18/03/2024 às 07h05min - Atualizada em 18/03/2024 às 07h05min

STF ajudou a enterrar a Lava Jato, diz Marco Aurélio Mello.

Ministro aposentado da Corte afirma ter havido “um retrocesso brutal” no combate à corrupção no Brasil nos últimos anos.

​ “Quando se concluiu, por exemplo, que o juízo da 13ª Vara Criminal do Paraná não seria competente, se esmoreceu o combate à corrupção”, disse o ministro aposentado do STF (foto).

O ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello afirmou que o Supremo ajudou a enterrar a operação Lava Jato. Um dos últimos julgamentos em que participou antes de sua aposentadoria, em 2021, foi o que analisou se o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) foi parcial no caso do tríplex do Guarujá, que mirou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Marco Aurélio votou contra a suspeição de Moro, mas foi vencido.

“Quando se concluiu, por exemplo, que o juízo da 13ª Vara Criminal do Paraná não seria competente, se esmoreceu o combate à corrupção. Aí talvez a colocação daquele senador da República [Romero Jucá], que disse que ‘precisamos estancar essa sangria’, acaba se mostrando procedente”, declarou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada neste domingo (17.mar.2024).

Marco Aurélio Mello disse que “houve uma concepção equivocada” por parte do STF sobre os casos envolvendo a Lava Jato. “Só não houve a mesma concepção quanto ao Mensalão porque foi o Supremo quem julgou, aí evidentemente o tribunal ficaria muito mal na fotografia se viesse a declarar vícios na investigação e no próprio processo-crime”, declarou.

Segundo ele, houve retrocesso no combate à corrupção no Brasil nos últimos anos. “Houve um retrocesso brutal e não continuamos a caminhar visando tornar o Brasil o que se imagina do Brasil, o Brasil sonhado”, disse.
 Questionado se houve prejuízo ao direito da defesa na Lava Jato, o ministro aposentado respondeu: “O direito de espernear, principalmente pelos que cometeram desvios de conduta, é latente. Eles vão, evidentemente, aproveitar a onda contrária à investigação para lograr proveitos”.

Segundo ele, é “saudável” existir um diálogo entre a magistratura e o Ministério Público. A relação entre Moro e os procuradores responsáveis pelos casos da Lava Jato em Curitiba –entre eles, Deltan Dallagnol– foi um dos temas analisados pelo Supremo ao julgar a suspeição do ex-juiz.

“Se fala em conluio entre a magistratura e o Ministério Público, julgador e acusador. Que conluio? O diálogo é saudável, o diálogo sempre existiu. O juiz sempre esteve aberto a ouvir o Ministério Público, fazendo a ponderação cabível”, disse Marco Aurélio. “Colocar cada qual em uma redoma, em um isolamento de não poderem conversar é um passo demasiadamente largo e não é democrático”, acrescentou.

“Na vida em sociedade, nós temos que presumir a postura digna, principalmente por aqueles que ocupam cargos públicos, e não que sejam salafrários até que provem o contrário”, completou.

Moro, disse Marco Aurélio, cometeu um ato “insano” ao abandonar a magistratura para integrar o governo de Jair Bolsonaro (PL).

“Abandonar um cargo alcançado por concurso público, uma função que o tornou herói nacional, para ser auxiliar de um presidente da República demissível a qualquer momento. Eu disse: ‘Rapaz, como você abandona uma caneta dessa?’. Aí ele disse: ‘A minha caneta ainda tem muita tinta’. Ainda bem que o Estado do Paraná o elegeu senador”, declarou.

Em maio de 2023, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu por unanimidade cassar o registro de candidatura de Dallagnol, eleito em 2022 para a Câmara dos Deputados.

“A meu ver, ele foi caçado com ç e não com ss. Simplesmente se presumiu que, quando ele pediu exoneração, o fez para fugir a um processo administrativo que poderia levar à declaração de inelegibilidade. É presumir o excepcional e não o corriqueiro, que é a postura digna por parte do cidadão”, afirmou o ministro aposentado da Corte.

Marco Aurélio comentou a decisão do ministro do STF Dias Toffoli de suspender o pagamento das multas dos acordos de leniência da J&F e da Odebrecht.

“O grande problema é que nós passamos a ter, não pronunciamentos de órgão único, que seria o Supremo reunido em plenário, mas a visão individual de cada qual [dos ministros da Corte]. Hoje a insegurança grassa, o que é péssimo. E mais do que isso: grassa o descrédito da instituição na qual eu estive durante 31 anos. Para mim, é uma tristeza enorme perceber isso”, disse. “Eu só ouço críticas quanto ao Supremo. Eu indago: hoje qualquer dos integrantes sai à rua? Eu sempre saí à rua e nunca fui hostilizado”, acrescentou.


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