Gabinete do ódio

O governo Lula faz enfim alguma coisa, pelo menos uma, e obtém resultado imediato: a campanha do ódio do 'nós contra eles' já produziu a sua primeira ameaça de morte

JR GUZZO
13/07/2025 07h59 - Atualizado há 9 horas

Depois de dois anos e meio, o governo Lula faz enfim alguma coisa, pelo menos uma, e obtém resultado imediato: a campanha do ódio do “nós contra eles”, sendo “nós” os pobres comandados pelo presidente, e “eles”, os ricos que formam a oposição, já produziu a sua primeira ameaça de morte. Um professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, antigo gato gordo da máquina petista na primeira encarnação de Lula, escreveu na internet que a filha do publicitário paulista Roberto Justus deveria ser executada na “guilhotina” por ter aparecido numa foto de família com uma bolsa de grife. A menina tem 5 anos de idade.

Foi um sucesso imediato de público. Talvez não tenha sido o sucesso que os estrategistas da nova propaganda oficial imaginavam. Sim, eles apostam tudo, agora, na guerra dos “pobres contra os ricos”. Nada deu certo até hoje para “melhorar a imagem” do governo; por que não, nesse caso, uma descarga concentrada de ódio para ver se o jogo muda nas redes sociais, onde o governo Lula só apanha, há anos? Leva nota 9 na mídia que se considera séria, e muito pouca gente lê. Leva nota zero nas redes, onde está realmente o público. Mas o megabarulho causado pela história da menina e da sua bolsa não parece ter sido o que Lula queria. Mal começa o jogo e a nossa primeira proposta é assassinar uma garota de 5 anos?

Foto: Justus e família

Tem gente gostando, porque o PT e a esquerda brasileira adoram esse tipo de solução para tudo. “Tem de m.t.r. mesmo”, festejou outra figura das novas milícias digitais de Janja e do ministro Sidônio. Outro barão do extremo lulismo tinha dito há tempos, sob intenso aplauso, que tudo o que a “direita” podia esperar era “um bom fuzil, uma boa bala e uma boa cova”. Antes, ainda no governo Bolsonaro, fizeram um vídeo no qual uma garotada aparecia jogando futebol com a cabeça do presidente, roubada de seu suposto túmulo. Durante a campanha eleitoral de 2018, na verdade, um militante do Psol (apresentado como “ex”) tentou, fisicamente, matar Bolsonaro com uma facada no estômago. Quase conseguiu.

Quer dizer: é disso mesmo que eles gostam, e a declaração de “guerra aos ricos” feita por Lula tem tudo para descambar nesse “viva a morte” que tanto fascina a extrema esquerda do Brasil e de outros lugares do mundo. É o entendimento-padrão que o professor federal do Rio e militantes como ele fazem das rezas do presidente. Lula levanta, numa das suas manifestações de porteira fechada, um cartazinho exigindo “taxação dos super-ricos”. O professor vê e acha que deve exigir a guilhotina para a garota. Quantos mais haverá como ele? Num país onde o Estado não consegue garantir a vida dos cidadãos, e no qual os índices de violência estão entre os piores do mundo, atiçar hostilidades e jogar deliberadamente uns contra os outros é um convite aberto para o crime político

Isso não é problema para Lula; nunca foi e não é agora, à beira dos 80 anos de idade, que começará a ser. Ele já ficou, publicamente, a favor de um sindicalista que tentou matar um adversário do PT num confronto de rua. Com seu apoio cada vez mais radical aos aiatolás, é a favor do enforcamento de gays e do assassinato de mulheres no Irã. É um entusiasta do paredón de Fidel Castro. Está pouco ligando para as consequências de seu grito de guerra contra os “ricos” — se tirar vantagem pessoal da violência, e ele acha que vai tirar, dane-se o que aconteça com os outros. Além disso, é coisa de instinto. Lula sempre jogou pobres contra ricos, negros contra brancos, nordestinos contra sulistas. É irresponsável. Mas é também a regra número 1 da sua doutrina política: “Não tenha nenhum escrúpulo. Depois pense no resto”.

Não interessa ao presidente, da mesma forma, o constrangimento maciço que a sua “guerra aos ricos”, sob o disfarce de aumentar os impostos para quem “ganha demais”, impõe contra o décimo primeiro mandamento registrado nas Tábuas da Lei dos seus parceiros do STF: “Não farás discurso do ódio nas redes sociais” (nem fake news, nem “desinformação” e nem, acima de tudo, notícias verdadeiras que Lula quer esconder). Temos, até mesmo, um inquérito policial perpétuo contra quem o Supremo acha que é inimigo do governo Lula — ou, no idioma oficial, inimigo das “instituições”, do Estado de Direito e da democracia. A guerra de Lula é a desmoralização definitiva de toda essa conversa. Mas e daí?

Vai ficar chato para o STF? Vai, mas para Lula isso é problema do STF. De mais a mais, será que dá para a nossa “suprema corte”, como diz Lula, ficar mais desmoralizada do que já está? Que diferença vai fazer?

Na verdade, nem os ministros estão muito interessados no que as pessoas pensam ou deixam de pensar a seu respeito; se pensassem, não tomariam as decisões que tomam, nem teriam a conduta que têm. Quem passa a vida em conversinha com milionário-raiz que tem cadeira cativa nos Gilmarpaloozas que rolam por aí, e cujas causas vai julgar, já trocou a biografia pelas questões do aqui e agora, sempre mais urgentes. Suas mulheres advogadas não ganhariam causas no STF. Viajariam em aviões de carreira, e não na FAB-Uber.

Mais que tudo, o STF desfruta das vantagens de ter eliminado da ordem jurídica brasileira crenças selvagens como a de que as sociedades devem ser governadas por leis, e não por quem manda na força armada — ou a de que a mesma lei tem de valer para todos. Na conquista civilizatória que o STF nos proporcionou, ficamos livres desses atrasos de vida e avançamos para o estágio em que a lei é customizada — consegue separar os bons, a esquerda, dos maus, a direita, protegendo uns e castigando outros. Elimina-se assim a distorção de tratar de forma igual pessoas que são desiguais; justiça é isso. Para o Programa Nacional do Ódio é uma mão na roda. Chamar Michelle Bolsonaro de “Micheque”, por exemplo, é “liberdade de opinião” para a Justiça brasileira. Exigir a guilhotina para crianças de direita é uma “avaliação histórica”, e jogar bola com a cabeça do adversário é “liberdade artística”. Dizer que Lula é ladrão, conforme decidido em três instâncias da Justiça Penal, é ódio da extrema direita.

Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, durante abertura do Encontro Internacional da Indústria da Construção, em São Paulo (8/4/2025) | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

A reinvenção da “luta de classes” como arma política, com o Congresso Nacional nomeado pelo governo Lula para o papel de “inimigo do povo”, é uma agressão direta às instituições, mas a pergunta, de novo, é: “E daí?” Isso só vale para Bolsonaro, que está inelegível até 2030 por ter dito a um auditório de embaixadores que as urnas do TSE não são confiáveis — ou para o ex-deputado Daniel Silveira, que foi condenado a nove anos de cadeia por ter dito meia dúzia de desaforos para o STF. Lula e o PT podem dizer, à vontade, que o Congresso é a favor dos ricos e persegue os pobres, que é “impossível” governar o Brasil com essa Câmara e esse Senado que “estão aí” e que os parlamentares são o grande “inimigo de classe” do povo brasileiro. Bater em deputado é fácil — quem está disposto a defender político neste país? O discurso do ódio, aí, sai de graça. A esquerda ganha o seu Judas de Sábado de Aleluia, e Lula não corre risco nenhum.

O problema de todos esses planos, como sempre, é a pergunta que Adão fez a Eva na hora de comer a maçã: “Será que isso vai dar certo?” Os primeiros resultados da guerra contra os ricos, do ponto de vista de Lula, são inconclusivos. Terão de render mais do que renderam até agora, com certeza, para resolver o seu problema — e terão de render mais depressa, pois ele não está com tempo sobrando para nada. A maior parte da mídia, como se poderia imaginar, dá como certo que Lula já ganhou. É uma excelente razão para achar que já perdeu, mas ainda há muito chão pela frente — por enquanto não dá, simplesmente, para cravar nada. O que se pode garantir é que a caminhada de Lula vai ser morro acima e debaixo de fogo inimigo.

As impressões iniciais são de que o aumento do IOF “para os ricos”, as promessas de isenção do Imposto de Renda para ganhos de até R$ 5 mil por mês e o ataque das milícias digitais lulistas contra os “inimigos do povo” melhoraram o estado de morte clínica do governo Lula nas redes sociais. Mas não está claro se essa melhora é suficiente, nem se veio a tempo. Uma empresa que monitora cerca de 100 mil grupos de WhatsApp registrou 50% de mensagens negativas para o governo ao longo do último mês na questão do aumento do IOF, contra 11% a favor — o que não é animador para quem se dispõe a fazer uma revolução. Outras pesquisas indicam a mesma trava.

avião da FAB com 200 assentos para ir sozinha à Rússia? Ou continue a se exibir em público como um cabide de grifes de novo-rico? Há o risco de apenas irritar a maioria dos pobres — que não têm nada contra os ricos, mas, sim, contra a própria pobreza. Há o risco de que as pessoas sintam que estão sendo feitas de palhaças com a lorota de que aumento de imposto, seja para quem for, tira alguém da pobreza. Quem acredita nisso?

Janja na Rússia (3/5/2025) | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Há, mais do que tudo, o problema central, que não muda absolutamente nada com a guerra contra os ricos: o governo Lula é um filme-catástrofe, mas o presidente acha que resolve tudo com uma “narrativa” e com queima de dinheiro público em “imagem”. Não quer mexer em nada na calamidade que tem sido a sua administração. Não pode sair à rua. Não faz uma única coisa que possa ser considerada útil para alguém. Enfim, não existe nenhum problema em seu governo que possa ser atribuído à existência de ricos no Brasil. É o exato contrário: o que de fato complica as coisas é que há pobres demais, e nenhuma ideia coerente para diminuir o seu número. Esta é a única guerra que faz sentido — a guerra contra a pobreza. É algo que Lula, o PT e a esquerda brasileira não vão fazer nunca.


FONTE: Revista Oeste
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