27/12/2023 às 07h13min - Atualizada em 27/12/2023 às 07h13min

Família de vítima da covid durante crise de oxigênio receberá R$ 1,4 milhão

Juíza determinou ao Estado o pagamento milionário a órfãos de mulher morta por covid e afirmou que houve omissão dos governos. Colapso do sistema de saúde na capital do Amazonas completa três anos em janeiro com lacunas e impunidade

​Rotina de filas e revezamento de cilindros na capital do Amazonas em janeiro de 2021 - (crédito: Marcio James/AFP)
A Justiça Federal do Amazonas decidiu que os familiares de uma mulher morta durante a pandemia da covid-19 em janeiro de 2021, no ápice da crise no fornecimento de oxigênio em Manaus, devem ser indenizados em R$ 1,4 milhão. De acordo com a sentença, o valor deverá ser pago pela União, pelo governo do Amazonas e pela prefeitura de Manaus. Cabe recurso contra a decisão.

O montante deve ser dividido entre o viúvo e os seis filhos da vítima. Leoneth Cavalcante de Santiago, então com 61 anos, deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento do Hospital Platão Araújo com sintomas graves de covid. O quadro evoluiu para desconforto respiratório e ela precisaria ser internada em uma UTI para receber oxigênio, mas não havia vagas disponíveis.

Os parentes de Leoneth moveram uma ação contra o governo do Amazonas pleiteando a transferência da paciente para um leito intensivo, obtendo decisão favorável em caso de urgência 10 dias após a internação, em 14 de janeiro. Não foi suficiente. Ela morreu menos de 24 horas depois.

A defesa da família de Leoneth argumentou que é "obrigação do Estado fornecer todas as ações e serviços indispensáveis à assistência à saúde para preservar a vida, o que não ocorreu no caso, havendo conduta omissiva dos requeridos, que assumiram o risco de eventual morte da paciente pela falta de oxigênio medicinal". Os familiares solicitaram o pagamento de indenização e a responsabilização dos governos federal, estadual e municipal pela morte de Leoneth.

Na decisão, publicada em 18 de dezembro deste ano, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Cível do Amazonas, sustenta que cabia aos réus "suprir os leitos de UTI necessários para fazer frente ao já esperado agravamento da pandemia".

"O dano sofrido pelos autores é claro, profundo e salta aos olhos, já que a perda de um ente querido em razão da omissão dos réus em abastecer adequadamente suas unidades de saúde com oxigênio medicinal e também com leitos de UTI suficientes é incomensurável, ainda mais se tratando de mãe e esposa", escreveu a magistrada na decisão.

"O desespero, a dor, a tristeza e a revolta experimentados pelo marido e pelos filhos ao saberem que sua esposa e mãe perdeu a vida asfixiada por falta de oxigênio e sem receber o atendimento necessário para salvar sua vida é evidente e refoge ao simples dissabor do dia a dia", completou.

Superlotação
Em janeiro de 2021, Manaus enfrentava uma crise sem precedentes no sistema de saúde: sem oxigênio nos hospitais públicos e privados e com uma superlotação das unidades de saúde. O Amazonas foi o primeiro estado a sofrer os impactos da segunda onda da covid-19, registrada entre janeiro e fevereiro daquele ano.

Familiares de pessoas internadas passaram a comprar os cilindros e levar por conta própria aos hospitais às pressas. O consumo médio de oxigênio por dia, que era de 14 mil metros cúbicos, cresceu de forma abrupta e chegou a uma média de 76,5 mil metros cúbicos. A capacidade de produção das empresas fornecedoras de oxigênio era de apenas 28,2 mil metros cúbicos à época.

A White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio ao governo do Amazonas, havia informado três dias antes de estourar a crise que a demanda estava acima do que vinha sendo registrado ao longo da pandemia.

De acordo com Ministério Público, pelo menos 31 pessoas morreram por conta da falta de oxigênio, apenas em Manaus, nos dias 14 e 15 de janeiro de 2021, e mais de 60 pessoas morreram em todo o estado durante a crise.

O caso foi abordado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, do Senado, que ouviu o ministro da Saúde à época, Eduardo Pazuello. Ele, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, sempre negou responsabilidade no caso, sendo absolvido pela Justiça do Amazonas na investigação sobre a crise de abastecimento de oxigênio no estado.
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