8 retratos fantasmagóricos que estavam escondidos em obras-primas

Só no mês passado, retratos misteriosos foram encontrados escondidos em obras-primas de longa data de Ticiano e Picasso. O que eles e descobertas semelhantes revelam?

24/03/2025 07h33 - Atualizado há 1 semana
8 retratos fantasmagóricos que estavam escondidos em obras-primas
'Ecce Homo', de Ticiano, 1570-75 - (crédito: The Cyprus Institute)

Algo estranho está acontecendo.

Aparentemente, vêm surgindo de tempos em tempos notícias sobre alguma descoberta sensacional no mundo da arte. Elas incluem pinturas escondidas sob outros quadros e rostos desvanecidos que surgem abaixo do verniz de obras-primas que pensávamos conhecer milimetricamente.

Somente no último mês, veio a público a detecção de misteriosas figuras capturadas abaixo da superfície de obras de Ticiano (c.1489-1576) e Pablo Picasso (1881-1973).

Mas como devemos tratar esta coleção de olhares secretos, que não para de crescer – estas presenças antes inexistentes que, ao mesmo tempo, nos encantam e perturbam?

No início de fevereiro, pesquisadores dos Laboratórios de Caracterização da Arte Andreas Pittas, do Instituto Cyprus, em Chipre, revelaram terem comprovado a existência, usando formação avançada de imagens e um novo scanner multimodal combinando diferentes técnicas, de um retrato de cabeça para baixo de um homem de bigode segurando uma pena, embaixo do quadro Ecce Homo (1570-75), do mestre do Renascimento italiano Ticiano.

Superficialmente, a tela de Ticiano retrata um Jesus enlameado, com as mãos amarradas com cordas, ombro a ombro com o governador romano Pôncio Pilatos, suntuosamente vestido e que viria a condená-lo à morte.

Mas o que faz aqui este estranho e anacrônico escriba que foi apagado? E o que ele está tentando nos dizer?

A existência do retrato oculto, que emerge de forma imperceptível através do craquelê – aquelas rachaduras fascinantes que se formam nas pinturas dos antigos mestres – foi descrita pela primeira vez pelo historiador da arte Paul Joannides. E seu significado para a narrativa da superfície não é nada casual.

A identidade da perturbadora figura ainda não foi determinada, mas ela claramente ajudou a formar a dolorosa composição artística que a manteve oculta pelos últimos 450 anos.

A análise da materialidade das camadas de pintura no Instituto Cyprus demonstrou que os contornos do rosto da figura escondida determinaram a curvatura das cordas que amarram as mãos de Jesus, estabelecendo notas harmônicas entre as sucessivas composições, aparentemente opostas.

Este sentido de colaboração silenciosa entre as camadas de tinta – entre o que existe hoje e o que havia antes – é ainda mais surpreendente no semblante oculto de uma mulher encontrado pelos reparadores do Instituto Courtauld de Arte, em Londres, atrás de uma pintura do Período Azul de Pablo Picasso – um retrato do escultor e amigo do artista Mateu Fernández de Soto (1901).

Também descoberto utilizando tecnologia de geração de imagens por infravermelho, o retrato da mulher, ainda não identificada, é traçado em estilo anterior, mais impressionista. Quando trazida à superfície, ela parece estar sussurrando no ouvido do escultor, como se o passado e o presente houvessem se unido em um único momento interrompido.

Na maioria dos casos, esses retratos ocultos são apenas os fantasmas de composições rejeitadas que não se destinavam a ser exibidas. E elas não teriam sido observadas sem a ajuda de ferramentas avançadas de geração de imagens, que permitem aos especialistas espreitar com segurança abaixo da tinta, sem danificar a superfície da obra.

Os raios X revelam os desenhos ocultos e a reflectografia de infravermelho consegue expor detalhes sutis que foram mascarados pelo antigo verniz.

Estes detalhes, quando observados, não podem ser esquecidos. Depois de descobri-los, é preciso analisá-los.

Apresentamos uma curta relação de alguns dos retratos mais interessantes e misteriosos já encontrados, inquietos e implacáveis, atrás de obras-primas conhecidas.

Muitos deles são autorretratos. São presenças perturbadoras que permanecem para sempre em mundos distantes e, ao mesmo tempo, imensamente próximas.

Quando pensamos em Rembrandt (1606-1669), logo nos lembramos daquele reino escuro e imperecível onde seus modelos se sentam de forma atemporal – um eterno palco sombrio criado com carvão.

O nome de Rembrandt certamente não nos faz imaginar alegres tons de verde e vermelho berrante que coloquem fogo no espaço, com forte vibração e entusiasmo.

Mas foi exatamente isso o que os pesquisadores encontraram, quando submeteram a obra do mestre holandês, Um Velho em Traje Militar, à macrofluorescência de raios X (MA-XRF, na sigla em inglês) e reflectografia de infravermelho.

Capturado atrás da meditação de Rembrandt sobre a mortalidade, o vertiginoso fantasma de um jovem vistoso de roupa vermelha não convencional e incorrigíveis tons de verde amplifica a pungência da obra de arte.

Em alguns quadros, quanto mais observamos, menos sabemos. Um exemplo é o retrato de Santa Catarina de Alexandria, pintado por Artemisia Gentileschi (1593-c.1656).

A análise de raio X da obra da artista barroca italiana, realizada em 2019, revelou que ela começou a obra como um autorretrato, muito similar a outra obra com nome similar, Autorretrato como Santa Catarina de Alexandria, iniciado aproximadamente em 1615.

Separar os rostos das duas obras é um trabalho delicado, mas os estudiosos agora acreditam que a obra final – com um turbante no lugar da coroa e um olhar penetrante em vez de piedoso e celestial – mistura elementos da própria artista com os de Catarina de Médici (1593-1629), filha do grão-duque Fernando de Médici (1549-1609), que encomendou a obra.

O resultado é a prova de que o artista pode ser capaz de abandonar uma pintura, mas a pintura nunca pode abandonar completamente o artista.

Caravaggio (1571-1610) assinou apenas um quadro durante toda a sua vida. E o fez com repulsivo talento, em um rabisco com sangue na parte inferior da sua maior pintura, A Decapitação de São João Batista (1608).

Mas esta não foi a única vez em que o mestre italiano inseriu um semblante de si próprio nas suas pinturas.

Em 2009, utilizando reflectografia avançada, estudiosos penetraram nas rachaduras da superfície do retrato de Baco, o deus romano do vinho, feito por Caravaggio. Eles redescobriram um minúsculo autorretrato escondido no reflexo do jarro – um detalhe quase subliminar que os trabalhos grosseiros de restauração haviam obscurecido depois da descoberta do retrato dentro do retrato, em 1922.

Esta estranha selfie distorcida no recipiente de vinho – que às vezes você vê e, às vezes, não – é fundamental para o significado da obra. Ela destaca os temas da ilusão embriagada e identidade elástica, essenciais para a pintura de Caravaggio.

Superficialmente, Jovem maquiando-se é uma meditação divertida sobre a sobreposição entre o tema e o estilo.

Aqui, Georges Seurat (1859-1891) emprega sua pioneira técnica pontilhista, utilizando incontáveis pontos minúsculos para ilustrar sua amante, Madeleine Knobloch (1868-1903), enquanto ela espalha uma nuvem de pó pelo rosto.

As pinceladas parecem girar pelo ar e preenchê-lo – metaforicamente, também lançando pó sobre as pessoas que pararem para admirar a obra.

Os pontos habilmente aplicados revelam e apagam as imagens em igual medida, como se conjurassem um mundo apenas para apagá-lo em seguida.

A sensação de brilhante obliteração se intensifica com a descoberta de um autorretrato escondido, o único conhecido de Seurat. Ele fica na janela aberta que, posteriormente, o artista escondeu atrás de outro conjunto de pontos que ilustra um vaso de flores – um ponto muito interessante do quadro.

Certas pessoas se recusam a serem esquecidas, não importa o quanto você as apague da memória. E o famoso Retrato de uma Menina, do pintor modernista italiano Amedeo Modigliani (1884-1920), inegavelmente, é um desses casos.

Alguns estudiosos suspeitam que o retrato de corpo inteiro de uma mulher, oculto atrás da imagem visível, pode ilustrar uma ex-amante com quem Modigliani terminou um relacionamento um ano antes.

Em 2021, dois candidatos a PhD da Universidade de Londres utilizaram inteligência artificial para reconstruir o retrato oculto, que relembra claramente a ex-musa e amante do pintor, Beatrice Hastings (1879-1943).

A identidade das duas mulheres, a aparente e a oculta, ainda aguarda confirmação, mas as camadas sobrepostas reforçam temas de ocultação e dissimulação na obra de Modigliani.

Os dois homens seguram pequenas pinturas emolduradas embaixo do braço, enquanto andam em direção um ao outro.

A trajetória dos seus passos sugere que a colisão iminente não ocorrerá por pouco – mas, sim, haverá uma espécie de eclipse, quando um dos homens deslizar atrás do outro com seu quadro.

De certa forma, parece apropriado que, nesta pintura de quadros que se sobrepõem, a reflectografia de infravermelho tenha encontrado outra pintura oculta sob sua superfície: o retrato de uma mulher misteriosa, que possui forte semelhança com a esposa do artista, Georgette, mas com características totalmente distintas.

A descoberta do retrato escondido simplesmente coloca em evidência como decifrar a dualidade da obra de um artista conhecido pelas suas imagens provocantes e traiçoeiras.

 

 


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