - Atualizada em 06/06/2020 às 07h59min

Juristas e acadêmicos analisam limites do artigo 142 da Constituição

Enquanto apoiadores bolsonaristas citam o artigo 142 do texto constitucional para justificar uma possível intervenção das Forças Armadas, juristas e acadêmicos afirmam que a hipótese configura flagrante ilegalidade

A pregação de apoiadores  do presidente Jair Bolsonaro em defesa de uma intervenção militar, baseada no artigo 142 da Constituição, encontra cada vez mais resistências em meio a políticos e juristas. Até o momento, tem servido de combustível para a crise política e de reforço do perfil autoritário do chefe do Executivo.

O artigo prevê que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Porém, para bolsonaristas, os militares devem exercer uma moderação em caso de crise entre os Poderes.


Esse discurso continua em voga mesmo depois que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Câmara dos Deputados emitiram pareceres afirmando que o artigo 142 não autoriza uma intervenção militar.

Bolsonaro, acuado por investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou a falar do artigo ontem, durante inauguração de um hospital de campanha no estado de Goiás, ao anunciar que permitirá a importação de armas de uso individual isentas de impostos. “É uma boa medida que vai ajudar todo o pessoal dos artigos 142 e 144 da nossa Constituição”, disse o presidente.

O artigo 144, citado pelo presidente, também define que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis; Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militar.”

Para quem acompanha o dia a dia da política, a insistência do presidente em fazer veladas ameaças de uma intervenção militar é totalmente inconstitucional. “A suposta interpretação de que compete ao presidente da República convocar as Forças Armadas para atuar como suposto poder moderador fere a lógica constitucional. A Constituição prevê a forma com que os poderes se equilibram e se controlam. Trata-se de um complexo sistema de freios e contrapesos”, disse Paulo Palhares, professor de direito constitucional do Ibmec-DF.


“Ao que parece, é justamente contra esse sistema de freios e contrapesos que algumas figuras públicas evocam o artigo 142 da CF, pretendendo que as Forças Armadas privem os poderes Legislativo e Judiciário do exercício do papel Constitucional e se dobrem aos entendimentos defendidos pelo Executivo. Em suma, a atuação das Forças Armadas neste sentido encerra violação clara e inequívoca do texto Constitucional”, acrescentou.

Flávia Bahia, advogada especialista em Direito Constitucional e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirmou que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica existem para assegurar o Estado Democrático de Direito, não para endossar projetos de poder. “A Constituição Cidadã é fruto de um movimento democrático que repudia há quase 32 anos qualquer forma de autoritarismo e subversão da ordem constitucional. O artigo 142 não prevê intervenção militar para resolver conflitos entre os Poderes da União. As Forças Armadas existem para assegurar o Estado Democrático de Direito, jamais para endossar projeto de poder de quem quer que seja”, disse a advogada.

Para o professor Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), o discurso do governo Bolsonaro é típico do populismo contemporâneo. “Porém, ao contrário da maioria dos líderes europeus e da Ásia, que voltam os olhos para o futuro, e imaginam o que será o mundo pós-covid-19, Bolsonaro prega uma volta ao passado, reifica os anos 1970 e espalha uma narrativa distorcida de que o Brasil só pode prosperar sob a tutela dos militares”, disse o docente da UnB.

“Na prática, essa narrativa atende a dois objetivos: ela encanta bases eleitorais e serve como cortina de fumaça para acobertar os avanços no projeto político que une o presidente e seu grupo. As falas descabidas, as ameaças de golpe militar e as confrontações são parte da estratégia de dissuasão para desviar a atenção dos avanços importantes do projeto de poder encabeçado pelo presidente, que objetiva instaurar no país um regime político híbrido, de caráter autoritário, mas sem necessariamente ser totalitário”, continuou Paulo Calmon.

“Bolsonaro tem afirmado repetidamente que não defende o totalitarismo, principalmente porque não há necessidade de um golpe militar para que ele controle o poder. O projeto político bolsonarista não propugna o fechamento do Congresso, do STF, do MP, da PF e nem da imprensa. O objetivo é mantê-los funcionando, mas controlar a atuação e tolher a autonomia. Manter uma aparência de normalidade democrática,  mas concentrando o poder decisório numa pequena elite de políticos e militares, a exemplo do que ocorreu nos anos 1970”, concluiu o docente.

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