13/09/2023 às 05h45min - Atualizada em 13/09/2023 às 05h45min

TRF-4 'peita' Toffoli e anula todas as decisões de Eduardo Appio referentes a Lava Jato

Relator Loraci Flores, que reconheceu suspeição de juiz, é irmão de delegado que fez condução coercitiva de Lula e grampeou a ex-primeira-dama Marisa Letícia

​Eduardo Appio - Divulgação/Justiça Federal do Paraná

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) determinou, na quarta-feira passada (6), a anulação de todas decisões assinadas pelo juiz Eduardo Appio na 13ª Vara Federal de Curitiba, alegando suspeição em casos relacionados à Operação Lava Jato.

Os desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 seguiram o voto do relator Loraci Flores de Lima, que acolheu 28 arguições de suspeição criminal apresentada pelo Ministério Público Federal de Curitiba contra Appio, que substituiu a juíza Gabriela Hardt no cargo e que é um crítico ferrenho aos métodos da Lava Jato à época que a operação era conduzida por Deltan Dallagnol, Sérgio Moro e outras figuras da "República de Curitiba".

O relator usou a mesma razão que o Supremo Tribunal Federal (STF) empregou para declarar a suspeição de Sergio Moro nos casos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo ementa da decisão, “a suspeição ora reconhecida estende-se a todos os processos relacionados a tal Operação”.

"A Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar procedente a presente exceção para reconhecer a suspeição do Juízo Excepto em relação a todos os processos relacionados à denominada "Operação Lava-Jato" que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba/PR e, consequentemente, declarar a nulidade de todos os atos por ele praticados, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado", diz o acórdão do TRF-4.

Mas o próprio relator da ação que culminou na nulidade dos atos de Appio na Lava Jato está diretamente envolvido com parte dos processos, uma vez que é irmão de Luciano Flores, delegado da Polícia Federal (PF) que atuou na operação Lava Jato. Em 2016, Luciano foi o investigador responsável pela condução coercitiva de Lula e por grampear - e vazar - conversas privadas da ex-primeira dama Marisa Letícia que, depois, foram divulgadas em jornais.

Inicialmente, o tribunal contestou a admissibilidade dos diálogos revelados pela "Vaza Jato" como material probatório em casos criminais. Essa postura do TRF-4 está em flagrante contraste com uma decisão anterior do ministro Dias Toffoli, do STF, que não só validou esses diálogos, mas também fez referência ao irmão do desembargador Loraci Flores, o delegado Luciano Flores.

Adicionalmente, o TRF-4 decidiu pela validade das provas obtidas do sistema Drousys da Odebrecht. Uma das "provas" que justificariam a suspeição de Appio, segundo o tribunal, seria uma citação referente a seu pai, o ex-deputado Francisco Appio, por supostamente integrar lista de autoridades beneficiadas por pagamentos feitos pela empreiteira.

Este ponto é especialmente relevante porque entra em conflito direto com uma decisão anterior de Toffoli, também de quarta-feira (6), que anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência com a empresa. Portanto, tornou-as inadmissíveis em processos criminais. No mesmo despacho, o ministro classifica a prisão de Lula como "um dos maiores erros judiciários da história".

Appio, inclusive, já apontou, em despacho ligado à Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, "indícios de ilegalidade” no acordo de leniência da força-tarefa coma Odebrecht, defendendo que o fato fosse investigado pela Polícia Federal, Corregedoria Nacional de Justiça e Tribunal de Contas da União.

Outra base da Lava Jato a ser contestada por Appio é a gravação ilegal da cela onde esteve preso o doleiro Alberto Youssef. Conforme o material, o grampo clandestino funcionou entre 17 e 28 de março de 2014. Partiu de Appio, também, um novo tratamento dispensado ao advogado Rodrigo Tacla Duran, ex-representante da Odebrecht.

No final de março, ele afirmou em depoimento – por videoconferência direto de Madrid – ter sido alvo de um “bullying processual”. Em 16 de março, Eduardo Appio revogou a ordem de prisão preventiva contra Duran decretada em 2016 por Moro. Logo em seguida, porém, Marcelo Malucelli tomou uma decisão que, na avaliação de Appio, restabeleceu a ordem de prisão contra Duran.

Appio foi afastado da 13ª Vara há quase quatro meses, em 22 de maio. A decisão original do TRF-4 atendeu a uma representação do desembargador federal Marcelo Malucelli, que afirmou que seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, que é sócio e genro de Sérgio e Rosângela Moro, recebeu uma ligação telefônica com "ameaças". O tribunal teria indícios de que Appio seria o responsável pelo telefonema. A defesa do juiz nega a acusação.

Afastamento de Appio
Uma decisão do corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, publicada em julho, manteve o juiz Eduardo Appio afastado da 13ª Vara Federal de Curitiba e, consequentemente, dos processos da operação Lava Jato.

Salomão manteve a decisão do TRF-4 que afastou Appio por uma suposta ligação telefônica em que teria tentado intimidar o filho do desembargador Marcelo Malucelli. Para o corregedor nacional de Justiça, “evidenciam-se elementos suficientes à manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações”. O juiz nega as acusações.

A decisão ainda aponta que foi constatada a “gravidade das condutas praticadas, na medida em que a conduta de Appio aparenta configurar possível ameaça a desembargador daquela Corte, havendo ainda elementos que apontam que o investigado se utilizou de dados e informações constantes do sistema eletrônico da Justiça Federal para aquela finalidade, passando-se por servidor do tribunal”.

Para Salomão, recolocar Appio à frente da Lava Jato pode atrapalhar a investigação que recai sobre o magistrado. O principal argumento nesse sentido seria o acesso que o juiz teria a esses sistemas digitais da Justiça Federal utilizados, segundo o corregedor, para a realização da suposta chamada telefônica intimidatória.

O que diz Appio
A argumentação de Appio, endereçada em 7 de junho a Salomão, está fundamentada nas últimas conversas obtidas pela imprensa que mostram a relação de proximidade entre procuradores, juízes, desembargadores e policiais federais envolvidos na operação.

As mensagens foram trocadas no grupo de WhatsApp da Lava Jato, que passou por varredura da Operação Spoofing. Nas mesmas conversas, é possível observar que o desembargador Marcelo Malucelli articulava a entrada do juiz Luiz Antonio Bonat à titularidade da 13ª Vara Federal de Curitiba.

De acordo com a defesa, o juiz teria sido afastado do cargo não por ter praticado alguma infração disciplinar, mas justamente por não ser o nome pretendido pela ‘República de Curitiba’ como o substituto de Moro na vara.

“O peticionário [Appio] não foi, de longe, aquele desejado. Era preciso eliminar o contraponto. E isso ocorreu através do exercício de um dever-poder disciplinar enviesado em sua finalidade”, escreveu a defesa. No mesmo pedido, a defesa também alegou que o TRF-4 não reúne as “condições necessárias para promover o devido processo legal, bem como o julgamento justo”


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