Desde 2005, o Irã teve presidentes adeptos do discurso linha-dura e do ultraconservadorismo. A tendência foi quebrada, neste sábado (6/7), com a vitória, no segundo turno das eleições presidenciais, do reformista e moderado Masud Pezeshkian, 69 anos, ao obter mais de 16 milhões de votos (54%). O radical Said Jalili, 58, membro do Conselho de Discernimento do Irã — órgão que media conflitos entre o Parlamento e o Conselho dos Guardiães da Constituição —, ficou com 13 milhões de votos (44%). Dos 61 milhões de eleitores aptos a irem às urnas, 30,3 milhões participaram da escolha do novo presidente. As eleições iranianas atraíram a atenção de todo o mundo, em meio ao recrudescimento do enriquecimento de urânio por parte de Teerã, das sanções impostas pelo Ocidente e do recente ataque a Israel.
O sucessor de Ebrahim Raisi, morto em um acidente de helicóptero, em 19 de maio, tomará posse entre 22 de julho e 5 de agosto. Em mensagem publicada na rede social X e endereçada aos iranianos, Pezeshkian reconheceu que o caminho pela frente será "difícil". "Somente será fácil com a sua cooperação, empatia e confiança. Estendo minha mão a vocês e juro, pela minha honra, que não os deixarei sozinhos", escreveu.
Em visita ao mausoléu do aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica, Pezeshkian avisou aos iranianos: "Seus votos deram esperança a uma sociedade mergulhada em um clima de insatisfação". No passado, o cardiologista e ex-ministro da Saúde do Irã declarou-se contrário ao uso obrigatório do hijab (véu islâmico) pelas mulheres. "Não seremos capazes de cobrir a cabeça das iranianas por meio da coerção", alertou.
Said Jalili, o candidato derrotado, parabenizou Pezeshkian e fez um apelo à população: "Agora, cabe a todos respeitar o eleito e ajudá-lo no desenvolvimento do país e na elevação do sistema sagrado da República Islâmica". Ao contrário de Pezeshkian, Jalili sempre foi um defensor de uma política inflexível em relação ao Ocidente, especialmente aos EUA. Em texto publicado na X, o aiatolá Ali Khamenei escreveu que "gostaria de recomendar ao Sr. Pezeshkian que estabelecesse sua visão em horizontes elevados e brilhantes". "Ao seguir o caminho do Mártir Raisi, encorajo-o a fazer o melhor uso das abundantes capacidades do país para o progresso do país", disse o Líder Supremo do Irã, após se reunir com o novo presidente.
O jornalista iraniano Taghi Rahmani, 64 anos, marido de Narges Mohammadi, ativista laureada com o Nobel da Paz em 2023 e presa há 26 meses, disse ao Correio que Pezeshkian foi membro do Parlamento por seis mandatos. "É um reformista moderado, que acredita ser capaz de resolver os problemas em torno do acordo nuclear do Irã. Ele também crê que o país enfrenta um impasse e que tem a habilidade de resolver os problemas da nação", explicou. No entanto, Rahmani não vê Pezeshkian como o candidato ideal para a geração mais jovem e para a parcela da sociedade ávida por uma transição da República Islâmica para um governo democrático. O marido de Narges vê como sintomática a alta abstenção — em torno de 50% dos eleitores.
No entanto, Rahmani ressalta que 49% das pessoas que votaram em Pezeshkian o fizeram para impedir a vitória de Jalili nas eleições. "Jalili é um extremista que, essencialmente, rejeita relações com o Ocidente e tem ideias muito retrógradas e reacionárias sobre os direitos das mulheres. Também defende que Teerã mantenha as relações econômicas com a China e a Rússia, o que não é do interesse do povo iraniano. Além disso, não acredita na democracia, nos direitos humanos ou na liberdade."
Mudança
De acordo com Mahjoob Zweiri, professor de política contemporânea do Oriente Médio na Universidade do Catar, as eleições foram marcadas por um baixíssimo índice de votação, o que causou preocupação no regime. "A sensação é de que, com a escolha de Pezeshkian, ficou expresso um desejo de mudar o humor político no Irã, governado pelos conservadores e neoconservadores desde 2005", admitiu à reportagem, por telefone. "Minha avaliação é a de que essas eleições apresentaram duas opções: uma pelo continuísmo e a confrontação radical com a região, e a outra mais diplomática, com uma política externa racional na defesa dos interesses iranianos. Pezeshkian representa essa segunda alternativa. Ele seleciona melhor sua retórica, além de ser mais apaixonado e mais humano."
O ativista Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da ONG Iran Human Rights, lembrou ao Correio que o presidente não detém muito poder no Irã. "O aiatolá é quem decide as principais linhas das políticas doméstica e externa. O fato de Pezeshkian ter se tornado presidente indica a escolha certa, no momento em que o regime sofre isolamento crescente, além de ameaças de guerra e insatisfação nas ruas", afirmou. Ele aposta que a vitória de Pezeshkian deve "reviver alguma esperança" na população sobre uma possível mudança.