É extremamente grave e preocupante a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de determinar o compartilhamento imediato e indiscriminado das bases de dados, inclusive as sigilosas, das forças-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
A justificativa dada ao pedido do PGR para este acesso irrestrito, de que existem indícios de que a força-tarefa de Curitiba tenha investigado autoridades com foro privilegiado, deveria fundamentar pedido de apuração através das vias correcionais regulares do Ministério Público Federal (MPF). Jamais a justificativa deveria ser utilizada para uma devassa autoritária conduzida pelo chefe da instituição — agravada pelo fato de ser respaldada pela autoridade máxima do tribunal constitucional brasileiro.
A recente renúncia coletiva dos procuradores do grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília, em protesto a condutas do Procurador-Geral da República, soou um grave alerta para ameaças à Operação Lava Jato e à própria instituição do MPF no cumprimento de seu papel no combate à corrupção — principalmente à grande corrupção perpetrada por poderosos. Os atos de Augusto Aras a cada dia confirmam a consistência desse alerta e a gravidade dos retrocessos institucionais.
A decisão de ontem do ministro Dias Toffoli reitera um histórico de resoluções monocráticas, amplamente questionáveis, com consequências sistêmicas e deletérias ao combate à corrupção no país. Em 2019, decisão de Toffoli de requisitar acesso amplo e indiscriminado a dados de auditorias fiscais da Receita Federal e relatórios de inteligência financeira do COAF, envolvendo mais de 600 mil indivíduos e empresas, causou espanto e críticas generalizadas. Outra decisão, ainda mais grave, em resposta ao recurso da defesa do senador Flávio Bolsonaro, praticamente paralisou as atividades do COAF e quase mil investigações de lavagem de dinheiro e outros crimes graves, em todo o país, por metade do ano. Esta última decisão provocou inclusive reações de organismos internacionais, como uma visita de alto nível da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao país, frente ao descumprimento de obrigações legais do Brasil, como signatário de convenções contra a corrupção, sobre o crime organizado e o terrorismo internacional.
Os crescentes retrocessos institucionais na luta contra a corrupção inserem-se em um quadro geral, ainda mais amplo e grave, de degradação democrática no Brasil. A sociedade brasileira deve defender com vigor suas notáveis conquistas na luta contra a corrupção, que se alcançaram pelo progresso de seu estado democrático de direito. A comunidade internacional deve estar atenta às graves consequências externas dos retrocessos no Brasil e cobrar as autoridades nacionais pelo cumprimento de suas obrigações.