O número chama a atenção: 5,2 milhões de doses. Essa é a quantidade de cloroquina distribuída pelo Ministério da Saúde. O remédio é recomendado pelo governo brasileiro para o tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, mesmo sem comprovação científica de eficácia e segurança.
Até esta quinta-feira (13/8), o país contabilizava 105.463 mortes e 3.224.876 casos confirmados de Covid-19. Nas 24 horas anteriores à divulgação desse dado, foram registrados mais 1.262 falecimentos e 60.091 diagnósticos.
Apesar de ser a grande aposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o medicamento tem uma inserção menor que o outro remédio que também tem sido usado no tratamento. A distribuição de oseltamivir tem atualmente 14,5 milhões de doses entregues a estados e municípios — 73,4% mais.
Percentualmente, a cloroquina corresponde a 26% do disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Segundo a pasta, só esse medicamento custou aos cofres públicos R$ 238,3 mil reais. Vale pontuar que o próprio governo brasileiro produz o remédio, o que torna o custo mais barato. No caso do oseltamivir, a cifra chega a R$ 52,5 milhões.
Os dados fazem parte de um levantamento com base em dados contabilizados pela plataforma Localiza SUS, canal do governo federal que monitora gastos e insumos relacionados à pandemia de Covid-19 no país.
Quase seis meses após a doença causada pelo novo coronavírus ser detectada no Brasil, o uso da cloroquina ainda é um dilema. Comunidade científica refuta o uso em larga escala por falta de comprovações da eficácia.
O governo discorda e aposta na droga como trunfo contra a enfermidade. Para se ter dimensão de como a cloroquina tem sido usada no tratamento, é como se todos os 3,1 milhões de pacientes confirmados tivessem tomado cada um ao menos 1,6 dose do remédio. O volume é maior, por exemplo, que a população do Distrito Federal ou de Salvador, que possuem 3 milhões e 2,8 milhões de habitantes, respectivamente.
O debate movimentou o alto escalão do governo. Dois ministros pediram demissão por causa do protocolo idealizado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Exército passou a produzir em larga escala comprimidos da droga. Até mesmo uma carga do produto, doada pelo presidente estadunidense Donald Trump, mobilizou a Receita Federal e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberação no país.
Entre os estados que mais receberam cloroquina e oseltamivir estão São Paulo (4,6 milhões de doses), Paraná (2,2 milhões), Santa Catarina (2 milhões) e Minas Gerais (1,3 milhão).
O Distrito Federal recebeu ao todo 156,4 mil doses das medicações. Sendo 72 mil de cloroquina e 84,4 mil de oseltamivir , segundo o Executivo federal.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), uma das principais entidades no controle da pandemia no território nacional, atesta: não há eficácia comprovada que o remédio funciona contra a Covid-19 e não é possível dizer que é totalmente seguro o uso. Alguns estudos já apontam para riscos para quem tem males do coração.
O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da SBI, explica que tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina podem inibir o SARS-CoV-2 (o vírus causador da doença) in vitro, ou seja, nos estudos feitos em laboratório, não em seres humanos.
“Não há benefícios clínicos comprovados para pacientes com Covid-19, nem para prevenção, nem para pacientes com manifestações leves ou graves da doença”, afirma o especialista.
A pedido de Bolsonaro, o governo mudou o protocolo de uso da cloroquina. A ampliação do uso do medicamento para casos leves da doença ocorreu em 20 de maio. Cabe ao médico a decisão de usar a substância e é necessária a manifestação por escrito da anuência do paciente com termo de responsabilidade.
Desde o início da pandemia, segundo o Ministério da Saúde, foram comprados e distribuídos mais de 16,1 milhões de unidades de medicamentos para auxiliar no tratamento do coronavírus
Já foram enviados mais de R$ 63,4 bilhões a estados e municípios para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, sendo R$ 47,3 bilhões voltados exclusivamente para combate ao coronavírus, numa ação que o governo chama de “apoio irrestrito a estados e municípios”.