Apontado como o mandante do assassinato de dois advogados em Goiânia (GO), o fazendeiro Nei Castelli, de 58 anos, estaria também envolvido na compra de decisões judiciais investigadas no âmbito da Operação Faroeste.
A investigação apura a venda de sentenças para legalização de terras no oeste da Bahia. O grupo criminoso seria formado por membros do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), além de advogados e funcionários do governo.
Inquérito sigiloso da Procuradoria-Geral da República (PGR), ao qual o Metrópoles teve acesso, relaciona Nei Castelli a supostas compras de decisões assinadas pela desembargadora do TJBA Lígia Maria Ramos Cunha Lima.
Lígia Cunha está presa desde o último dia 14 de dezembro. A PGR identificou a atuação direta da desembargadora em quatro processo e tráfico de influência em outro. Pela atuação, a magistrada teria recebido R$ 950 mil.
O fazendeiro é citado em dois desses processos, que tratam de uma disputa entre Castelli e a empresa Equatorial Transmissora S.A. sobre a construção de uma passagem de linha de transmissão na cidade baiana de Correntina.
No local, Castelli tem um aeródromo, inclusive homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A defesa do fazendeiro alega no processo que a construção da linha de transmissão agrava a possibilidade de acidentes aéreos.
Segundo a PGR, as negociações sobre as supostas compras dessas decisões foram feitas entre o advogado Arthur Barata e Ivanilton da Silva Júnior, filho do desembargador Ivanilton da Silva. Eles também são alvos da Faroeste.
Em um dos processos, Lígia concedeu provisoriamente efeito suspensivo pleiteado por Castelli. A decisão foi proferida em julho de 2019, segundo a PGR, “a fim de atender o quantum pactuado por Arthur Barata e Ivanilton Júnior”.
Meses depois, após deflagração da operação Faroeste, estourada em novembro de 2019 pela Polícia Federal (PF), a desembargadora do tribunal baiano teria voltado atrás na decisão para evitar possíveis investigações.
“Lígia Cunha, no dia 21/01/2020, em possível manobra judicial para evitar se colocar na alça de mira da operação Faroeste, dá provimento ao agravo de instrumento da Equatorial Transmissora S.A, permitindo, mais uma vez, a imissão provisória na posse vindicada”, relata.
O advogado Arthur Barata é apontado como o principal operador de Lígia Cunha nas negociações das decisões judiciais, em um esquema “fluído (sic) de corrupção, que muda de acordo com os valores e perigo envolvidos”.
Próximo a esse período – entre setembro de 2018 e fevereiro de 2019 –, o juiz Rui Carlos Barata Lima Filho, filho de Lígia Cunha, recebeu, por meio de depósitos em dinheiro e transferências, montante de R$ 456.492,72.
Como mostrou o Metrópoles, Rui Barata aumentou em cinco vezes o patrimônio nos últimos anos, enquanto a mãe esteve no TJBA. O valor dos bens dele passou de R$ 718,6 mil em 2013 para R$ 3,996 milhões em 2018.
Por sua vez, Castelli está preso desde 17 de novembro de 2020. Ele teria prometido pagar até R$ 500 mil para criminosos matarem os advogados Frank Alessandro de Assis e Marcus Aprigio Chaves, em outubro.
Os advogados mortos trabalhavam em processos judiciais contra familiares do fazendeiro Nei Castelli, no âmbito de disputas de terras em São Domingos, no nordeste de Goiás. O fazendeiro teria perdido a ação na Justiça.
Hoje, a defesa de Castelli tenta, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) – após o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negarem o recurso –, a libertação do fazendeiro.
Um habeas corpus (HC) para reverter a prisão temporária de Castelli foi aceito no último dia 10 de dezembro pelo ministro Marco Aurélio, o mesmo que autorizou a soltura do traficante do PCC André do Rap.
No entanto, como a prisão temporária foi convertida pelo Ministério Público em prisão preventiva, a defesa pediu a extensão na medida cautelar no habeas corpus. A solicitação ainda será analisada por Marco Aurélio.
Ao Metrópoles, o advogado Carlos Humberto Fauaze Filho, defensor de Nei Castelli, diz ter impetrado, além do pedido de extensão, um outro habeas corpus, já contra a prisão preventiva, para a soltura do fazendeiro.
“Acreditamos que foi apenas uma troca de nome [de temporária para preventiva]. Se o ministro Marco Aurélio entender que temos razão, deve estender essa ordem também para a prisão que agora se diz preventiva”, pontua.
“No decreto de prisão temporária, o juiz fundamenta que o Nei Castelli deveria ser preso para ser interrogado e oferecer elementos para a investigação. No entanto, o réu pode permanecer calado”, argumenta o defensor.
No âmbito do processo, Nei Castelli nega ter sido o mandante do assassinato.
Sobre a denúncia da PGR, Fauaze diz se tratar de uma ilação. “Se o sujeito ganha, a hipótese é de que pagou pela decisão. Se perde, é por que o alvo queria evitar a operação. Ou seja, independentemente do resultado, o indivíduo teria culpa”, diz.
O advogado, no entanto, não representa formalmente a defesa do fazendeiro no âmbito da operação Faroeste, uma vez que Castelli não foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, mas apenas citado.