Ministro do Supremo revoga liminar do presidente da Corte que obrigava a força-tarefa a compartilhar dados com a Procuradoria-Geral da República. Órgão diz que vai recorrer da decisão, e caso deve ser avaliado pelo plenário do tribunal.
Fachin frisou que o efeito da decisão dele deve ser retroativo. Os arquivos já repassados terão o uso suspenso para qualquer finalidade
Em meio à crise no Ministério Público Federal (MPF), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a liminar concedida pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que obrigava as forças-tarefas da Lava-Jato no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo a compartilharem dados da operação com a Procuradoria-Geral da República (PGR). O magistrado é o relator do caso na Corte e tomou a decisão ao retornar do recesso. As informações das investigações estão no centro de uma disputa de poder entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e as equipes do órgão nos estados.
A PGR informou que vai recorrer da decisão de Fachin. O caso deve ser levado ao plenário da Corte. No entanto, para isso, é necessário que o próprio magistrado coloque o tema à disposição da mesa, e Toffoli decidirá quando pauta o assunto para julgamento por todos os ministros.
Ao determinar o compartilhamento, no início de julho, Toffoli afirmou que a Lava-Jato deveria entregar “todas as bases de dados estruturados e não-estruturados utilizadas e obtidas em suas investigações, por meio de sua remessa atual, e para dados pretéritos e futuros, à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do gabinete do procurador-geral da República”. Ele atendeu a um pedido da PGR, que recorreu ao Supremo após a subprocuradoria Lindora Araújo, braço direito de Aras, ir até Curitiba e solicitar acesso ao banco de dados. A solicitação, feita no fim de junho, foi negada pelos integrantes da força-tarefa, o que gerou indignação de Aras. Os dados, referentes a 350 terabytes de arquivos, já estão parcialmente em poder da PGR. Na ação peticionada no STF, a procuradoria alega que decisões de 2015, tomadas por Sergio Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizam o intercâmbio das informações. No entanto, a equipe baseada na capital paranaense rebateu dizendo que não foi permitido, por Moro, o “compartilhamento irrestrito dos dados”.
De acordo com Aras, entre as informações colhidas pelos procuradores de Curitiba estão os perfis de 38 mil pessoas, que, segundo ele, não se sabe quais foram os critérios para o levantamento dos dados delas. Os primeiros registros, que já chegaram a Brasília, foram enviados à corregedoria da PGR e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para eventual apuração de violações disciplinares.
Na decisão que revoga a liminar de Toffoli, Fachin disse que o fundamento usado para permitir o repasse das informações se refere à remoção de integrantes do MP e não serve para fundamentar o envio de dados à PGR. “Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante”, escreveu o magistrado, em um trecho do texto.
Fachin destacou que o efeito da decisão dele deve ser retroativo. Ou seja, os documentos e arquivos que já estiverem em poder da PGR terão de ter o uso suspenso para qualquer finalidade. Essa determinação abarca as informações entregues ao CNMP. Na entidade, existe um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que a Lava-Jato em Curitiba seja investigada. O relator do caso no Conselho, Otávio Rodrigues, decidiu impor sigilo às informações, que agora estão inabilitadas para uso.
Controvérsias
Seis anos após a Lava-Jato ser deflagrada, os métodos e ações da operação dividem o Ministério Público. Em Curitiba, os integrantes do MPF dizem que existe uma operação em curso para desmontar os avanços feitos até agora no combate à corrupção e invalidar o que foi feito até agora, além de punir procuradores.
Em Brasília, Aras e seus aliados dizem que irregularidades precisam ser corrigidas e que as equipes da Lava-Jato querem uma independência que não tem previsão legal ou institucional, como se fosse um órgão à parte do Ministério Público.
Ainda na capital federal, Aras enfrenta resistência de um grupo forte dentro do órgão, como de integrantes do Conselho Superior do MPF, que, em sessão virtual na semana passada, travaram com ele um debate acalorado e recheado de ataques.
Até 10 de setembro, o procurador-geral decide se mantém ou não a força-tarefa da operação em Curitiba. Nessa data, encerra o prazo para que a equipe — formada por 14 procuradores e dezenas de assessores — seja renovada.
"Algumas decisões tomadas no plantão do #STF, em regime de urgência, demandavam reapreciação. Em análise detida e precisa, o Min. Fachin revogou a liminar do Min. Toffoli que obrigava o repasse à PGR de toda base de dados da #LavaJato”
Roberson Pozzobon, procurador da força-tarefa em Curitiba
"O que a Lava Jato quer esconder? Por que não querem entregar os dados para a PGR? Por que recorreram ao STF? A decisão do Fachin precisa ir para o pleno decidir. Queremos transparência”
Paulo Teixeira (PT-SP), deputado
"Ministro Fachin coloca as coisas em seu devido lugar jurídico. Vitória para o combate à corrupção, derrota para quem almeja sabotá-lo”
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), senador
Quatro perguntas para
Celso Vilardi, advogado criminalista
O STF decidiu que a Justiça Eleitoral deve julgar corrupção e lavagem de dinheiro quando houver caixa 2 de campanha, tirando essa competência da Justiça Federal. Isso foi tratado como uma derrota para a Lava-Jato. Qual é a sua avaliação?
A decisão do Supremo, até certo ponto, era esperada, pois já se falava, há muito, de reduzir a competência do STF, que é uma corte constitucional e não deve ter tantos casos tramitando ao mesmo tempo. O problema é que quando o Supremo julgou, decidiu-se a questão maior, que é a questão da competência. Não ficaram claras, ainda, algumas questões ligadas à matéria. Será importante que o Supremo complemente esse julgamento. É bom lembrar que o Supremo sempre teve a posição de que qualquer pessoa com autoridade de foro, independentemente do momento, era julgada no STF. Eles restringiram essa interpretação para mandar as pessoas que cometeram crime antes do mandato para a primeira instância. Mas isso é uma questão maior, há outras que precisam ser respondidas. Há dúvidas que o Supremo precisa se posicionar melhor.
Quais dúvidas, por exemplo?
Considerando um crime que tenha sido cometido antes do mandato, o STF tem de dizer que, se a autoridade vislumbrar que existe algum fato que permaneça vigente no mandato, isso faz com que a competência da investigação volte para o STF. Isso não está esclarecido, e é uma questão importante. O Supremo precisa se posicionar que, quando ele remete um caso para a primeira instância, só o fato anterior ao mandato é que efetivamente justifica a atuação da Justiça de primeira instância. Se a investigação necessita fazer apurações relativas ao próprio mandato, não pode ficar na primeira instância. O Supremo tem de fazer uma delimitação muito firme nesse sentido.
A Lava-Jato errou no caso Serra?
Houve excessos. Não se justificaria uma operação dessa magnitude, em 2020, para uma questão eleitoral de 2014. A Lava-Jato de São Paulo agiu mal ao fazer uma operação midiática em relação a um caso que está apurando uma doação eleitoral. José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp, não fez doação a Serra. Ele não é acusado de fazer a doação. Ele não tem relação nenhuma com o caso e foi vítima de uma operação espetaculosa. Felizmente, o erro começou a ser corrigido pelo ministro Toffoli (presidente do STF). E não tenho dúvida de que será corrigido de forma mais definitiva no futuro.
O ministro Fachin revogou a decisão que obrigava a Lava-Jato a compartilhar dados com a PGR. Qual é a sua avaliação?
É um tema complexo, que vai ser discutido pelo STF. Eu tenho muita dificuldade em entender que um procurador-geral da República não possa conhecer aquilo que tramita nas forças-tarefas por ele próprio criadas. É claro que existe uma independência funcional e há uma impossibilidade de violar a independência funcional dos membros do Ministério Público. Mas não estando em questão a independência funcional, o PGR tem o direito de conhecer esses dados, até para providências que julgar necessárias. (Augusto Fernandes)