Cerca de 90 policiais federais cumprem, em Curitiba e Região Metropolitana, um mandado de prisão preventiva, quatro de prisão temporária e 22 de busca e apreensão, todos expedidos pela 23ª Vara Federal de Curitiba (PR). Além disso, houve a decretação judicial de sequestro de imóveis e bloqueio de valores.
As investigações contra a organização criminosa foram iniciadas em 2019 pela Polícia Civil do Paraná, em razão de inúmeras denúncias formalizadas por possíveis vítimas.
Os investigados eram responsáveis pelo controle de três corretoras de criptomoedas e, com estratégias de marketing, passaram a atrair diversos clientes para que investissem recursos pessoais nas plataformas do grupo empresarial.
Por cerca de dois anos, as atividades foram conduzidas com aparência de legalidade, até que, em meados de 2019, da maneira súbita, o grupo noticiou que havia sido vítima de um ataque cibernético; por isso, bloqueou todos os saques de valores das plataformas das corretoras.
Foi instaurada uma apuração criminal sobre o suposto ataque dos hackers, solicitada pelo próprio grupo empresarial na Polícia Civil. Os administradores, contudo, retardavam o andamento das investigações, recusando-se a fornecer informações e documentos para o desfecho da apuração. Além disso, prometiam aos clientes lesados o ressarcimento, de maneira parcelada, da integralidade dos valores depositados.
Os débitos pendentes, entretanto, não foram quitados, sob a justificativa de acordos extrajudiciais e pela alegação do andamento da investigação para a apuração do ataque cibernético.
Como o grupo não cooperou com as diligências policiais, os responsáveis pelo inquérito se manifestaram no sentido de que os indícios revelavam que eles não tinham sido vítimas de ataque e, pelo contrário, eram suspeitos das práticas dos crimes de estelionato, quadrilha e contra a economia popular. Diante da manifestação, o Ministério Público Estadual promoveu o arquivamento da investigação.
Com a manifestação das autoridades estaduais sendo desfavorável ao grupo, o líder das empresas, no fim de 2019, decidiu e obteve sucesso no pedido de recuperação judicial. Com isso, conseguiu, sob a justificativa de que necessitava de socorro judicial para reorganização do grupo e pagamento das dívidas, a interrupção de todas as ações cíveis que respondiam as empresas e autorização para continuação das atividades de negociação de criptomoedas.
No início de 2020, após ser constatado que o grupo oferecia ao público contratos de investimento coletivo sem registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), houve direcionamento de competência das investigações para a Justiça Federal, momento em que a Polícia Federal passou a conduzir a apuração da possível prática de crime contra o sistema financeiro nacional, entre outros. Com o aprofundamento das diligências, constatou-se que o grupo empresarial teria operado um esquema de pirâmide financeira.
Os investigados apostavam na promoção da imagem de sucesso do grupo, com exibição de posses e bens de luxo e realização de grandes eventos. De maneira ardilosa, os valores dos ingressos nas plataformas virtuais das corretoras do grupo (tanto por transferência de criptomoedas quanto por depósitos bancários) eram em grande parte desviados em benefício do líder do conglomerado empresarial, de sua esposa e de outros investigados.
As investigações da PF apuraram, ainda, que o líder do grupo empresarial havia sido condenado na Suíça pelos crimes de estelionato e falsificação de documentos.
A PF verificou também que os valores movimentados por meio do mecanismo criado pela área de TI não correspondiam à realidade. Ao consultar as plataformas virtuais das corretoras, os clientes acompanhavam uma suposta posição de seus investimentos, que, desde o momento em que ingressavam nas contas das empresas, eram empregados de maneira indevida para o enriquecimento dos gestores.
Dessa forma, os clientes acreditavam que realizavam operações nas corretoras e que conseguiam lucros diários e garantidos. Eles suspeitaram das irregularidades somente em 2019, após o bloqueio dos saques.
A investigação da PF identificou que o líder da organização utilizou-se das negociações virtuais com criptomoedas para ludibriar o administrador judicial e o próprio Juízo Falimentar, apresentando como garantia uma carteira com bitcoins que nunca foram de sua propriedade. Segundo a PF, demonstra-se, assim, que o investigado se utilizava do processo de recuperação judicial a fim de ganhar tempo para ocultar o produto de possíveis delitos anteriores.
Além disso, também foi revelado que o líder da organização criminosa, valendo-se do relacionamento com outras pessoas investigadas, passou a movimentar e gerir recursos e bens à margem do controle do Juízo Falimentar.
Segundo estimativa feita pelo administrador judicial do processo de recuperação judicial, o valor devido pelo grupo econômico totaliza cerca de R$ 1,5 bilhão, o que diz respeito a mais de 7 mil credores.
As ordens judiciais cumpridas nesta segunda visam não apenas o fim da organização, mas também a elucidação da participação de todos os investigados nos crimes sob apuração, assim como o rastreamento patrimonial, para viabilizar, ainda que parcialmente, a reparação dos danos gerados às vítimas.
A investigação policial recebeu o nome de Operação Daemon por se referir, no âmbito da mitologia grega, a um ser sobrenatural trabalhando em plano de fundo, e no âmbito da computação, a um programa que executa um processo em plano de fundo que não está sob controle direto do usuário interativo.
As referências encontram correspondência no modus operandi dos investigados, que desenvolveram diversos artifícios para induzir as vítimas a erro, inclusive com a criação de ferramenta de registro de transações de criptoativos, que permitia o desvio dos recursos e enriquecimento ilícito do grupo.