O julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua A Justiça em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), não será o primeiro em que o ministro Luiz Fux discorda de uma pena estipulada por Alexandre de Moraes no âmbito das investigações dos atos golpistas de 8 de Janeiro.
A análise do caso Débora, que se tornou uma espécie de símbolo da direita contra as penas elevadas de Moraes, será retomada na Primeira Turma no próximo dia 25, no plenário virtual.
No mês passado, Fux pediu vista, suspendeu o julgamento de Débora, disse que em “determinadas ocasiões” se depara “com pena exacerbada” aos condenados do 8 de Janeiro – e avisou que, por isso mesmo, vai propor a redução da pena, ou seja, vai “rever a dosimetria” da condenação de 14 anos que Moraes quer impor à cabeleireira de Paulínia (SP).
Mas, em março passado, Fux já fez o mesmo, no caso de outro réu envolvido nos atos de 8 de janeiro: um ex-assessor do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), o empresário João Paulo de Souza Cavalcante.
No julgamento, realizado na Primeira Turma, Moraes também propôs a pena de 14 anos de prisão e Fux discordou. Embora todos os cinco ministros da Primeira Turma tenham votado pela condenação, Fux e Cristiano Zanin defenderam uma pena de 11 anos para Cavalcante.
Em 8 de Janeiro de 2023, Cavalcante invadiu o Congresso Nacional e fez questão de registrar o ataque à sede do Poder Legislativo em vídeos gravados por ele próprio. Três anos antes, ele havia disputado o cargo de vereador na Câmara Municipal de Goiânia (GO) em 2020 pelo Democracia Cristã, mas obteve apenas 1.523 votos e não se elegeu.
“É isso aí, pessoal. Agora! Congresso Nacional, Brasília, dia 8 de janeiro de 2023. Olha só, galera, como é que tá aqui! O Congresso Nacional ocupado. Tamo chegando. Galera, agora é guerra, viu? Precisamos de homens de coragem. Nossa República não vai cair! Vamo”, disse em um dos vídeos, postados em seu perfil nas redes sociais
Em depoimento, Cavalcante admitiu que entrou na chapelaria do Congresso Nacional e que apagou fotos e vídeos do seu celular por temer o avanço das investigações. Os investigadores também descobriram que ele compartilhou na sua lista de transmissão do WhatsApp mensagens referentes a caravanas saindo de Goiânia com destino a Brasília para participar das manifestações antidemocráticas
O primeiro a abrir divergência com Moraes nesse caso foi Zanin, afirmando que as “condutas concretamente demonstradas nos autos” contra Cavalcante são “menos gravosas quando comparadas com a situação de outros acusados”.
Argumentou, ainda, que o réu não “registra antecedentes penais significativos, inexistindo condenações criminais transitadas em julgado em seu desfavor capazes de autorizar o aumento da pena”.
Ao aderir à posição de Zanin, Fux limitou-se a depositar no plenário virtual um voto de seis linhas em que informava acompanhar as “mesmas ressalvas lançadas” pelo colega quanto à dosimetria.
Esse precedente tem sido lembrado nos bastidores do Supremo para mostrar o não alinhamento automático de Fux às penas de Moraes.
Cabeleireira pode ser condenada a 14 anos
Os casos de Cavalcante e de Débora trazem paralelos, por envolverem personagens sem antecedentes graves que não se envolveram diretamente nos episódios mais violentos de destruição do patrimônio público em Brasília.
Até agora, apenas Flávio Dino acompanhou o entendimento de Moraes de condenar à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos por associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado – os mesmos crimes pelos quais o ex-assessor de Gayer foi condenado no mês passado.
Além de Fux, ainda faltam se posicionar sobre o caso da cabeleireira a ministra Cármen Lúcia e o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin Martins – mas até a conclusão do julgamento, em 6 de maio, é possível que os magistrados que já votaram mudem seus votos.
“Quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava. Quero analisar. Sei que Vossa Excelência tem sua opinião, mas acho que os juízes têm sempre de refletir sobre os seus erros e acertos. É preciso que nós tenhamos essa capacidade de refletir”, disse Fux ao se dirigir a Moraes e comentar o pedido de vista que havia feito no caso da cabeleireira, durante o julgamento em que votou pelo recebimento da denúncia contra Bolsonaro por golpe de Estado.
Para interlocutores de Fux, o pedido de vista no caso de Débora serviu para diminuir a temperatura e evitar ainda mais desgaste para o Supremo enquanto se desenrolava o julgamento da denúncia contra Bolsonaro e outros sete acusados do “núcleo crucial” da trama golpista, considerado um dos mais importantes da história recente da Corte.