Força feminina no agro: a luta de mulheres goianas por reconhecimento no setor

Machismo, preconceito e falta de incentivo estão entre os principais desafios daquelas que buscam o protagonismo no agronegócio

09/03/2025 07h11 - Atualizado há 3 dias
Força feminina no agro: a luta de mulheres goianas por reconhecimento no setor
Reprodução

O agronegócio brasileiro é uma das forças fundamentais na economia do país, responsável por mais de 20% do PIB nacional. O setor, que ainda é tradicionalmente considerado como “espaço masculino”, tem sofrido alterações significativas em sua composição. Dados de 2023, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que das 8,1 milhões de pessoas ocupadas nas atividades agropecuárias, 1,5 milhão (18,1%) eram mulheres. Neste novo cenário, elas deixam de ser apenas coadjuvantes e passam a desempenhar papéis essenciais para o desenvolvimento no campo. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o portal conta a história de três produtoras rurais, que enfrentam as pressões e desafios de um setor composto, em sua maioria, por homens. Dia após dia, elas quebram barreiras e conquistam seu próprio espaço, enquanto mostram que o agro também é território feminino.

Leonice Martins da Silva é uma das milhares de mulheres que lutam contra a força dessas estatísticas. Ela atua no agro há 21 anos, mais especificamente na área administrativa da Fazenda Alvorada, em Luziânia, propriedade destinada ao plantio e colheita de soja, milho-doce para conserva e tomate.

Hoje, Leonice já tem o respeito de colegas produtores. Mas nem sempre foi assim. Ela revela que seu início no agro ocorreu para ajudar o marido e o filho diante da expansão dos negócios da fazenda. Aos poucos, ela passou a se envolver nas demandas do escritório, investiu em qualificação e ganhou mais espaço.

A produtora ressalta que atuar nesta área é uma missão desafiadora, mas também muito enriquecedora. Para ela, a maior dificuldade está em conquistar credibilidade e reconhecimento pelo trabalho desempenhado.

“Por ser um ramo majoritariamente masculino, algumas vezes há dificuldade no reconhecimento do trabalho prestado. Um dos maiores desafios é a opinião da mulher não ser considerada e reconhecida como a dos homens. Às vezes, falamos algo ou damos uma ideia e aquilo não é levado com seriedade, mas quando um homem fala aquilo tem um peso e passa a ser considerado”, critica.

“A esposa de fulano”

Engenheira mecânica por formação, Ângela Maria Sebastiani Van Lieshout, presidente da Comissão das Produtoras Rurais da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), conta que também já sofreu na pele o preconceito e o machismo ao migrar para o agro na região de Silvânia e Hidrolândia.

“Quando iniciei na fazenda do meu marido, lá em 2021, não era chamada pelo meu nome. Eu era a esposa do Eduardo. Por algum tempo me chamaram assim. Ao longo dos anos, me especializei e assumi o departamento financeiro do grupo. Com muito trabalho e luta, provei o meu valor. Hoje não me chamam mais de ‘esposa do Eduardo’. Agora já reconhecem meu nome. Consegui mostrar para todos a minha importância não só dentro da fazenda, mas também para toda a região”, comenta.

Ela afirma que, apesar dos desafios diários, ser mulher no agronegócio é a maior recompensa de sua vida. “Me sinto completamente grata por ocupar meu papel no agro. Essa paixão pela terra é o que me move e me fascina. É algo que não sei viver sem. Construí meu espaço no agro e não sairei daqui”, finaliza.

36 anos no agro

Marizete Telles Tonon tem uma longa trajetória no agro. Hoje com 57 anos, ela iniciou no ramo aos 21, ao lado do marido. “Já faz 36 anos que me considero uma mulher do agronegócio”, comemora. Natural do Paraná, a produtora rural se casou com um gaúcho agrônomo e fez morada em Luziânia. Ela conta que o início não foi fácil. Em meados de 1988, a fazenda ainda não tinha energia elétrica. O asfalto ainda estava em construção.

A mulher afirma que a entrada no agronegócio aconteceu de maneira natural. “Comecei ajudando a pesar caminhões e a buscar peças em Brasília. Como tenho formação técnica em contabilidade, passei a ajudar na administração da fazenda. Hoje ainda cuido do financeiro e do departamento pessoal. Como fomos um dos pioneiros do plantio direto no Cerrado, sempre recebíamos técnicos, inclusive estrangeiros. Era parte da minha rotina acompanhar todo o funcionamento”, salienta.

Mãe de dois filhos, ela concilia as atividades domésticas com as atividades na fazenda, que produz soja, milho, trigo e uma indústria de derivados de milho para alimentação humana. Marizete pontua que a presença de mulheres no agro é essencial para o desenvolvimento no setor. “Somos mais fortes do que os homens, temos visão periférica, enxergamos o que está ao nosso redor com muita facilidade, temos visão de futuro. Só perdemos na força física. Então afirmo com toda a certeza que a participação das mulheres no agronegócio é de suma importância”.

Marizete pontua o machismo como um dos grandes desafios das produtoras rurais, mas acredita que isso pode ser superado quando as mulheres mostram suas competências. “Por isso é tão importante que mais mulheres atuem na área, mostrem são competentes e que ocupem esse espaço que também é nosso. Acredito que onde existe respeito, a parceria sempre dá certo”, afirma.

Comissão das produtoras rurais

No território goiano, a Comissão das Produtoras Rurais da Faeg atua para conectar e capacitar mais mulheres. A presidente da comissão, Ângela Maria Sebastiani Van Lieshout, diz que é notório o aumento de mulheres no agronegócio.

“Há pouco tempo, a gente via menos agrônomas, menos técnicas, menos representantes nos visitando nas fazendas. Hoje isso é uma coisa comum. A gente tem contato direto com elas desempenhando seus papeis não só nas fazendas, mas também em multinacionais, atuando em suas funções no agro com muito respeito”, pontua.

Segundo Ângela, a comissão abrange pequenas, médias e grandes produtoras. O objetivo é dar suporte no aprendizado, incentivo e união entre a categoria. “A grande mensagem que passamos é de que a mulher tem um papel fundamental em tudo aquilo que se propõe a fazer”. Ela ressalta que o foco é mostrar que não só maridos, pais e irmãos são produtores, mas que as mulheres também podem atuar nos campos e administração de fazendas.

Conforme explica ela, a ampliação do círculo de conexão faz com que mais mulheres estejam no agronegócio. “É dando a mão umas para as outras que nós vamos incentivar as produtoras e deixá-las prontas e seguras para o dia-a-dia do agro, que é desafiador, mas muito prazeroso. O nosso foco”.

Proteção de mulheres goianas no agro

De acordo com a presidente, a comissão também trabalha no sentido de garantir a segurança das mulheres da zona rural. Desde dezembro de 2023, por exemplo, há em Goiás o projeto ‘Segurança da Mulher no Campo’, que foi instituído após uma parceria entre o Batalhão Maria da Penha, o Batalhão da PM Rural e a Faeg.

“Nós procuramos os batalhões para criar um projeto que traga segurança para as mulheres, que estão nas fazendas e ficam longe de todos os recursos. Às vezes não tem um vizinho para ver que ela está sendo agredida, não tem essa alternativa de pedir socorro rápido, mas com esse programa as mulheres têm um número de WhatsApp para acionar quando estiverem em uma situação de violência”, disse.

Ângela ainda pontuou que o objetivo do programa é quebrar o ciclo da violência, além de evitar casos ainda mais graves como os feminicídios. “O principal motivo do feminicídio é a falta de informação. Muitas vezes a mulher não sabe que ela está vivendo a violência e que forma de violência, porque já está num ciclo vicioso. Então trazer a informação e dar esse suporte é fundamental para elas conseguirem se libertarem e quebrarem esse ciclo da violência”.


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