18/08/2024 às 07h10min - Atualizada em 18/08/2024 às 07h10min

O polêmico plano da Indonésia de mudar sua capital para o meio da floresta

À medida que a cidade de Jacarta afunda a uma taxa alarmante, o governo vem construindo uma nova capital no meio de uma floresta, um megaprojeto ambicioso e bastante controverso. Analisamos os desafios, com os primeiros moradores de Nusantara já programados para se mudar.

​A cidade planejada deve ser o maior legado do presidente Joko Widodo - (crédito: Getty Images)

A capital da Indonésia, Jacarta, é a cidade que mais afunda no mundo. Por isso, o governo embarcou em um projeto ousado para construir uma nova capital do zero, no meio de uma floresta.

O plano ambicioso pretende ser o maior legado do presidente Joko Widodo. Anunciada pela primeira vez em 2019, a construção da nova capital começou em meados de 2022.

Em breve, ela estará pronta para receber seus primeiros moradores, com previsão de mudança para as próximas semanas.

"A capital Nusantara é uma tela onde o futuro é criado. Nem todos os países têm a oportunidade e a capacidade de construir sua capital do zero", disse o presidente Widodo na semana passada, durante a primeira reunião de gabinete na nova cidade.

Jacarta, capital do país desde os tempos coloniais holandeses nos anos 1600, é altamente congestionada e uma das mais poluídas, além de ser a cidade que mais afunda no mundo.

Quarenta por cento da metrópole, que tem uma população de 10,5 milhões, está abaixo do nível do mar.

Nusantara foi pensada como uma cidade verde e de alta tecnologia que mistura a natureza com a infraestrutura de uma metrópole moderna. Mais de 60% de sua área total, o dobro do tamanho da cidade de Nova York, é planejada para ser de espaços verdes, equipados com trilhas para caminhadas e ciclovias.

Mas grande parte da nova capital ainda está em construção. Quando a BBC visitou o local recentemente, centenas, se não milhares, de pessoas trabalhavam sem parar, correndo para progredir na construção de prédios inacabados, enquanto caminhões e retroescavadeiras levantavam nuvens de poeira ao longo da estrada esburacada.

O projeto terá cinco fases. A primeira foi originalmente planejada para ser concluída em agosto e coincidir com as comemorações do Dia da Independência do país, mas ficou para o final do ano.

"Estamos no caminho certo, exatamente no caminho certo", disse o gerente de infraestrutura de Nusantara, Danis Sumadilaga, à BBC Indonésia durante uma visita ao local.

Ele afirma que quase 90% da fase 1 já foi concluída.

"Não estamos construindo para agosto. Isso faz parte do desenvolvimento, estamos começando algo para o futuro do país", acrescentou.

Apesar do avanço, dúvidas permanecem sobre a sustentabilidade do ambicioso megaprojeto.

O custo total de construção da cidade será de US$ 33 bilhões, com o governo prometendo apenas um quinto desse valor e lutando para garantir o restante por meio da iniciativa privada.

Para atrair investidores, o presidente Widodo ofereceu incentivos recentemente, entre eles direitos sobre a terra por até 190 anos.

No ano passado, ele apresentou Nusantara a vários líderes mundiais, inclusive na cúpula do G20 na Índia em novembro, mas nenhum acordo significativo foi assinado até o momento.

"É assustador quando você depende de 80% de investimento privado. Os investidores precisam ver viabilidade econômica e desenvolvimento contínuo. Você não pode parar no meio do caminho", aponta Eka Permanasari, professora de design urbano na Monash University.

Agung Wicaksono, vice-chefe de planejamento e investimento da Autoridade Nusantara, diz que vários investidores estrangeiros estão em diferentes estágios de negociação — alguns, por exemplo, estão conduzindo estudos de viabilidade.

"Eles querem ter certeza de que a infraestrutura está pronta e, portanto, que a população será o mercado para eles. Mas eles não estão apenas esperando, eles estão trabalhando", disse Wicaksono.

Uma nova possibilidade que está sendo oferecida é a de o governo fazer parceria com futuros investidores, compartilhando o risco e se comprometendo com o projeto.

Alta tecnologia na floresta

A nova capital está localizada a cerca de 12.000 km de Jacarta, que fica na ilha de Java.

Está sendo esculpida na selva em Calimantan Oriental, em Bornéu, escolhida por estar sob menor risco de desastres naturais como inundações e terremotos.

No mapa, Nusantara fica estrategicamente no centro geográfico da Indonésia. Sua localização foi cuidadosamente definida com o objetivo de ajudar a redistribuir riqueza e recursos no vasto arquipélago (composto por 17.500 ilhas) e longe de Jacarta e Java.

Java, a ilha mais densamente povoada da Indonésia, responde por cerca de 60% da economia nacional.

“Todo esse tempo, o desenvolvimento se concentrou em Java. Então, há algo positivo em mudar a capital para um local central e longe de Java”, diz Eka Permanasari.

O megaprojeto abrange uma área de cerca de 640 mil hectares – quatro vezes o tamanho de Jacarta e duas vezes o tamanho da cidade de Nova York.

Ambientalistas manifestam preocupações desde o início. Eles temem que a construção da cidade degrade o meio ambiente, reduzindo ainda mais o habitat de especies ameaçadas, como orangotangos e macacos de nariz longo.

O governo contestou as críticas repetidas vezes, argumentando que Nusantara está sendo construída em terras que antes eram usadas para a monocultura de eucalipto, o que teria causado danos ambientais a longo prazo.

Segundo autoridades, a nova cidade será alimentada inteiramente por fontes de energia renovável ??e equipada com gerenciamento inteligente de resíduos.

A capital, que permitirá somente o uso de veículos elétricos, visa zerar suas emissões até ser concluída em 2045. Isso significaria atingir o objetivo 15 anos antes da meta nacional da Indonésia.

Futuros moradores

Há dúvidas também entre os indonésios, incluindo os futuros moradores de Nusantara.

A cidade administrativa está planejada para abrigar 1,9 milhão de pessoas até 2045, a maior parte delas funcionários públicos e suas famílias.

O primeiro grupo, de cerca de 10 mil funcionários públicos, está previsto para se mudar para Nusantara em setembro.

Alguns funcionários públicos, que concordaram em falar com a BBC sob condição de anonimato, compartilharam sua relutância.

"A infraestrutura ainda não está pronta. Para qual escola vou mandar meu filho? Há atividades disponíveis para eles? E entretenimento?", disse um pai à BBC.

Outro funcionário público, que é solteiro e do grupo com prioridade para se mudar, preocupa-se em ser forçado a viver em um apartamento com outras pessoas solteiras.

As torres residenciais que estão sendo construídas em Nusantara têm apenas unidades de três quartos e quem não tem família terá que dividir apartamento.

As populações indígenas que vivem no entorno da área de Nusantara dizem see sentir negligenciadas.

O desenvolvimento da cidade já causou o deslocamento de quase 100 pessoas, e a construção de novas estradas com pedágio e um aeroporto totalmente novo aumentaram os temores de mais remoções.

Pandi, que mora em uma aldeia próxima, está preocupado com a ameaça que a urbanização representa à sua identidade cultural.

Desde que a realocação da capital foi anunciada em 2019, a Regência Penajam Paser, onde Nusantara está localizada, tem visto um aumento populacional constante.

"Eles prometem reconstruir nossa aldeia e transformá-la em uma área para turismo. Mas temo que essas sejam promessas vazias, e não temos garantia de que conseguiremos manter nossas casas", disse ele.
Isso, de acordo com Eka Permanasari, tem sido outro ponto de crítica. O design de uma Nusantara de alta tecnologia pode criar uma cidade exclusiva para as elites, negligenciando as populações locais.

“Eles estão virando apenas espectadores. Eles veem esses prédios e pessoas de fora. E quando você constrói uma cidade tão distinta, isso criará uma disparidade socioeconômica, muito parecida com Jacarta”, disse ela.


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