MP aponta cachês até 78% acima do esperado em shows financiados com emendas parlamentares em Campinas; veja quais

Juntas, contratações somam R$ 763 mil e envolvem artistas como Frank Aguiar, Negritude Júnior e Cleiton e Camargo.

26/04/2025 08h50 - Atualizado há 7 horas
MP aponta cachês até 78% acima do esperado em shows financiados com emendas parlamentares em Campinas; veja quais
Primeira sessão ordinária de 2024 da Câmara Municipal de Campinas (SP) — Foto: Câmara Municipal de Campinas

Com cachês até 78% acima dos valores de mercado, nove contratações de shows feitas no ano passado com recursos de emendas parlamentares em Campinas (SP) são alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Um relatório elaborado pelo Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx), do MP-SP, apontou “incompatibilidade de preços praticados por diversas empresas que firmaram contratos na área de eventos junto ao município”.

Para chegar a essa conclusão, o parecer comparou os preços praticados em Campinas com os valores de contratos semelhantes em outros municípios. Juntas, essas contratações somam R$ 763 mil e envolvem artistas como Frank Aguiar, Negritude Júnior e Cleiton e Camargo.

Com base nesse levantamento, a promotora Cristiane Hillal, em despacho de março deste ano:

•             pediu que a prefeitura enviasse cópias dos contratos firmados com as empresas ou artistas e justificasse a diferença de preços;

•             marcou para o dia 9 de abril um depoimento (oitiva) virtual com a Secretaria de Cultura; e

•             marcou para esta terça-feira (22), às 14h, oitivas com os artistas envolvidos.

As emendas parlamentares sob investigação foram assinadas pelos então vereadores Marcelo da Farmácia (PSB), Edison Ribeiro (União), Fernando Mendes (Republicanos), Nelson Hossri (PSD) e Arnaldo Salvetti (MDB).

Destes, Marcelo da Farmácia e Fernando Mendes não se reelegeram nas eleições de outubro do ano passado. Os vereadores Arnaldo Salvetti, Nelson Hossri e Edison Ribeiro seguem na Câmara Municipal.

O g1 entrou em contato com todos os vereadores e fornecedores citados na investigação, além do Ministério Público, da Secretaria de Cultura de Campinas e da Câmara Municipal. A reportagem será atualizada conforme as manifestações dos envolvidos.

Em nota, a Prefeitura de Campinas esclareceu que todas as contratações seguiram os trâmites legais e que os valores dos cachês foram estabelecidos com base em comprovações de preços praticados no mercado. Leia a íntegra abaixo.

Entenda a investigação

O Ministério Público Estadual instaurou, em fevereiro de 2024, um inquérito civil para apurar a suspeita de superfaturamento e direcionamento do dinheiro público de emendas parlamentares destinadas à área da Cultura em Campinas.

Na portaria que instaurou o procedimento, constavam como investigados os 32 vereadores de Campinas que destinaram alguma verba para a contratação de shows. A Prefeitura de Campinas e a Câmara Municipal não eram alvos do inquérito.

 ENTENDA: emendas são partes do orçamento municipal que os vereadores podem alocar em ações ou atividades da escolha deles. Em 2024, R$ 91,9 milhões foram reservados aos parlamentares.

Segundo o Ministério Público, investigações preliminares apontaram um aumento expressivo na destinação de emendas à Cultura: de R$ 8,0 milhões em 2023 para R$ 14,4 milhões em 2024. Além disso, outras duas suspeitas foram encontradas:

•             contratação de artistas e empresas agenciadores repetidos entre os vereadores, indicando “possível favorecimento e desvio de recursos públicos”; e

•             pagamento de altos valores para esses artistas, com cachês que passam de R$ 100 mil, o que, segundo o MP, pode indicar um superfaturamento.

O inquérito ocorre no âmbito cível e, por isso, caso seja encontrada alguma irregularidade, o investigado pode responder por improbidade administrativa ou ato lesivo ao poder público.

Além do procedimento, a Promotoria também recomendou à época que a Secretaria Municipal de Cultura suspendesse o pagamento das emendas acima de R$ 100 mil destinadas à contratação de shows.

Posicionamentos dos vereadores

•             Edison Ribeiro (União)

"O vereador Edison Ribeiro informa que não teve acesso à denúncia nem a qualquer documento oficial relacionado à investigação mencionada. Portanto, desconhece o teor da apuração e os detalhes apontados. O que se pode afirmar, de forma geral, é que todas as empresas contratadas por meio de emendas parlamentares devem obrigatoriamente atender aos critérios técnicos, documentais e orçamentários estabelecidos pela Secretaria de Cultura, que é o órgão responsável por analisar, aprovar e executar os projetos culturais. Assim que houver acesso ao conteúdo da denúncia ou qualquer comunicação, o vereador estará à disposição para prestar um posicionamento".

•             Nelson Hossri (PSD)

“Inicialmente, quero expressar o meu total apoio às investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Em se tratando de dinheiro público, toda a transparência e o zelo são fundamentais.

Esse Inquérito foi aberto em fevereiro de 2024 e, naquela oportunidade, assim como muitos outros colegas, eu prestei todos os esclarecimentos e informações que me foram solicitadas.

Falando das minhas emendas impositivas destinadas à Cultura, reitero que, ouvindo munícipes e as comunidades, sugerimos/indicamos possíveis artistas a serem contratados pela Prefeitura.

A Prefeitura (Poder Executivo), em um trabalho criterioso, por meio da Secretaria de Cultura, é a responsável pelos pagamentos, contratações, análise de documentos, verificação de notas, valores de mercado, tipo de contratação, licitação, etc.

Portanto, no tocante às minhas emendas, todo o trâmite legal foi devidamente respeitado.

Entendo que, existindo indícios de ilicitude, as investigações são essenciais para garantir que a lei seja cumprida, e que, caso sejam comprovados os danos, que os culpados sejam responsabilizados, nos termos da lei”.

Posicionamentos das produtoras

•             FLS PRODUCOES ARTISTICAS LTDA.

“Informo que não estava sabendo absolutamente nada sobre qualquer investigação, até o momento não recebi nenhuma notificação! De qualquer forma, já solicitei ao nosso advogado para verificar o que está ocorrendo e até agradeço a informação dada por vocês”.

•             JAIRO BORGES CARDOSO / BR BRASIL EVENTOS SHOWS

Em resposta à reportagem, Jairo Borges Cardoso, responsável pela empresa BR Brasil Eventos Shows, informou que estava fora do escritório e que, nesta quarta-feira (23), emitiria uma nota de esclarecimento.

•             CONECTSHOWS PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA

“Com relação ao show realizado em Campinas no estado de SP, podemos responder, já com relação aos “comparados”, não podemos nos posicionar, uma vez, que para maiores informações, precisaria saber cidade e datas de realização, para levantamento de informações.

Com relação ao valor cobrado em Campinas, podemos afirmar, que para a realização na data escolhida pelo Município e observado todos os requisitos para o fechamento de valor à época, foi totalmente condizente, uma vez que foi observado para o seu valor, a logística e obrigações assumidas naquele momento.

Já com relação a alegação de super faturamento, isso é inverídico, a demais, relacionar situações desiguais como iguais não é correto, cada situação é única, e como dito anteriormente, vários são os requisitos para fechar um valor (logística, obrigações assumidas, datas, regiões e interesse do artista em conquistar ou estar presente em determinados eventos).

Só para fins de esclarecimentos, se tivéssemos de fechar hoje um show em Campinas pelo valor apontado por exemplo, teríamos que levar em consideração que os artistas estão no Centro Oeste, imagina uma logística terrestre (não precisa nem ser aérea) para os artista e uma equipe inteira, somado ainda aos encargos tributários de 21% sobre por exemplo os R$ 95.000,00 apontados, só aí, já teríamos uma despesa de R$ 45.000,00 a R$ 50.000,00, ainda teríamos dependendo da tratativa toda a produção local e despesas de viagem dos artistas e sua equipe, sem dizer que os artistas e sua equipe, assim como empresários, vendedores, etc., não trabalham de graça, tem um custo com tudo isso”.

O que diz a Prefeitura

“A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Campinas informa que tem colaborado com o envio de todas as informações e documentos solicitados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Vale destacar que já foi realizada uma oitiva junto ao Ministério Público, ocasião em que foram apresentados, com total transparência, todos os trâmites que envolvem a contratação de apresentações artísticas custeadas por emendas parlamentares impositivas. Durante a reunião, as dúvidas da Promotoria foram plenamente esclarecidas, incluindo a explicação detalhada sobre os procedimentos legais e técnicos adotados na composição de preços para cada contratação.

É importante esclarecer que os processos de contratações por meio de emendas impositivas foram iniciados com indicações dos vereadores autores das emendas parlamentares, cabendo à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a análise da documentação e a formalização do processo administrativo, conforme determina a Lei Federal nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

A Prefeitura não define os valores dos cachês. O valor a ser pago é estabelecido com base em comprovações de preço praticado nos últimos 12 meses, e o preço final contratado é sempre o menor valor apresentado nesse conjunto. Em todos os casos, os processos observam o limite de R$ 100 mil por ano, conforme recomendado pelo Ministério Público e acatado pela Administração.

Antes da formalização do contrato, os processos passam por uma rigorosa análise documental, que inclui: portfólio artístico, comprovação de valores praticados, certidões negativas e todas as exigências legais previstas. Após essa triagem, os documentos são encaminhados para análise da Procuradoria do Município e outros órgãos competentes da Administração.

Nem todas as indicações feitas por parlamentares são efetivadas. Muitas propostas não avançam por não atenderem aos critérios técnicos e legais exigidos. Entre fevereiro e março de 2025, foram iniciados 94 processos de contratação, sendo que 78 resultaram em apresentações efetivadas, enquanto os demais foram indeferidos por não cumprirem os requisitos legais.

Com a chegada das emendas impositivas, houve ampliação nos tipos de eventos, expandindo a diversidade de atrações e a atuação cultural nos bairros da cidade. A Secretaria Municipal de Cultura reafirma a política de fomentos aos artistas locais.

A Prefeitura de Campinas e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo reiteram o compromisso com a transparência, a legalidade e o uso ético dos recursos públicos. Os processos são constantemente aperfeiçoados, com o objetivo de garantir a lisura, a responsabilidade e a eficiência na gestão pública da cultura.

A Prefeitura está desenvolvendo uma nova plataforma para substituir o atual portal das emendas (emendas.campinas.sp.gov.br). A ideia é que o site fique mais intuitivo e acessível para a população e qualquer um que quiser obter informações sobre as emendas.”

O que diz a Câmara

"As emendas parlamentares são de competência exclusivas dos vereadores. Os parlamentares lançam suas emendas diretamente no sistema disponibilizado pela Prefeitura. Para maior, esclarecimentos é importante acionar os gabinetes dos vereadores citados".

O que diz o Ministério Público

Procurado, o MP-SP informou que "durante as investigações não é possível conceder qualquer entrevista. O procedimento, porém, é público, e pode ser acompanhado por qualquer cidadão, com a devida solicitação e certidão nos autos".


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