Sob novo comando, a Polícia Federal voltou a considerar, a partir da reabertura das investigações sobre a facada contra Jair Bolsonaro, a hipótese de relação entre Adélio Bispo, autor do atentado, e a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC.
A linha de investigação se encaixa com os anseios do próprio Jair Bolsonaro, que nunca se deu por satisfeito com as conclusões anteriores dos investigadores.
A retomada dessa hipótese, que com frequência é alardeada por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, coincide com as sucessivas mudanças na direção da PF, ocorridas após o presidente dizer de viva-voz que a corporação não poderia agir contra seus interesses.
Em dois relatórios, o delegado Rodrigo Morais Fernandes, encarregado do caso até o ano passado, concluiu que Adélio agiu sozinho no dia do atentado. Ele não encontrou indícios da participação de terceiros no atentado contra o então candidato presidencial. Morais já havia descartado, inclusive, a ligação do PCC com o atentado.
Em diversas oportunidades, em público e em privado, o presidente se queixou do trabalho da PF. O Ministério Público Federal concordou com o resultado da apuração conduzida por Morais e propôs o arquivamento da apuração.
A troca no comando da investigação
Em dezembro de 2021, o delegado foi nomeado pelo então diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, para passar uma temporada de dois anos em Nova York, representando o Brasil em uma força-tarefa do governo americano dedicada ao combate a crimes financeiros.
A saída de Rodrigo Morais do caso coincidiu com uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o TRF-1, que finalmente autorizou que a PF vasculhasse os telefones celulares apreendidos com os advogados que assumiram a defesa de Adélio Bispo.
Até então, os policiais estavam impedidos de periciar os celulares em razão de uma liminar obtida pela Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB. Foi um pedido de Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, que levou o TRF a liberar o acesso aos aparelhos.
Com a decisão do tribunal, a apuração foi reaberta pela PF e outro delegado, Martin Bottaro Purper, foi escolhido para tocar o caso.
Delegado especialista em PCC
Purper é um dos maiores especialistas em PCC dentro da corporação. Ele esteve à frente, por exemplo, de uma operação que teve como alvo o braço financeiro da facção.
Paralelamente à mudança de delegado, por decisão da direção-geral da PF o inquérito deixou de correr na superintendência da corporação em Minas Gerais (estava lá porque o crime se deu na cidade mineira de Juiz de Fora) e passou a ser conduzido sob a estrutura da Diretoria de Inteligência Policial, a DIP, em Brasília.
O setor, responsável pelos casos mais sensíveis em investigação na PF, é subordinado diretamente ao gabinete do diretor-geral.
Martin Purper, o delegado que coordena atualmente a apuração, está vinculado à DIP. Pelo menos outros quatro policiais o auxiliam.
Registro em celular de advogado
Fontes a par da nova etapa da investigação disseram à coluna, sob reserva, que a hipótese de ligação de Adélio com o PCC voltou a ser considerada a partir de registros localizados no telefone celular de um dos advogados do agressor de Bolsonaro.
Em ao menos um desses registros, um dos advogados liga o nome de Adélio ao PCC. Não se sabe exatamente em que contexto nem está claro se poderia se tratar de um chiste. Foi o suficiente, porém, para que a nova equipe passasse a considerar a hipótese.
As especulações sobre a suposta relação do PCC com a facada em Jair Bolsonaro surgiram logo após o atentado, a partir da constatação de que pelo menos um dos advogados da equipe que se apresentou para defender Adélio também atende integrantes da facção criminosa.
Dificilmente esta nova etapa apuração será concluída antes das eleições, mas a PF deverá fazer um pedido à Justiça em breve que, muito provavelmente, servirá para que Bolsonaro e seus apoiadores façam barulho em torno do assunto.
O “sonho” de Bolsonaro
No front político, pessoas próximas a Bolsonaro manifestam, nos bastidores, a esperança de que desdobramentos da investigação sobre a facada ainda possam render dividendos eleitorais ao presidente, em baixa nas pesquisas de intenção de voto.
Ao menos no discurso, o atual comando da PF se mostra alinhado com a retórica presidencial sobre a apuração do atentado. Diz, por exemplo, que nas administrações anteriores o caso não foi tratado com a atenção e a prioridade necessárias.
Investigadores, porém, asseguram estar empenhados para esgotar todas as hipóteses possíveis, de modo que nem Jair Bolsonaro nem outros interessados possam questionar o resultado do trabalho.
A PF é subordinada atualmente ao ministro Anderson Torres. O titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública, delegado federal de carreira, é um dos mais leais auxiliares de Bolsonaro.