05/07/2020 às 07h16min - Atualizada em 05/07/2020 às 07h16min

Coronavírus: governo leva cloroquina a indígenas e MPF abre investigação

Missão militar levou para reserva Yanomami 66 mil comprimidos da droga sem eficácia comprovada no combate ao coronavírus

Após meses de apelos por ações mais efetivas do poder público no combate ao coronavírus entre os indígenas, etnias que vivem na reserva Yanomami, em Roraima, receberam uma missão comandada pelo ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo Silva, e ganharam, entre outros insumos, 66 mil comprimidos de cloroquina. A droga não tem eficácia comprovada contra a Covid-19 e os indígenas desconfiam dela e criticam o uso propagandístico da visita sobre a qual nem foram avisados, já que jornalistas de agências internacionais também foram chamados pelo governo.
 

O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima recebeu denúncias por causa da visita, que levou um contingente de pessoas que podem ter sido expostas ao vírus antes. Foi aberto um procedimento para investigar a visita sem consulta aos povos indígenas, sobretudo em um período em que as aldeias estão isoladas por razões sanitárias. A investigação inclui a distribuição da cloroquina, segundo nota divulgada pelo órgão.

“O objetivo é apurar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas, o ingresso nos territórios sem prévia consulta de seus povos – em desrespeito à decisão de isolamento de muitas de suas comunidades –, a violação das regras de distanciamento social, a presença expressiva de meios de comunicação em contato com os indígenas e a eficiência de operação com vultoso gasto de recursos públicos”, disse o MPF.

Segundo o governo, todos os integrantes da comitiva foram testados para ver se estavam infectados. Testes também foram aplicados em algumas dezenas de indígenas e deram negativo, o que levou o ministro Azevedo e Silva a dar entrevistas dizendo que a pandemia não havia chegado ao território. Para os indígenas, porém, há risco de contaminação, porque a comitiva esteve antes no Hospital de Campanha de Boa Vista, em contato com pessoas infectadas pela doença.

A operação ocorreu no fim da semana passada e, desde então, lideranças Yanomami e das outras oito etnias que vivem na reserva têm feito reclamações nos canais a que têm acesso.

Neste vídeo, dois indígenas reclamam do uso propagandístico da imagem de seus familiares pelo governo e pedem quem a comitiva não volte aos territórios. O registro foi feito por um perfil administrado pelos próprios indígenas da região nas redes sociais.

“Estou preocupado pois pessoas desconhecidas vieram aqui e deixaram a xawara (coronavírus)”, diz no registro o líder Roberto Yanomami, da comunidade Kori yauopé. “Vocês fizeram aglomerações com pessoas estranhas. Eu não aceito que venha aqui sem consultar o povo”, completa ele.

“Não quero que pessoas estrangeiras venham só para tirar foto dos meus filhos. Fiquei indignado, porque não comunicaram e não queremos ser propaganda do governo”, diz Paraná Yanomami, da comunidade Jacaré.

Decisão pela expulsão dos garimpeiros
Em meio aos protestos, os indígenas da região puderam comemorar uma vitória judicial na noite da última sexta-feira (3/7). O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) atendeu a pedido do MPF da “adoção imediata de plano emergencial para conter o avanço da doença na Terra Indígena Yanomami, que contempla, entre outros pontos, o combate ao garimpo ilegal, com a extrusão dos infratores”.

Segundo a decisão, “plano, e respectivo cronograma, devem ser apresentados por órgãos públicos em até cinco dias e executado no prazo de dez dias após a conclusão, garantindo a execução durante todo o período da pandemia”.

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A Advocacia Geral da União, que representa o governo, informou na sexta que não havia sido informada sobre a decisão.

Os Yanomami denunciam a presença de 20 mil garimpeiros em sua reserva. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda operação contra o desmatamento na região amazônica, porém, o número é bem menor. Veja postagem feita por ele nas redes sociais, minimizando a questão:

Metrópoles procurou o Ministério da Saúde, que ajudou a coordenar a missão, para questionar que protocolo será utilizado para a cloroquina entre os indígenas, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.


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