Como ameaças de Trump colocaram eleição na Groenlândia sob holofotes

Promessa de Donald Trump de assumir o controle da Groenlândia colocou as eleições da ilha sob os holofotes internacionais

12/03/2025 06h44 - Atualizado há 10 horas
Como ameaças de Trump colocaram eleição na Groenlândia sob holofotes
- (crédito: Reuters)

Donald Trump disse novamente que queria que os EUA obtivessem a Groenlândia 'de uma forma ou de outra' em seu discurso no Congresso na semana passada.

Moradores da Groenlândia vão às urnas em uma eleição que, em anos anteriores, atraiu pouca atenção internacional — mas que pode ser decisiva para o futuro do território ártico.

O interesse repetido do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em comprar a Groenlândia colocou a ilha sob os holofotes e reacendeu o antigo debate sobre seus laços com Copenhague.

"Nunca houve um holofote como este sobre a Groenlândia antes", afirma Nauja Bianco, especialista em políticas árticas dinamarquesa-groenlandesa.

A Groenlândia está sob controle da Dinamarca — a quase 3 mil km de distância — há cerca de 300 anos. O território administra seus próprios assuntos internos, mas decisões sobre política externa e de defesa são tomadas em Copenhague.

Agora, cinco dos seis partidos na disputa defendem a independência da Groenlândia em relação à Dinamarca, diferindo apenas sobre a velocidade com que isso deve ocorrer.

A votação ocorre ao longo de 11 horas em 72 seções eleitorais e termina às 20h do horário local desta terça-feira (19h, no horário de Brasília).

O debate sobre a independência foi reacendido com força por Trump, diz Masaana Egede, editor do jornal groenlandês Sermitsiaq.

A localização estratégica da ilha e seus recursos minerais inexplorados atraíram a atenção do presidente norte-americano. Ele sugeriu pela primeira vez a compra da Groenlândia em seu primeiro mandato, em 2019.

Desde que reassumiu o cargo em janeiro, Trump reiterou sua intenção de adquirir o território. Líderes da Groenlândia e da Dinamarca rejeitaram repetidamente suas propostas.

Ao discursar no Congresso dos EUA na semana passada, no entanto, Trump voltou a insistir: "Precisamos da Groenlândia por razões de segurança nacional. De um jeito ou de outro, vamos conseguir", declarou, recebendo aplausos e risos de vários políticos, incluindo o vice-presidente JD Vance.

Em Nuuk, as declarações provocaram reações imediatas de políticos locais. "Merecemos ser tratados com respeito, e não acho que o presidente americano tenha feito isso ultimamente, desde que assumiu o cargo", afirmou o primeiro-ministro Mute Egede.

Ainda assim, o interesse dos EUA alimentou os apelos para que a Groenlândia se separe da Dinamarca, com grande parte do debate centrado em quando — e não se — o processo de independência deve começar.

A meta de independência da Groenlândia não é nova, lembra Nauja Bianco, e vem sendo construída há décadas.

Uma série de revelações sobre abusos cometidos contra os inuítes por parte dos dinamarqueses impactou negativamente a opinião pública groenlandesa sobre a Dinamarca.

No início deste ano, o premiê Egede afirmou que o território deveria se libertar das "amarras do colonialismo".

Mas é a primeira vez que o tema assume o centro do debate em uma eleição.

O Inuit Ataqatigiit (IA), partido do primeiro-ministro Mute Egede, defende uma transição gradual para a autonomia. "Os cidadãos precisam se sentir seguros", disse ele à imprensa local.

O especialista em Ártico Martin Breum avalia que a forma como Egede lidou com o desafio de Trump e suas críticas contundentes à Dinamarca pelos abusos coloniais do passado "lhe trarão muitos votos".

Partidos menores também podem ganhar espaço e alterar alianças.

O partido de oposição Naleraq quer iniciar imediatamente o processo de separação de Copenhague e defende relações mais estreitas com Washington na área de defesa.

Apontando para a saída da Groenlândia da União Europeia e o Brexit, o líder do Naleraq, Pele Broberg, afirmou que a ilha pode estar "fora do reino dinamarquês em três anos".

O Naleraq é o partido com o maior número de candidatos e vem ganhando força ao surfar a onda de insatisfação com a Dinamarca.

"O Naleraq também será um fator maior no parlamento", prevê Breum, que destaca o bom desempenho dos candidatos do partido na TV e nas redes sociais.

Já o partido de centro-direita Demokraatit acredita que ainda é cedo para buscar a independência.

"A economia precisa estar muito mais forte do que está hoje", disse o candidato Justus Hansen à agência Reuters.

A economia da Groenlândia é baseada na pesca, e os gastos do governo dependem de subsídios anuais da Dinamarca.

Segundo o editor Masaana Egede, o debate sobre Trump e a independência acabou ofuscando outros temas importantes para os eleitores.

"É uma eleição na qual deveríamos estar falando sobre saúde, cuidado com os idosos e problemas sociais. Mas quase tudo gira em torno da independência."

Pesquisas recentes indicam que quase 80% dos groenlandeses apoiam medidas rumo à soberania plena.

Cerca de 44 mil pessoas estão aptas a votar. Com um eleitorado pequeno e poucas pesquisas, os resultados são difíceis de prever.

Embora a maioria dos groenlandeses apoie a independência, um levantamento mostrou que metade perderia o entusiasmo caso isso significasse uma queda no padrão de vida.

Uma pesquisa indicou que 85% dos cidadãos não desejam que a Groenlândia se torne parte dos Estados Unidos, e quase metade vê o interesse de Trump como uma ameaça.

Uma das preocupações entre os groenlandeses, segundo Masaana Egede, é por quanto tempo a ilha conseguiria se manter independente — e se não acabaria trocando a Dinamarca por outro país "de pé nas nossas costas, pronto para assumir o controle".

Especialistas apontam que esse temor pode levar parte do eleitorado a preferir a manutenção do status quo.

Embora o direito da Groenlândia à autodeterminação esteja garantido pela Lei de Autonomia de 2009, vários passos ainda precisam ser dados antes de uma separação formal da Dinamarca, incluindo a realização de um referendo.

Isso significa que a independência total pode levar "cerca de 10 a 15 anos", afirma Kaj Kleist, veterano político e servidor público groenlandês que ajudou a redigir a Lei de Autonomia.

"Há muita preparação e negociação com o governo dinamarquês antes de isso se tornar realidade", completa.

Seja qual for o resultado da eleição, especialistas não acreditam que a Groenlândia possa se tornar independente antes do fim do segundo mandato de Trump, em 2028.

Os resultados devem ser divulgados nas primeiras horas desta quarta-feira.


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