Criada com o intuito de investigar os atos antidemocráticos que destruíram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) tem acumulado uma série de desavenças com o Supremo Tribunal Federal (STF). As últimas duas sessões do colegiado foram por água abaixo depois de decisões tomadas pelos ministros da Corte, além do aval para o silêncio de depoentes durante a comissão.
Durante a sessão de terça-feira (19/9), o presidente da CPI, Arthur Maia (União-BA), fez um desabafo sobre como está sendo a condução dos trabalhos da mesa diretora diante as ações do Judiciário.
Em sua fala, o parlamentar ressaltou que a comissão está sendo “desmoralizada” e afirmou que entrará com um pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assinado pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), questionando as ações do STF no colegiado.
“Se um ministro do Supremo Tribunal Federal se acha com direito, com poder de dar uma liminar, autorizando alguém a não comparecer à CPMI e, por conseguinte, desmoralizando essa CPMI e tirando o poder dessa CPMI e esvaziando, obstruindo, obviamente, que nós estamos, na verdade, brincando de fazer CPMI”, apontou Maia.
Na segunda-feira (18/9), o ministro André Mendonça dispensou a ida de Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens e atual integrante da equipe de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. O depoimento de Crivellati estava marcado para começar às 9h de terça, mas, por volta das 8h30, a defesa do tenente informou à mesa diretora que ele não compareceria.
Na mesma data, Arthur Maia acionou a Advocacia do Senado, que enviou um pedido de urgência à Suprema Corte pedindo a reconsideração da decisão proferida por Mendonça. No ofício, o órgão alegou que o indeferimento do pedido implicaria em “irreversível prejuízo a direitos públicos da mais alta relevância”.
Crises recorrentes
Essa não foi a primeira vez que a mesa diretora da CPMI se irritou com decisões expedidas pelo STF. Na semana anterior, o ministro Kassio Nunes Marques expediu uma liminar no mesmo sentido.
O colegiado ouviria depoimento da ex-diretora de Inteligência do Distrito Federal Marília Alencar, convocada na condição de investigada. Nunes Marques permitiu que ela não comparecesse à sessão. Marília é acusada de omissão na condução do combate aos ataques golpistas às sedes dos Três Poderes.
No fim de agosto, o ministro Cristiano Zanin, do STF, foi criticado pela mesa da CPMI e por parlamentares de diversos partidos em razão do habeas corpus concedido ao depoente Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal.
A decisão de Zanin permitiu que Vieira ficasse ao silêncio, além de “não ser submetido ao compromisso de dizer a verdade ou de consignar termos com tal conteúdo”. A interpretação dos deputados e senadores foi de que a decisão poderia permitir que o depoente mentisse ao colegiado.
“Lamentável”
Na terça, a relatora da CPI, Eliziane Gama (PSD-MA), classificou as últimas posições do STF como “lamentáveis”. Para a senadora, as limiares trazem “prejuízos graves” ao trabalho da comissão.
“É muito preocupante. Se você tem uma decisão dessa de forma reiterada, acaba causando prejuízos graves para o trabalho da comissão. Uma CPI, para existir, tem de ter o colhimento de dados, as quebras de sigilos e os depoimentos. Uma CPI sem depoimentos tem prejuízo muito grave”, pontuou a parlamentar.
A expectativa de Eliziane é apresentar o relatório da CPMI em 17 de outubro. Apesar de ter ouvido uma série de investigados pelos atos de 8 de janeiro, a tentativa da base governista de fazer um cerco nas apurações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se mostrou frustrada.
Nas últimas semanas, o grupo tentou emplacar uma série de requerimentos de quebras de sigilo de nomes ligados ao ex-presidente. Há, no entanto, resistência por parte do presidente do colegiado, Arthur Maia, em pautá-los, já que os pedidos desagradam a oposição. O deputado tem defendido a construção de acordos entre governistas e oposicionistas, o que tem prejudicado a apreciação de pedidos que possam manchar a imagem de Bolsonaro.
Além disso, o colegiado não trouxe grandes novidades: a maior parte dos pontos levantados pela CPI do 8/1 já são investigados por outras autoridades, como a Polícia Federal e o STF.