03/09/2020 às 07h43min - Atualizada em 03/09/2020 às 07h43min

‘Tenha dignidade para se demitir’, disse Bolsonaro a Sergio Moro em mensagem obtida pela PF

Relatório encaminhado pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal revela mensagem inédita do presidente pressionando o então ministro da Justiça e Segurança Pública, que opinou sobre atuação de forças policiais no cumprimento de medidas de isolamento social

Estadão Conteúdo
 
 

 

Relatório da Polícia Federal encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) revelou troca de mensagem inédita entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro . A conversa, por telefone, revela que o presidente pressionou o ex-juiz da Lava Jato após se sentir contrariado com uma declaração de Moro à imprensa.

 

O relatório da PF analisou conversas trocadas entre Bolsonaro e Moro durante o período de 12 a 23 de abril – um dia antes de o ex-ministro anunciar sua demissão e acusar o presidente de interferir politicamente no comando da corporação para obter informações sigilosas.

 

A conversa inédita ocorreu no dia 12 de abril, quando Bolsonaro encaminhou notícia publicada no jornal Valor Econômico na qual Moro opinava que a polícia poderia prender quem descumprisse o distanciamento social e quarentena – ambas medidas eram criticadas pelo presidente à época.

 

“Se esta matéria for verdadeira: Todos os ministros, caso queira contrariar o PR, pode fazê-lo, mas tenha dignidade para se demitir. Aberto para a imprensa”, escreveu Bolsonaro a Moro.

 

O então ministro respondeu: “O que existe é o artigo 268 do Código Penal. Não falei com imprensa”.

 

O artigo 268 considera crime punível com detenção de um mês a um ano a quem infringir determinação do poder público que se destina a impedir propagação de doença contagiosa.

 

O relatório da PF também transcreve duas conversas já divulgadas entre Bolsonaro e Moro – uma sobre o avanço de inquérito dos atos antidemocráticos a aliados do Planalto e outra sobre a exoneração de Maurício Valeixo .

 

Nas ‘recomendações finais’ do relatório, o agente responsável pelo relatório aponta que não teve acesso a conversas trocadas entre Moro e Valeixo, ou a outras provas. Apesar disso, ele conclui que Bolsonaro ‘já estaria decidido a realizar a mudança no comando da PF, independente da formalidade aplicada no caso concreto, de ‘ex-oficio’ ou ‘a pedido’.

 

A PF indica no mesmo relatório que a totalidade das conversas entre o presidente e o ex-ministro ‘se restringe a assuntos afetos à gestão pública’. Um exemplo citado é o ato de prorrogar ou não o decreto de fechamento de fronteira com o Uruguai durante a pandemia do novo coronavírus. “Não há registros de conversas afetas à vida pessoal”, apontou a PF.

 

As trocas de mensagens entre Moro e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também foram registradas no relatório. Após o então ministro anunciar que sairia do governo por causa da demissão de Valeixo, Zambelli teria solicitado a Moro que aceitasse Alexandre no comando da PF. Em troca, ela se comprometia a ‘ajudar’ Moro, a ‘fazer o JB prometer’. “Vá em setembro para o STF”, escreveu Zambelli.

 

Segundo a PF, ‘em nenhum momento as mensagens permitem entender que houve interesse ou promessa de tal cargo (no STF), tanto por parte do ex-ministro quanto da parte do Presidente da República’.

 

“A única condição imposta pelo então ministro para permanecer no comando da pasta foi a de manter inalterada a direção-geral da Polícia Federal”, apontou a PF, que também diz que não foram identificadas nas mensagens ‘menções a relatórios de inteligência’.

 

As mensagens foram obtidas pela PF após o depoimento de Moro, no dia 2 de maio, na sede da Superintendência Regional da corporação em Curitiba .

 

O ex-juiz e o presidente são investigados em inquérito aberto em abril para apurar as acusações de Moro sobre suposta interferência de Bolsonaro no comando da PF, após a demissão de Maurício Valeixo da chefia da corporação. As trocas visariam a obtenção de informações sigilosas e estratégicas para blindar familiares e aliados em investigações. O Planalto nega as acusações.

 

Nesta quarta, 2, a PF pediu a prorrogação do inquérito por mais 30 dias. O caso está sendo conduzido pelo ministro Celso de Mello, do STF, que está de licença médica. Uma das diligências que devem ser realizadas na investigação é o depoimento de Bolsonaro, ainda sem data e forma para ocorrer. O pedido para ouvir o presidente partiu da delegada Christiane Correa Machado, que lidera o caso .

 

Em ofício ao Supremo, ela afirmou que as investigações ‘se encontram em estágio avançado, razão pela qual nos próximos dias torna-se necessária a oitiva’ do presidente.

 

Em junho, o procurador-geral da República, Augusto Aras , pediu que Bolsonaro possa escolher a forma como prefere depor.

 

Até o momento, o próprio Sérgio Moro, ministros palacianos, delegados e superintendentes da Polícia Federal e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) foram ouvidos no processo.


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