Qin Gang, 57 anos, foi visto pela última vez em 25 de junho passado, quando se reuniu com o vice-chanceler da Rússia, Andrey Rudenko, e com o chanceler de Bangladesh, Abul Kalam Abdul Momen, em Pequim. Desde então, o paradeiro de Qin é um mistério. Diplomata de carreira e ex-embaixador em Washington, o ministro das Relações Exteriores da China foi removido do cargo, nesta terça-feira (25/7), de forma fulminante e sem explicações.
O fato de Qin ter sido o homem de confiança do presidente Xi Jinping alimentou rumores sobre sua saída. De acordo com a agência de notícias estatal chinesa Xinhua, Qin "foi afastado do cargo de ministro das Relações Exteriores". "A mais alta Legislatura da China votou para nomear Wang Yi como ministro das Relações Exteriores ao convocar uma sessão na terça-feira (25)", afirmou. Wang está em viagem à África do Sul, onde participa da cúpula dos BRICS, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Ele acabou reconduzido ao posto de chanceler — posição ocupada entre 2013 e 2022.
Xi teria assinado a ordem presidencial para promulgar a troca no comando da diplomacia chinesa. A princípio, as autoridades de Pequim alegaram "razões de saúde" para explicar o sumiço de Qin. Os boatos sugeriam, no entanto, que uma das mais importantes lideranças do Partido Comunista Chinês (PCC) seria investigado por manter um suposto relacionamento amoroso com uma conhecida apresentadora de TV. Qin se ausentou de vários compromissos diplomáticos importantes, incluindo a reunião da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) na Indonésia, no começo deste mês.
Falta de transparência
Em entrevista ao Correio, Bonnie Glaser — diretora do Programa Ásia do think tank German Marshall Fund of the United States (sediado em Washington) — lembrou que "a China nunca é transparente sobre a remoção de altos funcionários". "O ministro das Relações Exteriores chinês não faz políticas. Ele é meramente o porta-voz de Xi", explicou.
De acordo com Glaser, com base nas evidências disponíveis, o principal motivo para a demissão de Qin seria o fato de ele não ter escondido um caso extraconjungal. "Não apenas isso. O agora ex-ministro e sua amante decidiram que o seu bebê nasceria nos Estados Unidos. Para Xi Jinping, isso sinaliza falta de confiança no futuro da China", avaliou. "Qin foi detido na China. Sua namorada viajou aos Estados Unidos, deu à luz e retornou para a China com o filho. Nenhum dos dois é visto há um mês."
"Nós ainda não sabemos o que aconteceu com Qin Gang, mas parece mais provável que ele esteja sujeito a uma investigação política. Isso porque o Ministério das Relações Exteriores apagou todas as referências a Qin em seu website", disse à reportagem Neil Thomas, especialista em política chinesa pelo Centro para Análise da China do Instituto de Política da Sociedade da Ásia (em Washington). Ele entende que o sumiço de Qin ao longo do último ano evidencia a opacidade do Partido Comunista Chinês. "Isso corroeu ainda mais a confiança internacional no sistema político chinês", comentou.
Thomas destacou que Xi segue como o principal formulador de decisões sobre a política externa chinesa. "Ele escolheu a dedo Qin Gang para servir como implementador-chefe. A política externa mais assertiva da China nos últimos anos é mais atribuída a Xi do que a Qin Gang", acrescentou o estudioso. Com a demissão, Qin entra para a história como o ministro das Relações Exteriores que ficou por menos tempo no cargo.
Ascensão meteórica
Nascido em Tianjin, em março de 1966, Qin Gang se graduou em um curso universitário não especificado. A carreira diplomática teve início aos 22 anos, como membro da equipe do Comitê de Serviço para Missões Diplomáticas, cargo ocupado entre 1998 e 1992. De 2002 a 2005, atuou como conselheiro da Embaixada da China no Reino e na Irlanda do Norte. Logo depois, retornou a Pequim para assumir as funções de vice-diretor-geral do Departamento de Informação e porta-voz do Ministério das Relações Exteriores. Em 2014, foi promovido a diretor-geral do Departamento de Protocolo. Entre 2018 e 2021, exerceu o cargo de vice-chanceler.
Depois disso, veio a ascensão meteórica. Chegou ao topo do Ministério das Relações Exteriores em dezembro de 2022 e, pouco depois, ao Comitê Central do Partido Comunista Chinês. Fluente em inglês, era apelidado de "Guerreiro Lobo" — uma alusão à nova geração de diplomatas chineses que adotam uma retórica inflamada contra as críticas ocidentais a Pequim. Incisivo e direto, chegou a atacar diretamente a banda de rock Guns N' Roses, em 2008, após o lançamento do álbum Chinese democracy. "Muitas pessoas não gostam desse tipo de música. É muito barulhenta e ruidosa", disparou o então porta-voz da chancelaria. Em 2020, Qin disse que as relações entre a China e o Ocidente se deterioram porque os europeus e americanos — especialmente a mídia — jamais aceitaram o sistema político e a ascensão econômica da China. Ainda segundo o site do Ministério das Relações Exteriores, ele é casado e tem um filho.