A decisão da 1ª Vara Federal de Jaguará do Sul, em Santa Catarina, que concedeu no mês passado a um posto de combustível da cidade catarinense o direito de funcionar sem frentista, reacendeu o debate sobre a Lei nº 9.956/2000, que proíbe o funcionamento de bombas de autosserviço operadas pelo próprio consumidor.
De um lado, trabalhadores temem uma alta do desemprego caso a permissão seja concedida a outras localidades. Por outro, postos de combustíveis prometem baixar o preço da gasolina e alegam que não há frentistas suficientes em todas as regiões.
O diretor de varejo da rede de postos de combustível Mime – que ganhou a ação no tribunal catarinense –, Gabriel Wulff, estima, que o valor do combustível ao consumidor final deve baixar entre R$ 0,08 e R$ 0,15 por litro. “Teremos uma redução de custo por conta do ganho de eficiência. Se tem um custo menor, é justo que o consumidor seja beneficiado por isso”, afirma ele, que também é vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Santa Catarina (Sindipetro-SC).
“Já tivemos posto self-service na década de 1990 no Brasil. Sentimos que era um momento de voltar esse assunto, pois o preço da commoditie está subindo muito”, acrescenta.
Em março passado, com o estopim da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia, o barril do petróleo tipo Brent chegou a bater US$ 139, o maior valor desde a crise do mercado financeiro de 2008. No Brasil, o preço do combustível tem batido recordes semanalmente, e na semana passada chegou a ser encontrado a R$ 8,99 o litro, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Antes de conseguir na Justiça o direito de funcionar sem frentista, os postos Mime tiveram o pedido para realizar projeto piloto de autosserviço negado pela ANP. Em 30 de março, o superintendente de Distribuição e Logística da ANP, Rubens Cerqueira Freitas, ressaltou que a Lei nº 9.956/2000 proíbe, por si só, o funcionamento do posto self-service.
“Tem-se conhecimento do Projeto de Lei n° 519/2018 que dispõe sobre a instalação de bombas de autosserviços nos postos de abastecimento de combustíveis, e revoga a Lei
nº 9.956/2000, encontrando-se em tramitação até o presente momento, não cabendo, portanto, o argumento de revogação tácita da lei em tela por qualquer outro dispositivo legal, como pressupôs o requerimento apresentado pela empresa”, acrescentou o superintendente. O Metrópoles teve acesso ao documento.
Cerca de um mês depois, no último dia 29, o juiz substituto da 1ª Vara Federal de Jaguará do Sul, Joseano Maciel Cordeiro, autorizou o funcionamento sem frentista.
O posto de combustível alegou, entre outros argumentos, que tem dificuldades para contratar frentistas na região, por falta de interessados, e que atualmente a recarga de veículos elétricos já é possível por sistema de autosserviço.
Cordeiro entendeu que a Lei nº 9.956/2000, que impede o abastecimento por autosserviço, é incompatível com a Lei de Liberdade Econômica e a Lei de Inovação Tecnológica. O magistrado observou, ainda, que notas técnicas do Ministério das Minas e Energia também demonstram que não está presente o requisito de “alto risco” para justificar a restrição.
A União recorreu da decisão de Cordeiro ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.
“A nossa ação permite fazer o autosserviço em toda a rede. Vamos fazer um primeiro piloto em Jaraguá do Sul. Deve estar pronto para rodar em 120 dias. E, após os ajustes, a gente pretende, o mais rápido possível, implantar no restante da rede”, afirma o diretor de varejo da empresa catarinense.
Hoje, a rede Mime conta com 52 postos de combustíveis, espalhados em 26 municípios de Santa Catarina.
“Demanda alguns ajustes de segurança, e alguns dispositivos precisam ser instalados na bomba. Vamos avaliar a experiência do consumidor, a segurança, treinar a nossa equipe. Também teremos monitores na pista”, detalha Wulff.
Presidente da Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviço de Combustíveis e Derivados de Petróleo (Fenepospetro), Eusébio Luis Neto vê com preocupação a decisão da 1ª Vara Federal de Jaguará do Sul.
“A gente está acostumado com essa batalha. Desde que aprovamos a lei, em 2000, viemos enfrentando vários projetos para revogá-la. Na esfera jurídica, houve várias ações nesse sentido, e conseguimos ganhar todas, inclusive liminares. Agora veio essa decisão. Sabemos que estamos em um momento de avanço da tecnologia, a gente tem que discutir outras alternativas para a categoria, mas entendemos que, se fosse para decidir sobre essa lei, teria que ser o Supremo”, comenta o sindicalista.
A Fenepospetro também deverá entrar ajuizar um recurso na Justiça Federal para cassar a decisão de Cordeiro.
Eusébio destaca que a ANP já negou à rede de postos a possibilidade de funcionar sem frentista. Em adendo, avalia que a decisão da 1ª Vara Federal de Jaguará do Sul deve impactar a categoria. “Cedo ou tarde, vai diminuir muito o número de trabalhadores. Não tem nem o que discutir. Vivemos no Brasil um momento de desemprego, uma grande exclusão social”, destaca o presidente da federação.
Hoje o país tem 11,9 milhões de desempregados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Eusébio nega que haverá diminuição do preço do combustível. “Não vai diminuir, pois sabemos que o capital não diminui preço quando substitui mão de obra por manutenção”, assinala. Ele estima, ainda, que o tempo de abastecimento será elevado de 7 minutos para 15 minutos por cliente. “No final das contas, a pessoa vai trabalhar de graça para a empresa.”
“Além disso, o posto de gasolina sem trabalhador fica mais inseguro. Um cara sozinho, ou uma senhora abastecendo o carro, estará muito vulnerável a todo tipo de violência. E tem a questão da segurança de saúde também. O combustível é inflamável, o cliente vai ficar exposto a agentes químicos. O consumidor também não está treinado para manusear essas ferramentas, o que pode gerais mais acidentes”, diz.