26/08/2023 às 06h44min - Atualizada em 26/08/2023 às 06h44min

Qual será futuro do grupo Wagner após notícia da morte de Prigozhin?

Analistas avaliam possíveis cenários para o grupo Wagner e para a própria política externa da Rússia no curto, médio e longo prazo após a morte de Prigozhin.

- BBC News
Prigozhin estava liderando uma expansão do grupo Wagner pelo mundo. Sua morte interromperá isso? -Foto G1

Yevgeny Prigozhin passou quase uma década construindo o grupo mercenário Wagner.

O grupo se tornou fundamental na campanha da Rússia na guerra na Ucrânia. As tropas de Prigozhin também ajudaram a Rússia a espalhar sua influência por outros países, apoiando aliados do presidente Vladimir Putin na África e na Síria.

Agora, a morte de Prigozhin gerou uma onda de especulações sobre o futuro do grupo. As autoridades de segurança ocidentais se questionam sobre quem ocupará o lugar dele e o que acontecerá com os mercenários que ele outrora liderou.

Quem será o próximo líder?
A doutora Joana de Deus Pereira, pesquisadora sênior do instituto Royal United Services Institute (Rusi), disse ao programa World Tonight da BBC que a morte de Prigozhin provavelmente levará a “alguma reformulação” do grupo.

Mas Pereira acredita que, em linhas gerais, as operações do grupo Wagner provavelmente continuarão da mesma forma que sob a liderança de Prigozhin.

“A organização continuará no futuro provavelmente com outro nome, mas ela já provou que tem capacidade de adaptação e de transformação”, diz ela.

“Temos que olhar para o grupo Wagner não apenas como [centrada em] um único homem, mas como um ecossistema, como uma hidra com muitas cabeças e muitos interesses variados na África.”

Ruslan Trad, analista de segurança do centro de pesquisas Atlantic Council, concorda. Ele diz à BBC que a morte de Prigozhin provavelmente fará com que alguém com conexões com o serviço de inteligência militar da Rússia seja colocado para liderar o grupo em seu lugar.

Mas, para Trad, o principal desafio de Putin será encontrar alguém com recursos suficientes para financiar as operações paramilitares sem que isso represente um enorme gasto para Moscou.
"Eles tentarão encontrar um novo financiador porque Prigozhin era a principal pessoa com dinheiro lá", afirma Trad.

"Acho que será mais difícil encontrar um novo financiador porque [o Wagner] tem bons comandantes, mas o dinheiro é importante aqui. Talvez eles [coloquem] alguém do círculo próximo a Putin."
Benoît Bringer, jornalista cujo documentário The rise of Wagner ("A ascensão de Wagner", em tradução livre) traçou a ascensão dos mercenários, disse à BBC que um dos principais candidatos à liderança do Wagner é o general do Departamento Central de Inteligência Andrey Averyanov.
"É provável que Putin precisasse de tempo para organizar secretamente a transição. Isto explicaria por que ele esperou dois meses para se livrar de Prigozhin", acrescentou.
Emily Ferris, também do Rusi, observa que Moscou "provavelmente terá aprendido a lição de que personalidades como Prigozhin, com suas próprias ambições perigosas, são uma carta arriscada".

Ela acrescenta que "qualquer novo líder [do Wagner] provavelmente será alguém escolhido a dedo pelo Kremlin".

O que acontecerá com as tropas Wagner em Belarus e na Ucrânia?
Durante grande parte do ano passado, o grupo Wagner foi a força de combate mais eficaz da Rússia na Ucrânia, com suas tropas tomando com sucesso as cidades de Soledar e Bakhmut após batalhas sangrentas.
Mas Ferris avalia ser improvável que a morte de Prigozhin tenha um impacto sério no curso da guerra.

"As tropas Wagner têm estado fora de ação na Ucrânia desde a rebelião [liderada por Prigozhin no final de junho, motivada por críticas ao Kremlin], então ou suas tropas ficaram em Belarus, ou foram absorvidas de volta pelo Ministério da Defesa", explica a especialista.

"Por isso, o impacto imediato na guerra na Ucrânia, onde as forças russas ainda estão contendo a contraofensiva ucraniana, provavelmente será mínimo por enquanto."

Ferris acrescenta que parece ser improvável que as tropas Wagner regressem ao campo de batalha na Ucrânia, pelo menos a curto prazo.

Cerca de 8.000 soldados do grupo Wagner estariam baseados em campos em Belarus, tendo seguido Prigozhin até lá após sua revolta fracassada de junho.

Entretanto, imagens de satélite analisadas pela BBC Verify (setor de checagem e verificação da BBC) mostram que várias das tendas do principal acampamento Wagner em Osipovichi, em Belarus, estão sendo desfeitas. Algumas foram total ou parcialmente removidas.

As imagens foram capturadas pela empresa Planet Labs, com sede nos EUA. Não está claro exatamente quando os trabalhos começaram e se os ocupantes das tendas estão alojados em outro local de Belarus ou se já deixaram o país.

O grupo de mídia Radio Free Europe/Radio Liberty, financiado pelos EUA, informou na quinta-feira (24/08) que 101 das 273 tendas do acampamento já haviam sido desmontadas.

Belarus, um importante aliado russo na invasão da Ucrânia, não se posicionou publicamente até agora sobre o assunto.

Ainda assim, o futuro dos combatentes do Wagner não é claro. Alguns relatos nas redes sociais sugerem que vários soldados fizeram ameaças explícitas contra Putin, pelo que alegaram ter sido o papel do presidente russo na morte de Prigozhin.

As tropas Wagner na África e na Síria poderão continuar lutando?
Igualmente incerto é o futuro das tropas Wagner em outros países. O grupo tornou-se um pilar fundamental da política externa russa, com seus combatentes ajudando a apoiar governos na Síria, no Mali, na República Centro-Africana e na Líbia em troca de lucrativos direitos de exploração mineral.

Acredita-se que Prigozhin tenha estado na África Ocidental muito recentemente. Analistas acreditam que o grupo esteja tentando alargar o seu alcance a outros países, incluindo o Níger, onde acaba de ocorrer um golpe de Estado.

Alguns especulam que a morte do líder do grupo pode forçar a Rússia a reavaliar seus esforços para influenciar na região, mas muitos especialistas acreditam que o comando descentralizado do grupo no continente deve permitir-lhe continuar as suas operações no continente sem maiores percalços por conta da morte de Prigozhin.

Há relatos de que, após o motim de junho, oficiais russos teriam viajado para a Líbia para se encontrarem com Khalifa Haftar, o general renegado que desafia o governo reconhecido pelas Nações Unidas em Trípoli. Os russos teriam assegurado a continuidade do apoio do grupo Wagner, independente do destino de Prigozhin.

Trad avalia que o grupo Wagner está tão fortemente integrado à infraestrutura de defesa de países africanos que as suas operações não seriam perturbadas pela morte de Prigozhin.

“Os comandantes baseados na Síria, na República Centro-Africana ou no Mali já têm modelos muito bons e têm autonomia para agir”, avalia o especialista.

“Os comandantes locais não serão afetados porque as operações são conduzidas separadamente, têm recursos diferentes. Mesmo agora, estão recrutando para operações na Síria e na África”.

Para o analista, o relacionamento do grupo com a inteligência russa continuaria sendo uma ferramenta valiosa para Moscou, permitindo-lhe operar na “zona cinzenta” — onde se pode trabalhar pelos interesses da Rússia e ao mesmo tempo permitir que as autoridades neguem oficialmente o envolvimento.

Bringer afirma que o grupo Wagner é “essencial na África” para os interesses russos.
“A estrutura certamente continuará a existir lá, talvez não mais sob o nome de Wagner, mas com um novo chefe leal ao Kremlin”, avalia.

Anton Mardasov, acadêmico no programa sobre a Síria do Instituto do Oriente Médio Oriente, diz que após a revolta fracassada de Prigozhin na Rússia, os comandantes do grupo Wagner no estrangeiro escaparam às represálias do Kremlin para que a "posição de Moscou não fosse enfraquecida".

Mas ele lembra que outros grupos mercenários rivalizam cada vez mais com as tropas Wagner na Síria. Após o motim de junho, foi oferecida a vários soldados do Wagner a transferência para um grupo concorrente chamado PMC Redut, diz Mardasov.
“O Redut trabalha na Síria em paralelo com o Wagner há muito tempo”, explica o especialista à BBC. “É com o Redut que os militares apostam na Síria, mas eles tinham medo de passos rápidos”.
O grupo Wagner desaparecerá da memória?

A médio prazo, portanto, parece improvável que as operações do grupo Wagner sejam significativamente afetadas pela morte de seu líder. Mas, a longo prazo, as operações da organização parecem destinadas a tornar-se algo novo, analisa Emily Ferris, da Rusi.

“O mais provável é que o Wagner se divida em dois, com as tropas restantes em Belaurs e sem liderança dissolvidas, e outra facção ativa no estrangeiro, que pode se transformar em uma ferramenta da política externa russa.”

Quanto ao legado de Prigozhin, Bringer diz que o grupo Wagner demonstrou "ao Kremlin como um exército privado obscuro, capaz de operar totalmente fora da lei, pode ser útil nas suas guerras híbridas, bem como para ganhar influência no exterior”.

“O nome Wagner pode desaparecer, mas não os mercenários em campo e nem o método que ele criou.”


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