Combatentes do grupo antigovernamental congolês Movimento 23 de Março (M23) tomaram, no domingo (16/2), a cidade de Bukavu, capital da província de Kivu do Sul. Supostamente apoiados por tropas de Ruanda, os rebeldes se apoderaram, no fim de janeiro, da principal cidade do leste da República Democrática do Congo (RDC), Goma, capital de Kivu do Norte. Até o último levante, cerca de 2,9 mil pessoas morreram e 500 mil foram obrigadas a deixar as próprias casas desde o início do ano.
De acordo com a agência France-Presse, o M23 tomou um aeroporto situado a 30 km de Bukavu antes de chegar, na última sexta-feira (14/2), à periferia da cidade que tem cerca de 1 milhão de habitantes. Com a tomada da capital de Kivu do Norte, o grupo rebelde tem agora controle total do Lago Kivu, que se estende por toda a fronteira com Ruanda.
Segundo a AFP, alguns moradores de Bukavu aplaudiram a chegada do M23 e deram boas-vindas aos “libertadores”. De maioria tutsi, o grupo armado afirmou que deseja “libertar toda” a RDC, a fim de proteger a etnia, e “expulsar” o presidente congolês, Felix Tshisekedi.
Ruanda nega que tenha tropas mobilizadas no país vizinho em apoio ao M23. Autoridades congolesas denunciam, porém, a presença de mais de 4 mil soldados ruandeses no leste da RD Congo.
Embora a RDC acuse o país vizinho de querer controlar uma área rica em ouro e minerais indispensáveis para o setor tecnológico, a nação comandada por Paul Kagame diz garantir a própria segurança ao ter como objetivo erradicar grupos armados na região — em especial as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), formadas por hutus responsáveis pelo genocídio tutsi em 1994 e supostamente apoiadas pelo governo de Tshisekedi.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, pediu mais uma vez, no último sábado (15/2), para que seja evitada “a todo custo uma escalada regional” no conflito. Ele afirmou, durante cúpula da União Africana (UA), que “a soberania e a integridade territorial da RDC devem ser respeitadas”.
Entenda o conflito ao leste da RD Congo
Histórico
A fronteira entre República Democrática do Congo e Ruanda sofre com conflitos e violências históricas, que culminaram em um genocídio da etnia tutsi em Ruanda, em 1994. Desde então, rivalidades regionais, disputas étnicas e combates entre grupos armados foram agravados nos territórios próximos à divisa e ocorrem por mais de 30 anos.
Desde que ressurgiu, em 2021, o grupo antigovernamental de maiotia tutsi M23, da RD Congo, vive em confronto com o exército do próprio país e tomou diversos territórios congoleses, alegando defender a população da etnia. No fim de janeiro deste ano, o conflito se intensificou e contou, de acordo com autoridades congolesas, com a entrada de mais de 3 mil soldados de Ruanda e o sitiamento de Goma, principal cidade do leste da RDC, que faz fronteira com o país vizinho.
Oficialmente, o grupo rebelde — que já havia tomado Goma no fim de 2012, antes de ser derrotado por forças congolesas e pela ONU em 2013 — rejeita o apoio de Ruanda e se apresenta como um movimento nacional com o objetivo de derrubar o governo do atual presidente da RD Congo.
O governo ruandês também nega controle sobre o M23 e qualquer envolvimento militar no conflito. A missão da ONU na RDC — a ‘Monusco’ —, porém, alerta para o risco de os combates reacenderem conflitos étnicos que remontam à época do genocídio, em que 800 mil pessoas foram mortas.
Em julho do ano passado, RDC e Ruanda haviam assinado um acordo de cessar-fogo. O tratado de paz definitivo, que seria assinado em dezembro, porém, nunca saiu do papel, pois o presidente ruandês se recusou a participar de cúpula organizada por Angola para selar o fim dos conflitos que reascenderam há cerca de quatro anos.
Agravamento em janeiro
Até o dia 25 de janeiro deste ano, 400 mil pessoas no leste da RDC, próximo à fronteira com Ruanda, haviam sido forçadas a se deslocarem devido a agravamento do conflito em 2025, e 13 membros de forças de paz da ONU haviam morrido em combate.
No dia 26 de janeiro, a ministra das Relações Exteriores da República Democrática do Congo, Thérèse Kayikwamba Wagner, denunciou a entrada de mais tropas ruandesas no país perante o Conselho de Segurança do organismo internacional. Ela afirmou que a ação era “violação aberta e deliberada” da soberania da RD Congo e “uma declaração de guerra que não se esconde atrás de truques diplomáticos”.
A representante pediu à ONU que estabelecesse sanções políticas e econômicas contra Ruanda. No mesmo dia da reunião de emergência realizada pelo Conselho, o secretário-geral da organização, António Guterres, pediu, apoiado no direito humanitário internacional, que as forças ruandesas se retirassem do território congolês e cessassem o apoio ao M23.
A ONU começou, nesse período, a retirar funcionários de Goma; e países como Estados Unidos, França, Reino Unido e Alemanha pediram que cidadãos deixassem a cidade enquanto o aeroporto e as fronteiras ainda estivessem abertos.
Tomada de Goma
Na segunda seguinte aos pronunciamentos (27/1), que ocorreram em um domingo, os combates se intensificaram: pelo menos 17 pessoas foram mortas e 367 ficaram feridas, conforme balanços de hospitais.
Ruanda afirmou que mantinha “postura defensiva” porque combates próximos à fronteira representavam “séria ameaça” à segurança e à integridade territorial do país. Um porta-voz do Exército afirmou que, também no dia 27, cinco civis ruandeses foram mortos e outros 25 ficaram feridos em uma cidade que faz fronteira com Goma.
No dia 28 de janeiro, a AFP noticiou que as embaixadas de Ruanda, França, Bélgica e Estados Unidos em Kinshasa, a capital da RD Congo, foram atacadas por manifestantes. O objetivo era denunciar ao mundo o conflito no leste do país, bem como criticar a inércia, diante da situação, dos países cujas representações foram atacadas.
No mesmo dia, o M23 tomou o aeroporto de Goma e a sede da autoridade provincial. A essa altura, o número de mortos havia subido para 100 e o de feridos para mil. Jornalistas da agência de notícias francesa reportaram “numerosos corpos de soldados e civis” espalhados pelas ruas da cidade.
A maioria dos moradores permanecia trancada nas próprias residências, há um período de então quatro dias, sem água ou energia elétrica, a fim de se protegerem de bombardeios, combates armados e saqueamentos. Depósitos de ajuda humanitária também foram saqueados.
No último dia 5 de fevereiro, uma autoridade da ONU confirmou a morte de pelo menos 2,9 mil pessoas nos combates pela captura da capital de Kivu do Norte.
“Dois mil corpos foram recuperados das ruas de Goma nos últimos dias e outros 900 estão no necrotério”, afirmou a chefe-adjunta da missão da organização internacional na RDC, Vivian van de Perre, durante uma conferência de imprensa. Na última sexta-feira (7/2), o Conselho de Direitos Humanos da ONU decidiu iniciar investigação sobre possíveis atrocidades ocorridas em decorrência do conflito.
Avanço no leste da RDC
Depois de tomarem a primeira cidade-chave do conflito, o grupo armado abriu, no dia 29, uma nova frente no leste da RDC, avançando para mais duas localidades em Kivu do Sul.
Na última terça-feira (11/2), o vice-representante das Nações Unidas para a RD Congo, Bruno Lamarquis, alertou para a aproximação de rebeldes do M23 da cidade de Bukavu. Apesar de ter declarado cessar-fogo unilateral no dia 4 de fevereiro devido a “razões humanitárias”, o grupo armado tomou a cidade de Nyabibwe, em Kivu do Sul, dias antes de cúpula em que os presidentes congolês e ruandês tentariam chegar a acordo.
Segundo a Agence France-Presse, o M23 havia afirmado, com o cessar-fogo, que não tinha intenção de tomar o controle de Bukavu ou de outras localidades — embora tivesse anunciado, na semana anterior, que pretendia seguir para Kinshasa, capital da RDC.
Neste domingo (16/2), a tomada da capital de Kivu do Sul foi oficializada.
De acordo com a AFP, as Forças Armadas Congolesas (FARDC) “pertencem a um exército mal equipado e corroído pela corrupção”, apoiado pelos capacetes azuis da Missão da ONU na RDC, por soldados da missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral no país (SAMIRDC) e por duas empresas de segurança privada.
Outros países, como Uganda e Burundi, também destacaram tropas para o leste da RD Congo com o pretexto oficial de apoiar o Exército congolês. A agência de notícias francesa, porém, destaca que as nações podem buscar estender influência sobre “uma zona que escapa cada vez mais do controle de Kinshasa”.