Os ministros do STF alegam que as decisões individuais servem para agilizar a resolução dos milhares de processos recebidos na corte. No Brasil, a Constituição Federal obriga que os casos que cheguem à instância final.
Levantamento mostra que, de janeiro a junho deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou 52.066 decisões. Dessas, 42.032 foram monocráticas, ou seja, tomadas de forma individual por um ministro, representando 80,7% do total.
Ao longo de 2023, foram 101.970 decisões, sendo 84.650 resoluções proferidas por só 1 ministro (83%). Nos tribunais, a decisão monocrática é dada por ministros, que compõem órgãos colegiados, mas são autorizados a decidirem sozinhos, nas hipóteses determinadas por lei, como análise de pedidos urgentes.
Em comparação, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou só 60 decisões ao longo do último ano judicial, de outubro de 2023 ao início de outubro de 2024. O Tribunal Constitucional alemão julgou 4.375 processos no ano passado. Já a Corte Suprema de Justiça da Argentina, 21.366 em 2022.
A questão intensifica um conflito com a Câmara, especialmente com a oposição –que tenta emplacar duas propostas para limitar as ações de ministros do STF. São elas:...
PEC 8 de 2021 – limita as decisões monocráticas do Supremo;
PEC 28 de 2024 – dá aval ao Congresso para anular liminares dos magistrados se considerarem que as decisões extrapolaram a competência da Corte.
Os textos foram aprovados na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em 9 de outubro e causaram tensão entre o Legislativo, Executivo e Judiciário. Seguem para análise de comissões especiais –mas não há estimativa de instalação pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira, porém, manifestou ser favorável a restringir as decisões individuais.
Os magistrados do STF alegam que o mecanismo acelera a resolução dos milhares de processos recebidos pela Corte. No Brasil, a Constituição Federal obriga que os casos que cheguem à instância final sejam analisados, ao contrário dos Estados Unidos.
O procurador de Justiça do MPSP (Ministério Público de São Paulo) e idealizador do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, no entanto, afirma que os números são “exagerados”. Defende que o STF não pode “sacrificar” o princípio da colegialidade no Tribunal. Para ele, é necessário rever o Judiciário brasileiro para torná-lo mais eficaz.
“Tivemos no ano passado 83% das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal sendo monocráticas. Na minha opinião, esse é um número exagerado. Os tribunais, por natureza, são organismos do sistema de Justiça do qual devem provir decisões, via de regra, colegiadas”, declarou Livianu.
O alto número de processos acumulados no STF não é uma novidade. Ao ser promulgada em 1988, a Constituição Federal estabeleceu reformas que visavam a reduzir o número de processos em tramitação na instância máxima do Judiciário brasileiro, que já se encontrava sobrecarregada. Mas a medida não teve o resultado esperado.
Livianu também citou casos em que acordos de regimentos não foram seguidos pelo STF, relembrando quando o ministro Dias Toffoli anulou casos de corrupção, já decididos pelo plenário, no âmbito da operação Lava Jato. Segundo ele, a questão causa insegurança jurídica no Brasil.
“A proporção de 83% das decisões do STF em 2023 sendo monocráticas evidenciam a transformação da exceção em regra. No caso, por exemplo, do ministro Dias Toffoli quando anulou ação de pessoas no caso da Lava Jato, você não vê a imediata submissão dessas decisões à turma ou ao plenário. São decisões em que há anulação de caso já defendido de maneira colegiada e isso, inquestionavelmente, gera insegurança jurídica”, afirmou.
Por outro lado, o professor de teoria social e do direito da UnB (Universidade de Brasília) Alexandre Veronese diz entender o argumento do Supremo e explicou a importância das decisões para a proteção de direitos no país.
“Uma decisão monocrática, uma medida cautelar ou uma liminar podem ser necessárias para preservar um determinado status quo e garantir que o direito não se esvairá com o tempo”, disse Veronese.
Ele explica que, na Suprema Corte norte-americana, os juízes não são obrigados a julgar os casos até a instância final. Eles têm o poder para decidir os que serão analisados, reduzindo consideravelmente o número de sentenças.
“Isso faz com que, do ponto de vista processual e institucional, a gente tenha uma abertura para que esses dois Tribunais [STF e STJ] recebam uma quantidade muito volumosa de processos em comparação com modelos como o dos Estados Unidos, no qual a Suprema Corte escolhe os processos que ela vai apreciar no ano judiciário, define os temas e não tem obrigação nem de explicar o porquê não vai julgar determinado tema”, declarou Veronese.
O especialista também afirma que, apesar da argumentação dos deputados de que o STF exerce excessiva influência em outros Poderes, na prática, é difícil diferenciar o que é uma questão política de uma questão jurídica e que a proposta para frear a atuação da Corte “não representa uma solução”.
“Às vezes é muito difícil a gente diferenciar o que é uma questão política de uma questão jurídica. Essas questões se misturam. Hoje, o embate se dá pelas questões não democráticas. Ela [proposta de restrição às decisões individuais] não representa necessariamente uma solução, mesmo que se restrinja às decisões monocráticas”, disse Veronese.
Nesse sentido, Roberto Livianu concorda com o Alexandre Veronese. Ele ressalta a importância da separação dos Três Poderes, cláusula pétrea da Constituição, e teme que as proposições dos deputados “matem” a Carta Magna.
“O Congresso pode rever as regras, leis, o ordenamento jurídico, isso cabe, mas tem um limite. Nós temos inclusive cláusulas pétreas. Não se pode mudar a Constituição criando embaraço na independência judicial. Então, a meu ver, essas proposições querem a morte da Constituição, um vício de iniciativa”, disse Livianu.