Ao menos 51 professores de instituições federais de ensino superior (IFE) atuam no regime de trabalho de dedicação exclusiva e, de forma indevida, têm outra atividade remunerada ou são sócios-administradores de empresas.
Isso é o que revela auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) a qual o Metrópoles teve acesso. Esse número, no entanto, pode ser maior, uma vez que o órgão investiga mais 930 ocorrências.
Criado no governo militar de João Figueiredo, o regime de dedicação exclusiva possibilita ao docente de IFE optar por se dedicar 40 horas semanais ao trabalho, em tempo integral, com dedicação exclusiva às atividades de ensino.
Para isso, a lei, entretanto, diz que esse professor não pode ocupar outro cargo, emprego ou mesmo ser autônomo (escritório, consultório). Da mesma forma, também não pode exercer o ofício de sócio-administrador de alguma empresa.
Essas irregularidades apuradas pela CGU têm causado um rombo milionário aos cofres públicos da União, enquanto os professores estariam “lucrando” ao não se dedicarem exclusivamente ao ensino, como pede a legislação.
Os 37 vínculos de docentes de IFE que acumulam indevidamente cargo de dedicação exclusiva e têm ao menos uma outra atividade remunerada apresentam prejuízo potencial de R$ 1.803.536,36 anuais aos cofres públicos, segundo o relatório.
Já nos casos dos docentes que são sócios de empresas, os vínculos ilegais apresentam perdas estimadas em R$ 422.355,85 por ano, caso confirmado o acúmulo indevido de atividades remuneradas, diz a CGU.
“Uma vez que a maior parte das ocorrências ainda não foram justificadas pelas IFE, não é possível ter uma avaliação conclusiva relativa a números absolutos ou ao prejuízo ao erário de todos os casos concretos”, prossegue.
Por causa da situação, a Controladoria apresentou, no relatório, uma série de recomendações às Instituições Federais de Ensino Superior e à Secretaria de Gestão de Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia.
A CGU pede que a pasta, hoje comandado pelo ministro Paulo Guedes, implemente “controle proativo e automatizado” para identificar potenciais acúmulos irregulares de servidores em regime de dedicação exclusiva.
Isso porque, atualmente, há apenas o preenchimento de uma declaração pelo próprio servidor público, realizada uma única vez como mecanismo de controle, sem uma devida apuração por parte do governo.
Na declaração, preenchida na posse ou na eventualidade de mudança de regime de trabalho, o servidor afirma não acumular atividade no momento e se compromete a não ter futuramente outra atividade remunerada além das estabelecidas pela IFE.
“Além disso, em todos os casos em que seja constatada irregularidade, os docentes precisam ser comunicados e responsabilizados administrativamente”, esclarece a Controladoria-Geral da União, na auditoria.
Os professores também devem devolver as quantias recebidas indevidamente no período em que houve o acúmulo de vínculos remunerados e optar por permanecer com o outro vínculo ou com a dedicação exclusiva.
Isso ocorreu, por exemplo, no âmbito de ação movida no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) em 2016. A Justiça ordenou a devolução de R$ 58,6 mil ao erário pois o docente acumulou, por um ano e meio, outro trabalho.
Na sentença, o desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama esclareceu que o professor estava ciente de que não poderia exercer outra atividade quando optou, em 1995, por trabalhar sob o regime de dedicação exclusiva.
“Não há que se falar em recebimento dos valores de boa fé, sendo patente a violação do regime aderido, transparecendo até um absurdo o recebimento de verba de dedicação exclusiva, quando se está exercendo uma acumulação de ofícios em outra instituição, de forma a ferir a moralidade pública”, argumentou.
A Secretaria de Gestão de Desempenho de Pessoal confirmou, em nota ao Metrópoles, a irregularidade desses casos e acrescentou que o professor pode optar pelo regime de 20 horas semanais caso deseje ter outra atividade.
O órgão afirmou que “irá acompanhar o resultado das apurações, pois é interesse do órgão central em matéria de pessoal civil da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, que situações ilegais sejam apuradas, regularizadas ou punidas, na forma da lei”.
A auditoria será necessária, segundo a pasta, para instaurar possíveis processos administrativos disciplinares destinados a apurar a conduta e a responsabilidade individual desses servidores. “Após instauração de processo apuratório, a pena é de demissão, conforme determina a Lei nº 8.112, de 1990”, afirmou.
Por sua vez, o Ministério da Educação (MEC), responsável pelas instituições federais de ensino público, foi procurado, mas não retornou aos contatos da reportagem. O espaço segue aberto para futuras manifestações.