17/08/2023 às 05h16min - Atualizada em 17/08/2023 às 05h16min

Por que a África está se tornando campo de batalha entre Rússia e Ocidente

Já Moscou rejeita as alegações e insiste na ideia de que suas relações com o continente africano prezam pela "estabilidade, confiança e boa vontade"

Da BBC News
Retrato do presidente russo Vladimir Putin durante manifestação para comemorar retirada das tropas francesas do Mali em fevereiro de 2022 - (crédito: Getty Images)


Desde que militares deram um golpe de Estado no Níger, as cores da bandeira da Rússia vêm sendo vistas com frequência em ruas de cidades do país, em uma forte indicação de uma mudança na preferência por aliados internacionais em uma nação que por muito tempo viveu sob a influência da França.

O presidente deposto, Mohamed Bazoum, era um grande aliado do Ocidente, mas a junta militar que tomou o poder vem travando uma guerra de palavras com potências ocidentais, que lutam para manter seu domínio não só no Níger, mas em vários países africanos.

Tudo acontece em um momento em que cresce a presença russa no continente — com o aumento dos investimentos e apoio militar por parte de Moscou, além da participação cada vez mais frequente de mercenários do Grupo Wagner em conflitos locais.

O Ocidente, em especial os EUA, acusam o governo de Vladimir Putin de interferir para descarrilar a democracia de algumas nações na África, ao mesmo tempo em que busca aliados para sua posição na guerra da Ucrânia.

Já Moscou rejeita as alegações e insiste na ideia de que suas relações com o continente africano prezam pela "estabilidade, confiança e boa vontade".

"Inalterado permanece nosso respeito pela soberania dos Estados africanos, suas tradições e valores, seu desejo de determinar independentemente seu próprio destino e construir livremente relacionamentos com parceiros", escreveu Putin em um comunicado publicado em julho deste ano por ocasião da cúpula Rússia-África, que reuniu diversas lideranças em São Petersburgo.

Para o pesquisador nigeriano Ebenezer Obadare, do think tank Council on Foreign Relations (CFR), a disputa de poder travada entre Rússia e Ocidente na África é mais um capítulo da rivalidade entre esses dois polos de poder, acirrada especialmente no último ano por conta da invasão à Ucrânia.

"O que a Rússia quer na África é o que os países ocidentais também querem ali: influência diplomática, influência na economia e política, projeção de seu poder e influência", diz. "Não há intenções altruístas, apenas política."

Bases militares e mercenários
Segundo os especialistas consultados pela BBC News Brasil, a atuação de ambos os lados pode ser percebida principalmente em termos de envio de ajuda e presença militar e investimentos econômicos, mas também por meio de propaganda e influência cultural.

Segundo documentos obtidos pelo site The Intercept, em 2019 os Estados Unidos possuíam 29 bases localizadas em 15 países ou territórios do continente africano.

Outra força com grande presença é a França. O país europeu, que no passado colonizou territórios onde hoje ficam Argélia, Senegal, Chade, Mali, Benin, Sudão, Gabão, Tunísia, Níger, Congo, Camarões e Costa do Marfim, mantém bases no Djibouti, Gabão, Senegal e Costa do Marfim.

Tropas do Reino Unido também estão presentes em países como Djibouti, Malawi, Nigéria, Serra Leoa, Somália e Quênia. Neste último, o governo britânico mantém um centro de treinamento permanente, onde são realizados exercícios militares anualmente.

"No caso específico dos Estados Unidos e da França, há um grande interesse em combater o terrorismo e a insurgência islâmica. Eles estão envolvidos em esforços para fornecer treinamento, apoio material e moral para os militares de diferentes países africanos", explica Ebenezer Obadare.

A Operação Barkhane foi uma das últimas grandes operações anti-insurgência realizadas pela França no continente. Ela abrangeu toda a região do Sahel, mas foi suspensa após o golpe militar de maio de 2021 no Mali, quando o presidente interino Bah Ndaw e o primeiro-ministro Moctar Ouane foram presos e depostos.

Desde então, a junta que tomou o poder vem se aproximando cada vez mais dos mercenários do Grupo Wagner. Acredita-se que o grupo russo tenha agora mil soldados no país, embora os militares neguem sua presença.
Tatiana Smirnova, pesquisadora russa da Universidade do Quebec em Montreal e especialista em política do Sahel, explica que a presença da organização paramilitar é uma das principais formas do Kremlin expandir sua presença não só no Mali, como em diversos outros países do continente.

"A Rússia é um dos maiores fornecedores de armas para a África, em especial Egito e Argélia. Mas além dessa cooperação formal em segurança, há a atuação do Grupo Wagner e de outras companhias militares privadas", diz Smirnova.

Além do Mali, o Wagner também é bastante ativo na República Centro-Africana, na Líbia, em Moçambique, no Chade e no Sudão. Mais recentemente, o governo dos Estados Unidos acusou o grupo paramilitar de "tirar proveito" da instabilidade instalada no Níger após o golpe militar.

Os laços entre os mercenários, o Kremlin e forças políticas locais são difíceis de serem traçados. No entanto, segundo analistas, desde que o líder da organização, Yevgeny Prigozhin, convocou um levante contra o Exército russo, ficou cada vez mais difícil negar essas conexões.

 
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