14/09/2020 às 07h50min - Atualizada em 14/09/2020 às 07h50min

Bolsonaro veta parte de perdão a igrejas, mas defende “demanda justa”

Presidente quer propor instrumentos para livrar igrejas de tributos, mas disse que lei poderia "implicar em crime de responsabilidade"

Opresidente Jair Bolsonaro oficializou na noite deste domingo (13/9), o veto a uma parte do perdão a dívidas de igrejas que havia sido aprovado pelo Congresso Nacional. Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que Bolsonaro se mostra favorável à não tributação de templos e que, apesar dos vetos, o governo vai propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”, sem citar quais.

A anistia de débitos enfrentava forte resistência da equipe econômica e também foi desaconselhada pelos assessores jurídicos do presidente, que alertaram para o risco de crime de responsabilidade, passível de impeachment. Outro trecho da lei, porém, foi sancionado por Bolsonaro e pode dar aos templos religiosos maior margem de manobra no acerto de contas com a Receita Federal.

“Confesso, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”, afirmou o presidente nas redes sociais, após a divulgação do veto.
“Embora se reconheça a boa intenção do legislador, alguns dispositivos não atenderam as normas orçamentário-financeiras e o regramento constitucional  do regime de precatório, razão pela qual houve a necessidade da aplicação de vetos”, diz a nota.

“Quanto aos pontos específicos das entidades religiosas e templos de qualquer denominação, o presidente Jair Bolsonaro se mostra favorável à não tributação de templos de qualquer religião, porém a proposta do projeto de lei apresentava obstáculo jurídico incontornável, podendo a eventual sanção implicar em crime de responsabilidade do Presidente da República”, afirmou a Secretaria-Geral da Presidência. O documento, no entanto, não cita nem explica quais seriam esses “instrumentos normativos”.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, Bolsonaro já havia dado a sinalização de veto parcial a integrantes da bancada evangélica em reunião na última quarta, 9, no Palácio do Planalto. Também participaram do encontro o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.

Embora tenha dito que pessoalmente concordava com o perdão e queria sancionar a medida, Bolsonaro demonstrou receio em cometer crime de responsabilidade. Órgãos de controle acompanham com atenção os desdobramentos deste projeto, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

As igrejas têm imunidade constitucional contra a cobrança de impostos, mas a proteção não alcança as contribuições, como a CSLL (sobre o lucro líquido) e a previdenciária. Nos últimos anos, a Receita Federal identificou manobras dos templos para distribuir lucros e remuneração variável de acordo com o número de fiéis sem o devido pagamento desses tributos – ou seja, burlando as normas tributárias.
A medida aprovada pelo Congresso Nacional pretendia, por meio de uma lei ordinária, estender a imunidade constitucional das igrejas à cobrança da CSLL e ainda anular dívidas passadas. Outro dispositivo almejava anistiar multas e outras cobranças aplicadas sobre a prebenda, como é chamada a remuneração dos pastores e líderes do ministério religioso.

Como revelou o Estadão/Broadcast, ambos os artigos foram propostos pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, que tem milhões em dívidas com a União.

Bolsonaro vetou o primeiro dispositivo, que tra ta da CSLL, para afastar qualquer eventual violação à Constituição. Mas o presidente sancionou o artigo sobre a prebenda, de caráter mais interpretativo.
Após estimativas iniciais apontarem o risco de desfalque de R$ 1 bilhão aos cofres da União caso os dois artigos fossem sancionados, cálculos atualizados da área econômica mostraram um prejuízo potencial de até R$ 2,9 bilhões.

Com a sanção do artigo sobre a prebenda, o risco seria de R$ 1,1 bilhão. Mas a avaliação na área econômica é que o dispositivo foi mal redigido e dá margem para que a Receita Federal siga na briga pela cobrança dos débitos. Isso porque o projeto só interpretou uma norma vigente, que, segundo esses técnicos, já era seguida à risca pelo Fisco.

A percepção na área econômica é que os templos usarão a norma sancionada para tentar reabrir a discussão jurídica, que hoje já está na fase de execução de bens dessas igrejas, para tentar pleitear a anulação, mas não necessariamente terão sucesso na disputa.

Para evitar essa judicialização, a equipe econômica havia recomendado veto total às medidas, mas precisou ir para a mesa de negociação diante do desejo do Palácio do Planalto em fazer um aceno à bancada evangélica, que é um importante pilar de sustentação do governo.

“Nesse contexto, o artigo 9º não caracteriza qualquer perdão da dívida previdenciária, apenas permite que a Receita Federal anule multas que tenham sido aplicadas contrariando a Lei nº 13.137”, diz a nota da Secretaria-Geral.

Bolsonaro foi eleito com o apoio de diversas lideranças evangélicas. Embora se declare católico, o presidente tem uma relação próxima a pastores e igrejas evangélicas. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é frequentadora da Igreja Atitude, no Rio.

Três integrantes do primeiro escalão do governo são pastores: a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e os ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Milton Ribeiro (Educação).

A bancada evangélica tem se articulado para incluir, na reforma tributária, a ampliação do alcance de sua imunidade tributária para qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior). A avaliação de tributaristas, no entanto, é que a medida não daria às igrejas salvo-conduto para continuar driblando a fiscalização para distribuir lucros disfarçados de renda isenta
 
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