20/08/2017 às 15h29min - Atualizada em 20/08/2017 às 15h29min

Serviços suspensos no Hospital de Base. 'Bate um sentimento de revolta

O conselho administrativo do IHBDF será formado por 11 integrantes, sendo o secretário de Saúde o presidente.

Por OTÁVIO AUGUSTO-Correio Braziliense

Cirurgias cardíacas de alta complexidade, transplantes de fígado, operações ortopédicas e tratamentos oncológicos estão comprometidos na maior unidade do Distrito Federal. 

 

Ao ser transformado em instituto, o Hospital de Base, o primeiro na capital a ter o modelo de administração, terá de estancar uma crise que parece não ter fim. A celeuma é tamanha que, atualmente, pelo menos quatro serviços estão suspensos ou interrompidos parcialmente na maior unidade médica do Distrito Federal. Cirurgias cardíacas de alta complexidade, transplantes de fígado, operações ortopédicas e tratamentos oncológicos são alguns exemplos. A Secretaria de Saúde espera que, em junho de 2018, a situação tenha sido pelo menos atenuada, mas admite que é preciso tempo para erradicar os problemas.

 

Faltam insumos, equipamentos e profissionais. Para se ter dimensão do impacto, por semana, até 10 pacientes eram operados de doenças graves no coração. Hoje, essas pessoas são realocadas na fila de espera e encaminhadas para unidades contratadas, como o Instituto de Cardiologia e o Hospital Universitário de Brasília (HUB). Esse último recebe a demanda de tratamento oncológico.

 

As filas estão cada vez maiores. São 800 pessoas à espera de radioterapia e 150, para cirurgia cardiológica. “O reflexo das licitações, dos novos contratos, não aparecem agora. Mas vamos deixar esse legado para a população. Em relação às cirurgias mais complexas, vamos restabelecer, nos primeiros seis meses de 2018, com as contratações e o fortalecimento da estrutura”, detalha o secretário adjunto de Gestão em Saúde e diretor-geral do Hospital de Base, Ismael Alexandrino.

 

O gargalo esbarra em leitos bloqueados e na falta de profissionais de enfermagem — cerca de 500 cargos estão vagos na unidade médica. Não há sequer perfusionista na Secretaria de Saúde — esse profissional opera máquina que faz circular o sangue de pacientes cardíacos. “Para se criar essa carreira, é necessário que um projeto de lei seja aprovado pela Secretaria de Planejamento, além de fazer o concurso. Todo o processo levaria cerca de dois anos”, explica Ismael. Em 2015, os dois últimos profissionais deixaram o Hospital de Base. Um se aposentou. O outro pediu demissão. O único procedimento cardiovascular possível na unidade é a implantação de marcapasso.

 

“Revolta”

Por dois dias, o Correio acompanhou atendimentos na emergência e no ambulatório. No local onde se marcam consultas e cirurgias, os pacientes esperam sentados nos bancos de concreto. Uma dessas pessoas era a merendeira Luciene Pires Machado, 56 anos. Na última sexta-feira, ela enfrentou a fila para agendar o retorno com seu médico. Voltou para casa, em Valparaíso, distante 40km do Plano Piloto, sem a consulta.

 

Há três meses, ela corre contra o tempo, pois tem uma síndrome que causa arritmia no coração. O descompasso faz com que o sangue não circule com eficiência. Quando isso acontece, ela pode desmaiar e morrer se, em alguns minutos, o ritmo cardíaco não for normalizado. “Eu fiz rapidamente os exames no Instituto de Cardiologia, mas não consigo desenrolar o restante. O médico disse que preciso operar logo”, reclama. Na terça, ela volta ao Base. “Bate um sentimento de revolta.”

 

A situação se repetiu com a costureira Gessiana Vaz, 61. Há 10 anos, ela passou por um cateterismo e, agora, o coração voltou a falhar. Ela pagou pelos exames, mas não tem como arcar com a cirurgia. “Tem de melhorar o fluxo dos pacientes. Os médicos são ótimos, mas não conseguem dar celeridade às cirurgias e aos tratamentos. Dá uma tristeza quando a gente não consegue a consulta ou o exame, mas é triste, também, para o profissional que sabe que o paciente dele pode morrer ou ter complicações.”

 

Na sexta-feira, a reportagem deixava a 102 Sul, onde fica a unidade de saúde, quando a tradutora Tatiana Cristina da Silva, 25, chegou com muita dificuldade. Sozinha, ela se amparava em uma muleta. Era a quarta vez que ia ao Hospital de Base. Um problema no joelho direito ainda não diagnosticado provavelmente exigirá uma operação. Contudo, antes, ela precisa de uma ressonância magnética. O aparelho do Base está quebrado. “O meu médico me falou que será um tratamento difícil. A maior parte dos pacientes vai para casa sem atendimento”, critica Tatiana.

 

Para saber mais

Contratação pela CLT

O conselho administrativo do Instituto Hospital de Base será formado por 11 integrantes, sendo o secretário de Saúde o presidente. Cinco postos serão indicados pelo governador Rodrigo Rollemberg. A Câmara Legislativa, o Conselho de Saúde, a Associação de Pacientes, a sociedade civil e os sindicatos da saúde indicam um nome, cada. Os novos profissionais serão contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Terão de bater metas e poderão ser demitidos. O governo deverá divulgar balanço de atendimentos e prestar contas, anualmente, até março. Haverá auditorias externas para analisar os dados. A intenção do governo é de que a troca na gestão seja concluída na primeira semana de 2018.

 

Balanço

 

800-Pessoas com câncer na fila de espera da radioterapia

 

 

150-Pacientes que aguardam a marcação de cirurgias cardiológicas

 

 

500-Total de servidores que faltam no Base

 

 Aposta imprevisível para o setor público

 

A decisão inédita de transformar um hospital público do DF em instituto, administrado por conselheiros, é polêmica, gera retaliações de sindicatos e provoca conflito entre estudiosos de gestão da saúde. Segurança, só a equipe da Secretaria de Saúde. A professora da Universidade de Brasília (UnB) Helena Eri Shimizu, especialista em políticas e gestão de serviços de saúde, explica que o Hospital de Base é um retrato ampliado do que ocorre em todas as unidades. “O Base sofre com a falta de organização e de planejamento há muito tempo. O sucateamento tem essa origem. A má gestão, com a questão financeira muito grave, levou essa situação ao limite”, destaca.

 

Helena não acredita que a reforma na administração da unidade suprirá todas as necessidades. “É uma aposta arriscada. Esse rearranjo na forma de gestão é frágil. É um risco muito grande um grupo contratar, organizar e determinar as prioridades, fugindo das regras da administração pública. Muita coisa no modelo convencional atrapalha e está atrasada, mas, ao mesmo tempo, há mecanismos que trazem segurança”, conclui. Semana passada, a Secretaria de Saúde trocou o diretor do Hospital de Base para acelerar a transição da unidade para o conselho administrativo, que assume em 2018.

 

Flávio Goulart, pesquisador do Observatório da Saúde do DF, pensa de outra forma. Ele avalia que a forma de gerir atual fracassou e que ela não levará a outro caminho, a não ser o do caos. Flávio participou de algumas reuniões e debates sobre a criação do instituto. “Falta autonomia da gestão. Os problemas, alguns muito antigos, são consequência do modelo falido”, avalia. O especialista alerta que, mesmo sendo uma alternativa viável, é preciso monitoramento frequente. “A vigilância em cima dos dirigentes é essencial para o sucesso”, analisa.


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