Em meio à constante falta de insumos e de pessoal nos postos, centros e hospitais da rede pública brasiliense, o Conselho de Saúde local (CSDF) decidiu recorrer ao Ministério Público Federal. A entidade encaminhou representação ao MPF solicitando a adoção de “medidas necessárias para restituição da ordem” no sistema de saúde público da capital do país.
O resultado da situação atual é muito claro, mortes evitáveis por total desassistência"
Trecho da representação do Conselho de Saúde do DF ao MPF
De acordo com o presidente do Conselho de Saúde local, Helvécio da Silva, a situação da rede pública no DF, hoje, é “criminosa”. “O governo não está tomando as medidas necessárias para garantir a vida da população”, acusa. “Diversas resoluções do Conselho de Saúde que foram aprovadas nos últimos anos não estão sendo colocadas em prática. Isso não pode continuar. Precisa haver uma responsabilização e uma tomada de decisão para a melhoria dos serviços”, afirma Helvécio.
Ligado à Secretaria de Saúde, mas composto por representantes tanto do governo quanto de servidores e usuários da rede pública, o conselho tem o papel de fiscalizar as políticas adotadas na área. No documento apresentado ao MPF, a entidade aponta problemas em toda a rede, como fechamento de leitos de internação e contingenciamento de cirurgias, falta de manutenção em equipamentos, além de restrições ao orçamento impostas pela Secretaria de Planejamento do DF.
Uma das unidades citadas na representação do Conselho de Saúde é o Hospital de Base (HBDF). De acordo com o documento, em abril último a diretoria do HBDF informou a entidade sobre o fechamento de leitos de internação e a diminuição de cirurgias. O motivo: “sucateamento da unidade”, com falta de profissionais, insumos básicos e medicamentos.
Como revelou matéria do Metrópoles, a falta de materiais é recorrente no Base. Um profissional que conversou com a reportagem desabafou: “A gente acaba tendo que fazer absurdos na prática clínica para poder atender os pacientes”.
Autonomia
Outro problema apontado pelo conselho ao MPF é a ausência de manutenção nas ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Segundo o CSDF, em maio, 44 veículos estavam fora de circulação por falta de conserto. E a Saúde aguarda autorização para comprar mais ambulâncias para toda a rede. O documento também cita a falha no fornecimento de internet e telefone na maioria dos estabelecimentos de saúde, por não pagamento das contas, além da insuficiência de medidas necessárias à oferta de tratamento de câncer na capital.
O conselho é crítico à gestão do orçamento da Saúde. Hoje, para investir, a área precisa do aval da Secretaria de Planejamento. “Exemplificando, os casos de vacâncias de recursos humanos dentro da legalidade de responsabilidade fiscal, independente (sic) da necessidade extrema de reposição para não acarretar fechamento de serviços de saúde, necessita de autorização dessa secretaria (Planejamento) para publicação dos nomes de concursados para substituições das vagas. Isto demora às vezes mais de seis meses”, diz trecho do documento.
Esse seria um dos principais entraves à tomada de decisões e rápida resolução de problemas em uma área onde a demora pode custar vidas. Para o conselho, é urgente que a Secretaria de Saúde volte a ter autonomia financeira, e esse pedido foi apresentado ao Ministério Público Federal. A representação, porém, ainda está sob análise no MPF, que não adiantou sua posição ao Metrópoles.
De acordo com o presidente do CSDF, Helvécio da Silva, nesta semana deve haver um encontro mediado pelo Ministério Público Federal com a presença de representantes do Executivo, do Legislativo e do Tribunal de Contas do DF para tratar da gestão da saúde pública na capital federal.
Hospital de Taguatinga
A situação apontada pela representação do Conselho de Saúde é confirmada em denúncias apresentadas por servidores da saúde pública ao Sindicato dos Médicos (SindMédicos). No Hospital Regional de Taguatinga, por exemplo, 117 leitos de internação foram fechados por falta de profissionais. Ao todo, a unidade conta com 449 leitos. Na semana passada, também era possível encontrar no HRT pacientes internados em corredores e quartos abarrotados de leitos.
O outro lado
Acionada pelo Metrópoles, a Secretaria de Saúde do DF afirmou que elabora uma resposta para as questões do Ministério Público Federal e, assegura, “os problemas existentes na Secretaria de Saúde não decorrem de falta de autonomia orçamentária. Decorrem da dificuldade financeira, dos problemas de arrecadação, que atingem não apenas o Distrito Federal, mas todo o país”.
De acordo com a pasta, vários dos problemas listados na representação do Conselho de Saúde são causados por contratos emergenciais, e a secretaria tem atuado para resolver a questão. A pasta afirma que, no ano passado, realizou 231 pregões, responsáveis pela redução de 18,56% entre o valor estimado e o valor licitado, com economia de R$ 113 milhões. Neste ano, segundo a pasta, já foram feitos 201 pregões que substituem contratos emergenciais.
A secretaria diz ainda que conseguiu liberar mais recursos junto ao Ministério da Saúde e está usando o dinheiro para quitar dívidas de gestões anteriores. Quanto à questão da falta de telefones e internet, a pasta alega que está em fase final de licitação do serviço e que denunciou diversas irregularidades à Controladoria-Geral do DF: “Não havia contrato formal de telefonia desde 2008. Para se ter uma ideia, antes a Secretaria desembolsava cerca de R$ 0,80 por minuto de ligação. Agora, pagará R$ 0,06”.
A pasta reconhece que a situação está longe de ser ideal, mas “conta hoje com seus melhores indicadores de abastecimento: 86,5% de abastecimento de medicamentos e 80,8% de materiais médico-hospitalares”, finaliza a nota.