Uma paixão doentia, alimentada pelo sentimento de posse e pelo desejo de viver o amor sem empecilhos. Assim os investigadores da Polícia Civil do Distrito Federal enxergam a relação entre Rosana Auri da Silva Cândido, 30 anos, e Kacyla Priscyla Santiago Damasceno, 28.
Inéditos, detalhes da apuração vieram à tona após o julgamento que condenou as mulheres a mais de 60 anos de prisão, cada uma, por elas terem degolado e esquartejado o menino Rhuan Maycon da Silva Castro, 9, filho de Rosana e enteado de Kacyla.
Trechos de uma gravação onde Rosana afirma que Rhuan “atrapalhava” demais a rotina do casal. Fria, sem pudor ou remorso, a mulher declarou – logo após degolar o próprio filho ainda vivo, esquartejá-lo, e depois assar e cozinhar partes do corpo – que a filha da então companheira também atrapalhava sua relação amorosa.
Em vídeo, Rosana, agora condenada a 65 anos de prisão em regime fechado, reproduziu uma conversa que havia tido com a companheira antes de executar o crime macabro. “Seria bom a gente viver a nossa vida. Os meninos [Rhuan e a irmã de criação, um ano mais nova] atrapalhavam demais a nossa vida”, disse a um dos policiais que apuravam o homicídio na 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia).
Interrogada, a assassina do filho foi questionada sobre o motivo pelo qual matou primeiro o garoto, e não a menina. “Porque, na minha cabeça, ele atrapalhava mais. A menina, menos. Ela era mais independente”, disse, sem qualquer reação que demonstrasse arrependimento.
Na noite do crime, Rhuan levou 12 facadas, sendo uma no peito enquanto dormia. Assustada, a vítima ainda se levantou e ficou ajoelhada ao lado da cama. Em seguida, levou mais 11 golpes.
A mãe do menino fez questão de falar que a enteada também era um empecilho na sua relação com Kacyla. “Era mais na questão do dia a dia. Ela atrapalhava, dava muito trabalho. Eu não vou mentir, não tenho mais porque mentir”, afirmou. Rosana finalizou garantindo que pretendia “dar um rumo” para o filho e a enteada, mas desconversou ao dizer que a ideia não era matá-los. No entanto, o garotinho teve um fim trágico e brutal, na noite de 31 de maio do ano passado.
O laudo produzido pelo Instituto Médico Legal (IML) apontou que Rhuan foi esfaqueado uma dúzia de vezes e, quando teve a cabeça arrancada do corpo, seus sinais vitais ainda estavam presentes. Segundo a PCDF, enquanto a mãe começava a esquartejar o cadáver do filho, a companheira dela acendia a churrasqueira da casa da família. Kacyla teria segurado o garoto durante o ataque brutal de Rosana.
Investigadores da PCDF que trabalharam no caso e peritos do IML jamais encontraram partes esquartejadas do corpo do menino; principalmente de uma das coxas. A suspeita é de que lascas da carne foram assadas e servidas como bife para a filha de Kacyla durante o jantar após o crime.
A suspeita ganhou força quando a garota, ainda de pijama, foi levada para as dependências da 26ª DP até que o Conselho Tutelar e familiares próximos fossem acionados. Mesmo várias horas depois sob a guarda da PCDF, ela apresentava fortes enjoos e recusava qualquer tipo de alimento.
Os policiais perguntaram o que a menina havia comido que pudesse ter provocado o enjoo. Em resposta, ouviram que tinha sido torradas com ketchup. “Não havia torradas nem ketchup na casa nem na geladeira, e muito menos no lixo. Nunca encontramos qualquer embalagem desses produtos”, disse ao Metrópoles um investigador que vasculhou a residência.
O homicídio ocorreu na noite de 31 de maio de 2019, na QR 619 de Samambaia Norte, onde o casal, Rhuan e a irmã de criação moravam. Perícia feita no imóvel mostra que a assassina confessa e a companheira organizaram malas e documentos antes do assassinato. A polícia acredita que as duas pretendiam fugir após o crime. A residência foi completamente limpa depois do homicídio – elas utilizaram litros de água sanitária para remover as manchas de sangue.
Rhuan e a filha de Kacyla não eram vistos nas redondezas do imóvel em que residiam. Quando ajudava a tirar o lixo da casa ou precisava pegar alguma coisa no varal, a menina de 8 anos, à época, fugia de qualquer tentativa de interação com adultos e crianças da rua. A investigação apontou que Rosana e Kacyla tinham receio de que o garotinho ou a pequena contasse algo sobre a rotina da família ou relatasse o passado delas.
Antes do assassinato, a mãe vestia Rhuan de menina durante pelo menos um ano até mutilar o órgão genital do garoto, com a justificativa de realizar uma cirurgia caseira de mudança de sexo.
“A gente acredita que elas não deixavam os meninos irem à escola havia cerca de dois anos [antes do homicídio], com medo de alguém descobrir sobre essa cirurgia”, disse um dos policiais.
Outra razão para manter as crianças em cárcere privado era o fato de as mulheres serem procuradas pelas famílias paternas de seus filhos, pois elas teriam violado acordos judiciais de guarda compartilhada e fugido com as crianças para viver na clandestinidade.
De forma perversa, a morte de Rhuan salvou a vida da filha de Kacyla. Após o assassinato do “irmão” mais velho, a caçula da família foi entregue ao Conselho Tutelar e, na sequência, a parentes.