Investigação mostra como o principal escândalo de corrupção do Distrito Federal pode ter sido construído sobre provas ilegais
. O Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF) decidiu, no início de abril, que as principais provas que sustentaram a denúncia — vídeos e áudios gravados pelo delator Durval Barbosa — são ilícitas. A Corte determinou a exclusão e a destruição desse material, abrindo caminho para uma possível reviravolta no processo que transformou José Roberto Arruda, então governador, de uma das principais lideranças políticas do Centro-Oeste em símbolo da corrupção.
A decisão, no entanto, não encerra a ação penal. O TRE-DF negou o trancamento do processo, que continuará tramitando na 1ª Zona Eleitoral do DF. Caberá ao juiz de primeira instância analisar os elementos restantes da denúncia e decidir se há ou não indícios suficientes para a condenação dos réus.
A implosão das provas centrais
Segundo os desembargadores, as gravações feitas por Durval Barbosa entre 2006 e 2009 “carecem de cadeia de custódia íntegra”, apresentam “interrupções não justificadas” e não possuem os arquivos originais. Ou seja, as imagens e áudios, que mostrariam supostos pagamentos de propina e distribuição de dinheiro a políticos, não atendem aos requisitos legais mínimos para serem consideradas provas válidas.
Entre as gravações anuladas estão:
• O vídeo em que Durval entrega uma maleta com supostos R$ 400 mil ao então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel;
• A filmagem na Residência Oficial de Águas Claras, onde Durval informa a Arruda que havia “seiscentos e vinte e oito” mil reais em caixa, ao que o governador responde: “Hoje tem disponível isso aqui?”;
• Gravações feitas com equipamentos da Polícia Federal, interrompidas por supostos “problemas técnicos” ou pelo próprio delator, que alegou “desconforto” ao desligar os aparelhos.
A fragilidade dessas provas já era questionada por especialistas há anos, mas somente agora, após análise técnica detalhada, o TRE-DF reconheceu sua ilegalidade. O efeito é devastador para a acusação, que construiu grande parte da narrativa do escândalo com base nesses vídeos.
A transferência do processo e o novo rumo na Justiça Eleitoral
Outro ponto chave dessa reviravolta foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2023, de transferir as ações da esfera criminal para a Justiça Eleitoral. A mudança ocorreu após entendimento de que os crimes investigados estavam relacionados ao financiamento irregular de campanhas, e não exclusivamente à corrupção administrativa.
Na prática, essa transferência trouxe um novo olhar jurídico sobre o caso. A Justiça Eleitoral é mais rigorosa quanto à admissibilidade de provas, especialmente quando obtidas por meios clandestinos ou sem autorização judicial. Foi nesse contexto que a defesa dos réus conseguiu demonstrar que as gravações estavam comprometidas.
Arruda: vítima ou vilão?
José Roberto Arruda, que já foi senador, deputado federal e governador do DF, voltou a usar as redes sociais para criticar o Judiciário. “Sempre na véspera da eleição, eu sou tirado”, declarou. Segundo ele, os oito anos de punição que o tornaram inelegível nunca começaram a ser contados oficialmente, e há 15 anos está afastado da política.
Fontes próximas ao ex-governador ouvidas pela Agenda Capital afirmam que Arruda estuda novas medidas judiciais para reverter sua inelegibilidade. Com a principal prova da acusação desconsiderada, seus advogados acreditam que há margem para reabilitação eleitoral já nas eleições de 2026 — ou até antes.
Efeitos colaterais e suspeitas de uso político
O caso da Caixa de Pandora se tornou um marco na política do DF, mas também levanta suspeitas sobre o uso político de investigações e denúncias mal fundamentadas. O escândalo serviu como justificativa para o afastamento de Arruda em 2010, sua prisão preventiva e a ascensão de novos grupos políticos ao Palácio do Buriti.
A decisão do TRE-DF não inocenta os réus automaticamente. Mas escancara que o maior escândalo político do DF pode ter se sustentado em provas frágeis, colhidas à margem da legalidade. A história, ao que tudo indica, ainda não acabou