Rio de Janeiro – A cena se repetiu incontáveis vezes nos últimos quatro anos: o ex-governador Anthony Garotinho acorda gritando no meio da noite, assustado por mais um pesadelo.
O que o assombra é a surra que levou de porrete dentro da ala B da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte carioca, no ano de 2017.
“Eu acordava à noite gritando. Perdi a conta de quantas vezes acordei gritando. Procurei ajuda de um psiquiatra depois disso. Estou em tratamento psiquiátrico até hoje”, diz Anthony.
Nesta sexta-feira (20), o Ministério Público do Rio denunciou o policial militar Sauler Campos de Faria Sakalem pela prática de tortura contra o ex-governador do Rio. No documento da promotoria, o oficial é acusado de submeter Anthony Garotinho “a intenso sofrimento físico e mental” dentro da prisão.
“Hoje, quando vi a notícia, comecei a passar mal. Tomei um Rivotril (medicamento ansiolítico). Veio aquele filme na cabeça”, conta Anthony Garotinho, com a voz embargada.
Choro de Garotinho
O ex-governador estava sozinho em seu endereço no Rio de Janeiro quando soube da denúncia do MP. “Chorei. Na hora, chorei”, revela.
A esposa, Rosinha Garotinho, também ex-governadora do estado do Rio, estava na outra casa da família, em Campos dos Goytacazes, município do interior e reduto eleitoral da família Garotinho.
“Minha mulher também entrou em depressão e está se tratando até hoje”, diz Anthony Garotinho, que menciona o trauma causado na família pelo episódio dentro da prisão, assim como outras agruras enfrentadas pelo casal.
Vida de casal
Desde 2016, Anthony Garotinho teve cinco passagens pela prisão, enquanto Rosinha contabilizou três estadias na cadeia.
Na última delas, em setembro de 2019, o casal foi preso em decorrência de uma investigação relacionada a contratos firmados ao longo do mandato de Rosinha à frente da prefeitura de Campos dos Goytacazes. Os dois ficaram apenas 24 horas na prisão e foram soltos por decisão do STF.
Garotinho alega perseguição política. Diz que, até mesmo quando foi espancado na prisão, muitos não acreditaram em sua história.
Perigo na ala A
Ainda hoje, ele diz lembrar dos detalhes daquele momento. Conta que, inicialmente, foi levado para a ala C da prisão de Benfica. Na ala A, naquela época, estavam os presos da Lava Jato, entre eles o também ex-governador Sérgio Cabral.
Foi Anthony Garotinho quem divulgou fotos do episódio que entrou para a história da política fluminense como a Farra dos Guardanapos.
Nas imagens, Cabral (ainda na função de governador), secretários de seu governo e empresários apareciam eufóricos em uma confraternização em Paris. Alguns chegaram a usar guardanapos na cabeça.
Lado A, lado B
O episódio se tornou a primeira evidência, com grande repercussão, de que havia algo de errado na conduta de Sérgio Cabral – que posteriormente se tornou réu em 32 processos com sentenças que atualmente somam 392 anos de prisão.
“Foi vingança”, diz Anthony Garotinho, ao lembrar o ataque dentro da cadeia.
De acordo com o ex-governador, no dia da agressão, ele foi transferido para uma cela na ala B que, segundo ele, estava desativada naquele momento. Seria ele, portanto, o único preso em uma ala inteira.
“Psiu! Psiu!”
Na madrugada, Anthony Garotinho diz que foi acordado pelo som de um “psiu! psiu!”
Um homem entrou na cela do ex-governador com um “pedaço de pau parecido com um pé de mesa”.
Ao puxar pela memória, ele recorda o diálogo dentro da cela.
“O senhor gosta muito de falar, né?”
“Sou radialista, né?”
No instante seguinte, a resposta com um toque de humor (além de político, ele também fez carreira no rádio) foi interrompida pela agressão.
“Ele deu uma porrada (com o porrete) na rótula do meu joelho. Passou o pedaço de pau de uma mão para outra. Pisou com força e esmagou dois dedos do meu pé. Depois, tirou uma arma da cintura e botou na minha cabeça. E disse: ‘você só não vai morrer hoje para não sujar pra turma aqui do lado’. Saiu andando tranquilamente e fechou a porta da ala B”.
Sérgio Cabral
Na leitura de Garotinho, a turma do lado seriam os presos da ala A, entre eles, Sérgio Cabral.
“Fiquei bastante emocionado (com a conclusão do Ministério Público sobre o caso) porque, na época, muita gente duvidou e chegou a dizer que eu tinha inventado tudo”, diz Anthony Garotinho.
Ele mantém uma visita mensal ao consultório de seu psiquiatra, que prescreveu um medicamento para uso diário.
Rivotril? “Que nada! Que Rivotril, rapaz. Rivotril é levinho”.