18/01/2023 às 07h39min - Atualizada em 18/01/2023 às 07h39min

Lei no Brasil não classifica atos do 8 de Janeiro como terrorismo

Decisões do STF citam crimes por "atos terroristas"; advogados ouvidos pelo Poder360 explicam restrições da norma.

GABRIELA MESTRE
PODER 360
​Foto: Especialistas entendem que os atos do 8 de Janeiro devem ser classificados como crimes contra o Estado Democrático de Direito.

As investigações de crimes cometidos por extremistas no 8 de Janeiro levam em consideração possíveis atos terroristas contra as sedes das instituições dos Três Poderes. No entanto, a legislação que estabelece o crime de terrorismo traz restrições que não contemplam as condutas identificadas nos ataques até agora..

Ainda naquele domingo (8.jan.2023), a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou o afastamento do governador do DF (Distrito Federal) Ibaneis Rocha (MDB) de suas funções, reconheceu as atitudes dos vândalos como “atos criminosos e terroristas” (eis a íntegra de documento – 218 KB).

De acordo com o artigo 2º da Lei nº 13.260 de 16 de março de 2016, conhecida como Lei Antiterrorismo, podem ser definidas como terrorismo apenas práticas motivadas “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública“.

Para Rodrigo Faucz Pereira e Silva, advogado criminalista e doutor em direito, as especificações trazidas pela lei impedem que os atos de 8 de Janeiro sejam tipificados como crime de terrorismo

Ele explica que o princípio da legalidade exige que a conduta do investigado esteja prevista “estritamente” na lei penal, e que o uso da palavra “terrorismo“, até o momento, deve ser entendido só como “força de expressão“.

Da mesma forma, Georges Abboud, professor de direito constitucional na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e sócio do Warde Advogados, explicou que, historicamente, a legislação penal é interpretada de forma restrita à sua redação.

Mas o Supremo já admitiu ir contra essa regra em situações excepcionais. Como exemplo, o professor cita o entendimento dos ministros que equiparou o crime de injúria racial ao racismo; e o que enquadrou a homofobia e a transfobia como racismo.

Na visão de Abboud, para que os atos de 8 de Janeiro sejam considerados crime de terrorismo, será necessário que o STF use uma “interpretação mais ampla” do que está previsto na norma. Entre as razões explicitadas, não há termos como “ódio político” ou “expressão política.

“Do ponto de vista político, isso claramente é um ato terrorista. Mas do ponto de vista do tipo penal, para caber na legislação brasileira, o Supremo teria que fazer uma interpretação mais extensiva“, considera o professor.

Por outro lado, Rodrigo Faucz lembra que o curso das investigações policiais podem levar ainda ao enquadramento da conduta de extremistas na lei. “Pode ser que eles descubram algumas outras motivações, intenções que possam classificar os atos como terrorismo. Pelo o que foi visto, até agora, eu não acredito. Mas não excluo totalmente essa possibilidade“, diz Faucz.

Os especialistas entendem que os atos contra as instituições em Brasília (DF) são crimes contra o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, tipificados no artigo 359 do Código Penal.

Eles também concordam que o parágrafo da lei que exclui da tipificação de crime de terrorismo a “conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas” –2º parágrafo do artigo 2º– não cabe aos atos de 8 de Janeiro.

“Quando essa lei foi feita, esse parágrafo tinha uma preocupação de não criminalizar movimentos sociais, que se organizavam para pautas legítimas de defesa da moradia, melhoria de salário, condições de trabalho“, afirma Georges Abbud.

Já o advogado criminalista Rodrigo Faucz menciona que o objetivo desse parágrafo é compreender garantias e liberdades constitucionais. “Você não pode defender uma liberdade constitucional cometendo uma série de violações bem mais graves“, considera.

Na decisão de Moraes, o ministro também cita os artigos 3º, 5º e 6º da Lei. São eles:

Artigo 3º: “Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista“;
Artigo 5º: “Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito“;
Artigo 6º: “Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei”.

DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
 
Um outro possível enquadramento dos extremistas que participaram do 8 de Janeiro e dos que estavam no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército é na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021).

A norma pune quem “incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

Pedidos de intervenção militar e de “socorro” às Forças Armadas eram frequentes no acampamento em frente ao QG do Exército. Pessoas falavam em um palanque contra o resultado da eleição que deu a vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e defendiam bloqueios em rodovias para paralisar a movimentação de insumos pelo país.

Em sua decisão que mandou afastar Ibaneis do cargo e prender em flagrante os participantes de “acampamentos realizados nas imediações dos Quartéis Generais e outras unidades militares”, Moraes citou, entre outros dispositivos, o artigo 286 do Código Penal (Incitar, publicamente, a prática de crime).

O magistrado, no entanto, não elencou o parágrafo único deste artigo, que trata da incitação de animosidade entre as Forças Armadas, ou das Forças Armadas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade./

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito foi sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em setembro de 2021. A norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, aprovada em 1983, durante a ditadura militar.

A nova lei foi aprovada em maio de 2021 pela Câmara e em 10 de agosto de 2021 pelo Senado. O texto acrescentou artigos ao Código Penal que definem o que são crimes contra o Estado Democrático de Direito.

A Lei de Segurança Nacional já foi usada pelo governo Bolsonaro contra críticos. Um dos casos mais famosos foi o do influenciador digital Felipe Neto, intimado com base na lei depois de dizer que Bolsonaro é um genocida..

O STF também usou o dispositivo. O ministro Alexandre de Moraes citou a lei quando mandou prender, em fevereiro de 2021, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).

INVASÃO AOS TRÊS PODERES

Por volta das 15h de domingo (8.jan.2023), extremistas de direita invadiram o Congresso Nacional depois de romper barreiras de proteção colocadas pelas forças de segurança do Distrito Federal e da Força Nacional. Lá, invadiram o Salão Verde da Câmara dos Deputados, área que dá acesso ao plenário da Casa. Equipamentos de votação no plenário foram vandalizados. Os extremistas também usaram o tapete do Senado de “escorregador”.

Em seguida, os radicais se dirigiram ao Palácio do Planalto e depredaram diversas salas na sede do Poder Executivo. Por fim, invadiram o STF (Supremo Tribunal Federal). Quebraram vidros da fachada e chegaram até o plenário da Corte, onde arrancaram cadeiras do chão e o Brasão da República –que era fixado à parede do plenário da Corte. Os radicais também picharam a estátua “A Justiça”, feita por Alfredo Ceschiatti em 1961, e a porta do gabinete do ministro Alexandre de Moraes.

Os atos foram realizados por pessoas em sua maioria vestidas com camisetas da seleção brasileira de futebol, roupas nas cores da bandeira do Brasil e, às vezes, com a própria bandeira nas costas. Diziam-se patriotas e defendiam uma intervenção militar (na prática, um golpe de Estado) para derrubar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

ANTES DA INVASÃO A organização do movimento havia sido monitorada previamente pelo governo federal, que determinara o uso da Força Nacional na região. Pela manhã de domingo (8.jan), 3 ônibus de agentes de segurança estavam mobilizados na Esplanada. Mas não foram suficientes para conter a invasão dos radicais na sede do Legislativo.

Durante o final de semana, dezenas de ônibus e centenas de carros e pessoas chegaram à capital federal para a manifestação. Inicialmente, o grupo se concentrou na sede do Quartel-General do Exército, a 7,9 km da Praça dos Três Poderes.
Depois, os radicais desceram o Eixo Monumental até a Esplanada dos Ministérios a pé, escoltados pela Polícia Militar do Distrito Federal.

O acesso das avenidas foi bloqueado para veículos. Mas não houve impedimento para quem passasse caminhando.

Durante o domingo (8.jan), policiais realizaram revistas em pedestres que queriam ir para a Esplanada. Cada ponto de acesso tinha uma dupla de policiais militares para fazer as revistas de bolsas e mochilas. O foco era identificar objetos cortantes, como vidros e facas.

CONTRA LULA
Desde o resultado das eleições, extremistas de direita acamparam em frente a quartéis em diferentes Estados brasileiros. Eles também realizaram protestos em rodovias federais e, depois da diplomação de Lula, promoveram atos violentos no centro de Brasília. Além disso, a polícia achou materiais explosivos em 2 locais da capital federal.


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